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Eleições 2020: candidatos no ES 'escondem' partidos na campanha

Eleições 2020: candidatos no ES "escondem" partidos na campanha

Na Grande Vitória, a maioria dos candidatos às prefeituras não deixam claro, no horário eleitoral e nas redes sociais, por qual partido estão concorrendo nas eleições de 2020

Publicado em 6 de novembro de 2020 às 06:00

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Propaganda Eleitoral na televisão teve início nesta sexta-feira, 9 de outubro
Propaganda Eleitoral na televisão teve início em 9 de outubro. (Natalia Devens)

Não é de hoje que as campanhas políticas no Brasil, e o Espírito Santo não foge à regra, focam nomes e rostos, pessoas e personagens, em detrimento de bandeiras político-partidárias. Mas, nas eleições municipais de 2020, um fenômeno chama a atenção: até mesmo candidatos com ligação histórica com siglas tradicionais deixaram de lado as cores e os símbolos dos partidos na propaganda de TV e nas publicações nas redes sociais.

O mesmo ocorre com aqueles que se filiaram há poucos meses, apenas para conseguir disputar o pleito. Mas há exceções.

Apesar do que pode parecer, não há possibilidade de candidaturas avulsas. Todos os candidatos têm que estar filiados a um partido ao menos seis meses antes da eleição.  No Brasil, há 33 partidos políticos com registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

De acordo com cientistas políticos consultados pela reportagem, o "sumiço" dos partidos na campanha eleitoral é, além do retrato da disputa eleitoral baseada em indivíduos, sintoma da falta de identidade dos candidatos com as agremiações. 

A reportagem de A Gazeta analisou as campanhas de candidatos a prefeito de VitóriaVila VelhaSerra e Cariacica. E constatou que, na maior parte das vezes, apenas o número do partido ganha destaque. É esse mesmo número que os eleitores têm que digitar na urna, se quiserem votar no candidato em questão. 

VITÓRIA

Candidatura de João Coser (PT) não traz as cores tradicionais do PT
Candidatura de João Coser (PT) não traz as cores tradicionais do PT. (Reprodução / Youtube)

Em Vitória, o caso que mais chama a atenção é o do petista histórico João Coser, cuja propaganda não exibe o tradicional vermelho do PT e tampouco a estrela, símbolo do partido. Tons de laranja e azul tomam a tela. Ex-prefeito da cidade, Coser tem uma candidatura competitiva, apareceu tecnicamente empatado em pesquisa Ibope com Fabrício Gandini (Cidadania), mas também é o que detém a segunda maior rejeição. A pesquisa foi divulgada em 3 de novembro. 

O PT chegou a cobrar candidatos que não defendem o partido e, principalmente, o ex-presidente Lula. No horário eleitoral gratuito de 27 de outubro Coser veiculou um vídeo institucional do PT e cumprimentou o ex-presidente Lula, que completou 75 anos naquele dia, seguindo orientação do diretório nacional da agremiação. A vice de Coser na chapa é Jackeline Rocha, presidente estadual do Partido dos Trabalhadores.

Gandini, por sua vez, é presidente estadual do Cidadania. O TSE autorizou, em setembro de 2019, a mudança de nome. Antes, o Cidadania se chamava PPS, Partido Popular Socialista. É uma sigla com raízes antigas na política brasileira, ainda que com nova roupagem. O PPS foi criado em 1992 durante o X Congresso do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que foi então rebatizado. 

Se resquícios da antiga legenda não estão presentes na propaganda de Gandini, tampouco o novo nome. Nos materiais veiculados nas redes sociais e na televisão, a figura do candidato é colocada em destaque e não há, em qualquer momento, indicação de que ele pertença ao Cidadania. A candidatura de Gandini firmou aliança entre seis partidos, a maior da capital (PSL, PDT, Avante, PSC, Podemos e Cidadania). O vice, aliás, é Nathan Medeiros, do PSL, partido que elegeu Jair Bolsonaro em 2018.

Por outro lado, há a candidatura de Neuzinha de Oliveira (PSDB). Após forte disputa no diretório municipal do partido para conseguir se lançar como candidata, Neuzinha traz o símbolo do partido e o do "PSDB Mulher" na campanha, seja nas redes sociais ou nas aparições na televisão. A vereadora de Vitória, que está no quinto mandato, é também presidente do PSDB em Vitória.

Neuzinha (PSDB) expõe dois símbolos do PSDB nas campanhas veiculadas na televisão
Neuzinha (PSDB) expõe dois símbolos do PSDB nas campanhas veiculadas na televisão. (Reprodução / Youtube)

Na Capital, outros candidatos, nas propagandas de televisão e nos materiais de campanha, também exibem o símbolo dos partidos: Namy Chequer (PCdoB)Gilbertinho Campos (PSOL)Coronel Nylton (Novo) e Capitão Assumção (Patriota).

