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Como é a mutação do coronavírus que leva a sacrifício de animais

Como é a mutação do coronavírus que leva a sacrifício de animais

A mutação preocupa por reduzir a sensibilidade de resposta de anticorpos e, com isso,  pode afetar a eficácia das novas vacinas que estão sendo produzidas

Publicado em 10 de novembro de 2020 às 16:56

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Vison encontrado em seu ambiente natural
Vison encontrado em seu ambiente natural. (Pixabay)

A mais recente mutação do novo coronavírus, já identificada em alguns países europeus, verificada agora na Dinamarca, vem preocupando os epidemiologistas por sua gravidade, e por impactar diretamente no desenvolvimento das vacinas contra a Covid-19 que devem chegar ao mercado entre o final de 2020 e o próximo ano. E esse cenário tem um agravante: a chegada dos feriados do final de ano, aliada ao comportamento de parcela da população que não está respeitando o distanciamento social e o uso de máscara.

“Foi uma mutação inesperada, já que se tinham poucos relatos de contaminação em outros animais. A preocupação é de que todo o esforço que vem sendo feito para se obter uma vacina possa ser afetado com esta nova mutação”, observa Ethel Maciel, pós-doutora em Epidemiologia e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

O problema principal é que a Covid-19 é uma doença nova, sem medicamento específico e sem vacina aprovada que possa ser administrada na população, explica a epidemiologista. “Qualquer movimentação do vírus é um problema porque não temos como combatê-lo. Apesar de pesquisas em curso, medicamentos e vacinas só no médio prazo. Até lá, deixá-lo fazer mutações é uma preocupação enorme. E, para evitar a circulação dele, a única forma é diminuir a velocidade de transmissão, evitando aglomeração, mantendo distanciamento e o uso de máscara."

IMPACTO DA NOVA MUTAÇÃO

É comum os vírus sofrerem mutação, o que ocorre à medida que vão trocando de hospedeiro, numa forma de adaptação a uma nova espécie. No caso do novo coronavírus já ocorreram várias, e uma dessas variações foi identificada na Espanha e responsável por cerca de 40% dos contaminados na 2ª onda que chegou por lá e  em outros países europeus, aponta a epidemiologista.

O problema desta mutação identificada agora nos visons da Dinamarca, observa Ethel Maciel, é que ela produziu uma modificação que inibe a resposta imune do organismo. “É uma mutação nova que pode ser bem perigosa. Há uma sensibilidade reduzida aos anticorpos, que não fazem a resposta adequada, o que pode reduzir a eficácia das novas vacinas”, explica.

Os ministérios de Relações Exteriores e da Saúde da Dinamarca, ao site G1, informaram nesta sexta-feira (6) que 214 trabalhadores de fazendas de vison – animal utilizado na indústria de peles – tiveram variantes da Covid-19 transmitidos pelos animais.

A gravidade da situação levou a Dinamarca a determinar que 17 milhões de visons do país sejam sacrificados. O Instituto Statens Serum, que lida com doenças infecciosas naquele país, anunciou, em entrevista concedida para a CNN, que a uma cepa em mutação do Sars-CoV-2 (novo coronavírus) foi encontrada em 12 pessoas, em cinco fazendas de criação de visons. E que a decisão de abate dos animais visa à prevenção do estabelecimento de um “novo hospedeiro animal para esse vírus."

De acordo com o Ministério da Agricultura dinamarquês, em entrevista para o site G1, o vison é a terceira maior fonte de exportação do país e é responsável pela produção de 40% das peles do mundo. Vão ser mortos animais de mais de mil fazendas, o que vai custar aos cofres públicos cerca 5 bilhões de coroas dinamarquesas, cerca de R$ 4,4 bilhões.

A produção de vison é usada para a fabricação de casacos de pele, bolsas e na indústria da beleza. “É uma medida radical e vai causar grande prejuízo financeiro, mas se ele se espalhar, será ainda pior”, observa Ethel.

Além da Dinamarca, a Espanha abateu 100 mil visons após identificação de casos de contaminação dos animais no Norte do país, na província de Aragão, em julho. Um mês antes, em junho, a Holanda também promoveu o abate de 10 mil visons, após ocorrerem casos de transmissão desses animais para humanos.

RISCO NA SEGUNDA ONDA DE CASOS

Segundo Ethel Maciel, o aumento do número de casos que tem sido registrado no Espírito Santo e no Brasil guarda semelhança com o que já acontece na Europa. “Temos um aumento de infecções verificadas na classe média, em decorrência deste comportamento de aglomeração. E agora com o alerta das novas cepas do coronavírus, não podia deixar ninguém entrar vindo da Europa, de viagens externas”, pondera.