No caso dos candidatos do PCdoB e PSOL, os símbolos dos partidos estão presentes em todas as peças veiculadas na televisão e nos meios digitais, marcando presença nos cantos das telas. O candidato do Novo se vale da estética do partido e utiliza a cor laranja, além da logo da agremiação.

Já Capitão Assumção, candidato a prefeito de Vitória pelo Patriota, está sempre de amarelo. Isso porque o uso da farda da Polícia Militar na propaganda é proibido pela legislação eleitoral. As cores predominantes do Patriota são verde e azul, mas também há aplicações de amarelo.

Enquanto isso, Delegado Pazolini (Republicanos)Sérgio Sá (PSB)Mazinho (PSD) e Halpher Luiggi (PL) exibem, claro, a figura deles próprios, e o número do partido. O nome e o símbolo das agremiações não é mostrado em momento algum e as declarações e slogans tampouco explicitam a filiação a algum partido.

Pazolini filou-se ao Republicanos em 2020. Em 2018 ele foi eleito deputado estadual pelo PRP, que depois fundiu-se ao Patriota. Halpher Luiggi é novato na política partidária e escolheu o PL do ex-senador Magno Malta. Mazinho é vereador de Vitória e se elegeu pelo PSD em 2016. Já Sérgio Sá tem uma longa história no PSB do governador Renato Casagrande, o que o ajudou a ser escolhido candidato em prévia realizada pelo partido

VILA VELHA

Em Vila Velha, as campanhas seguem a ideia dos candidatos à prefeitura da Capital. As peças de propaganda, na maioria dos casos, omitem nome e símbolo dos partidos. O foco é o candidato e o número na urna.

Max Filho (PSDB) é o atual prefeito do município e conta com a maior coligação da cidade, com seis partidos (PSDB, PP, DC, PSC, DEM e PSB). O PSDB é o quinto partido de Max na vida pública e, apesar de não ser um tucano tradicional, ele exibe a logomarca da agremiação nas campanhas de televisão. Nas redes sociais, porém, não há menção à filiação.

Max Filho (PSDB) estampa o símbolo do PSDB em campanha na televisão
Max Filho (PSDB) estampa o símbolo do PSDB em campanha na televisão. (Reprodução / Youtube)

Neucimar Fraga (PSD) e Arnaldinho Borgo (Podemos) seguem o que parece ser a tendência nestas eleições municipais e não mostram o partido, símbolo ou slogan nas campanhas de redes sociais e televisão. O mesmo acontece com o candidato Coronel Wagner (PL) e, em alguma medida, com Dr. Hudson (Republicanos), que mostra o partido apenas na descrição pessoal nas redes sociais.

As campanhas de Rafael Primo (Rede) e Amarildo Lovato (PSL) tomam o caminho contrário e exibem os partidos dos candidatos, seja nas redes sociais ou na televisão. O candidato do PSL, inclusive, utiliza a imagem do presidente Jair Bolsonaro, que se elegeu pelo PSL em 2018, mas hoje está sem partido.

 Mônica Alves (PSOL) exibe esporadicamente o símbolo do partido nas campanhas. Dalton Morais (Novo) explicita o partido ao qual é filiado nas redes sociais, inclusive em postagens com correligionários. Na campanha de TV, ele se vale de alguns traços gráficos em laranja, a cor tradicional do partido e, ocasionalmente, usa camisas com o símbolo da agremiação. Em adesivos utilizados em carros de apoiadores ele também aparece, junto com a vice na chapa, Aline D'Ávila, com a camisa laranja do partido e o nome Novo em evidência.

SERRA

Já na Serra, o que ocorre é a quase completa "omissão" dos partidos nas campanhas eleitorais. Dos sete primeiros candidatos citados na pesquisa estimulada de intenção de votos feita pelo Ibope e divulgada em 19 de outubro, nenhum mostra o partido nas campanhas.

Como não há horário eleitoral gratuito local na televisão na Serra, os candidatos utilizam as redes sociais e as campanhas presenciais para fortalecimento das candidaturas. Ainda assim, os símbolos dos partidos ficam de fora das campanhas.

Delegado Federal Márcio (MDB) teve a candidatura barrada pela Justiça Eleitoral, mas recorre da decisão. Apesar de ser o único que passa perto de mostrar o partido, deixando o símbolo do MDB em uma das fotos de perfil nas redes sociais, o candidato tenta concorrer nas eleições sem a aprovação da própria sigla, que apoia Vandinho Leite (PSDB) no pleito.

Há, porém, outras abordagens de campanha entre partidos e candidatos. Sergio Vidigal (PDT) é um exemplo parecido com o de João Coser em Vitória. Tradicional político do partido, o pedetista prefere não exibir o símbolo da agremiação. Apesar de Vidigal ser o nome mais forte do PDT no Espírito Santo, os materiais de campanha do candidato não mostram o símbolo do partido. Tanto nas redes sociais quanto em impressos, o que aparece é, além do próprio candidato e das propostas, o número de urna, sem nenhuma menção à filiação partidária.

Vidigal, que é ex-prefeito da Serra e deputado federal votou, em 2016, pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), contrariando a orientação do PDT. O candidato é o atual presidente do diretório estadual do PDT no Espírito Santo.

Nos materiais de campanha de Sérgio Vidigal (PDT), não há menções ao partido
Nos materiais de campanha de Sergio Vidigal (PDT) não há menções ao partido. (Reprodução / Redes Sociais)

Vandinho Leite (PSDB) é outro exemplo de candidato que não se alia necessariamente ao partido ao qual é filiado. Passando por partidos dos mais diversos espectros políticos, Vandinho já foi aliado de Magno Malta (PL) e se candidatou nas eleições de 2014 pelo PSB. O candidato faz parte da maior chapa da cidade, com seis partidos (PMB, PRTB, MDB, PROS, DC e PSDB). Nas eleições de 2020, as peças de propaganda de Vandinho não trazem o símbolo do PSDB.

Apesar de fazer parte da agremiação que tem como maior expoente o governador de São Paulo, João Doria, Vandinho se coloca como defensor do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), que rivaliza com Doria a todo momento. O vice de Vandinho na chapa, Afonso Pimenta, também filiado ao PSDB, foi signatário da criação do partido Aliança Pelo Brasil, que Bolsonaro tenta tirar do papel.

Campanha de Vandinho Leite (PSDB) opta por não exibir os símbolos do partido
Campanha de Vandinho Leite (PSDB) opta por não exibir os símbolos do partido. (Reprodução / Redes Sociais)

CARIACICA

Em Cariacica, também se repete a tônica de outras cidades da Grande Vitória. Dos nove primeiros apontados em pesquisa Ibope na cidade divulgada em 17 de outubro, em intenção de votos estimulada, apenas três mostram explicitamente os símbolos do partido nas campanhas eleitorais.

Sandro Locutor (PROS), Subtenente Assis (PTB) e Celso Andreon (PSD) exibem o símbolo de seus partidos em todos os materiais de campanha. 

Ivan Bastos (MDB) divulga a sigla do partido discretamente e apenas nas redes sociais. Célia Tavares (PT), por outro lado, segue, em parte, a linha de João Coser em Vitória. Prefere não mostrar o vermelho do Partido dos Trabalhadores ou a estrela tradicional. Mas, assim como o colega de partido, parabenizou o ex-presidente Lula no último dia 27, seguindo orientação do diretório nacional.

Célia Tavares (PT) não utiliza as cores tradicionais do PT, mas exibe estrela vermelha discretamente
Célia Tavares (PT) não utiliza as cores tradicionais do PT, mas exibe estrela vermelha discretamente. (Reprodução / Redes Sociais)

FALTA DE IDENTIFICAÇÃO PODE AJUDAR A EXPLICAR

Ainda que as propagandas políticas da Grande Vitória não deixem, em sua maioria, evidentes os partidos dos candidatos, o fenômeno tem de ser analisado com mais atenção. O que aparentemente é uma tendência eleitoral tem explicações que vão além das candidaturas.

Para o cientista político Fernando Pignaton, uma das explicações para o fenômeno da "omissão" dos partidos pode ter raízes nas eleições de 2018. "O fato de ser uma eleição local e não polarizada, como foi em 2018, faz com que as campanhas foquem as realizações dos políticos e não tanto nas ideologias", explica Fernando.

A menor polarização, aponta Pignaton, se deve ao fato de os grandes partidos estarem desgastados. Segundo o cientista, o PT não demonstra força local como partido da esquerda, enquanto a direita bolsonarista falhou na tentativa de união em torno de um partido.

As eleições municipais, sem a presença forte dos partidos políticos nas propagandas eleitorais, mostra, ainda, outro problema crônico do Brasil, segundo o cientista político. A falta de previsibilidade entre as propostas dos candidatos, a pouca consolidação histórica da maioria dos partidos e os mandatos sem identidade fazem com que a vida política do país se torne errática e pendular.

Para Pignaton, não há país desenvolvido que se assegure enquanto democracia sem um sistema político sólido e reconhecível. "Essa conjuntura abre campo para individualidades e personalismo, para alpinistas sociais que se aproveitam da política brasileira."

O advogado e doutor em Direito Caleb Salomão acrescenta outro fator que ajuda a explicar a pouca presença dos partidos políticos nas campanhas eleitorais: alguns partidos trazem memória negativa ao eleitor. Ele aponta ainda para uma irrelevância das agremiações na vida política brasileira. "É provável que a maioria dos filiados, bem como a maioria dos candidatos, jamais leram os estatutos do partido. Assim, a importância dos partidos se vê reduzida a nada expressivo, pois não há identidade", afirma.

*Rafael Carelli é aluno do 23º Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta e foi supervisionado pela editora Samanta Nogueira.

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