Ela explica que na Espanha, nesta segunda onda de casos, uma das variações - a que já foi responsável por 40% das infecções no país -, tomou o espaço da cepa anterior do coronavírus. “Não é a variante do vison; essa mutação não mostrou casos mais graves, com mais óbitos ou teve impacto na vacina. Mas preocupa por ser uma contaminação por uma nova variação do vírus”, arguma Ethel Maciel.

Laboratório que pesquisa e desenvolve a vacina contra o coronavírus
A vacina desenvolvida pela AstraZeneca e a Universidade de Oxford é testada no Brasil. (Divulgação/Universidade de Oxford)

Na primeira onda da doença que atingiu a Europa, morreram os mais velhos, acima de 70 anos, em sua maioria. O contrário aconteceu no Brasil, que apresentou muitos óbitos abaixo de 60 anos, algo semelhante ao que ocorreu no México. “Aqui o vírus matou mais jovens. O risco das novas variantes é que ele é incerto, não se sabe como vai ser o seu comportamento, podendo ter outras mutações que o tornem ainda mais grave”, destaca a epidemiologista.

Para evitá-la, acrescenta Ethel, somente com o distanciamento social. “A mutação surge quando o vírus vai circulando e quanto mais se multiplica, mais chances de fazer a sua mutação na sua replicação."

NÚMERO DE CASOS CHEGA A TRIPLICAR

Ao analisar os números da segunda onda da pandemia do novo coronavírus na Europa, Pablo Lira, diretor de Integração e Projetos Especiais do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), observa que o número de casos da doença chega a triplicar. A avaliação foi feita com base no levantamento de dados realizado pela Johns Hopkins University of Medicine, que faz o rastreamento mundial da doença.

Na França, por exemplo, a primeira onda teve dias de mais de 26 mil casos. Agora há dias com mais de 60 mil, com pico de 125 mil. A diferença é que o número de óbitos, entre as duas fases, caiu. Chegou a picos superiores a 1.400 mortes diárias em abril, e agora tem em torno de 820 em um dia. O país já acumula mais de 41 mil mortos.

A Espanha teve em torno de 9 mil casos por dia em março, chegando em novembro com 25 mil registros diários, com picos de até 50 mil. Os óbitos chegaram a mais de 900 por dia em abril, com picos de 1.100 em junho. Agora, os registros são em torno de 500 por dia, mas tendo registrado pico de 1.600 em um dia. No país,  já são mais de 39 mil óbitos.

Itália chegou a registrar picos diários de mais de 800 mortes, e agora o pico fica em torno de 400. O pico de casos chegou a 6 mil na primeira onda, e agora tem dias com até 39 mil registros. Os italianos enterraram mais de 41 mil pessoas por Covid-19.

De acordo com Pablo, embora ainda não se possa falar de uma segunda onda de casos no Brasil e no Espírito Santo, é possível observar que na Europa tem sido mais intensa do que a primeira. “Temos que ficar atentos porque já vimos o que aconteceu no início do ano, semanas depois a doença chegou ao Brasil. A segunda onda nos acende um alerta, principalmente com as novas variantes do vírus. Com a chegada do final de ano, as datas comemorativas e o desrespeito às medidas sanitárias podem acelerar a contaminação”, assinala.

Mapa de Risco, a ferramenta de gestão que aponta o nível de ameaça da doença, observa Pablo, tende a apresentar nas próximas semanas um número maior de casos confirmados. E, constatado o aumento, mais municípios poderão retornar ao risco moderado, com restrição de atividades sociais e econômicas. As escolas, por exemplo, voltam a fechar.

No último sábado (07) foi o que ocorreu com as cidades de Santa Teresa e Colatina, que se juntaram a Ecoporanga, que já estava na mesma condição. E voltam a enfrentar mais restrições. Mas apesar do aumento do número de casos que tem sido registrado, o de óbitos tem se mantido estável, explica Pablo.

O que se tenta, segundo Pablo, é evitar situações como a de Israel. “Na primeira onda, eles registraram um número menor de casos e de óbitos, com medidas restritivas mais severas. Posteriormente, foram liberando todas as restrições e o número de casos e de óbitos aumentou muito. Não houve achatamento da curva de mortes como ocorreu em outros países e até no Espírito Santo”, compara.

No caso do Espírito Santo, a expectativa é de que, com a taxa de letalidade reduzindo, se tenha um controle maior na curva de óbitos. “Dificilmente vamos apresentar um comportamento como o de Israel”, avalia Pablo.

Há ainda, destaca Pablo, o aprendizado no tratamento da doença acumulado pelos profissionais da saúde ao longo dos últimos meses, e a ampliação da capacidade de atendimento do sistema de saúde. Ainda assim, há que se registrar um aumento da demanda por leitos de UTI nos últimos dias, resultado justamente do crescimento no número de pessoas infectadas e que desenvolveram o quadro mais grave da doença. 

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