Foto entrevista Summit
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Carlos Melo

"A oposição favoreceu muito o presidente Lula"

Participante do Pedra Azul Summit, cientista político faz uma análise da atual conjuntura e apresenta um olhar crítico sobre a atuação dos poderes no país

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Vitória
Publicado em 15/10/2025 às 15h39

No atual cenário em que governo e oposição se dividem não apenas por posições ideológicas, mas também nos erros e acertos, em vitórias e derrotas, um longo caminho ainda precisa ser percorrido para se projetar as eleições de 2026. Mas nada escapa aos olhos e à análise do cientista político Carlos Melo que, num bate-papo com A Gazeta, pontua suas percepções sobre a conjuntura nacional. 

Nesta conversa, que precede sua participação no Pedra Azul Summit — evento que acontece entre os dias 17 e 19 de outubro, em Domingos Martins, Região Serrana capixaba —, Carlos Melo aborda as relações nem sempre republicanas entre governo e Congresso Nacional, o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) — e o centralismo da atuação do ministro Alexandre de Moraes — e revela sua opinião sobre quem deveria ocupar a vaga na corte após a aposentadoria de Luís Roberto Barroso

Carlos Melo, que já esteve em visita ao Espírito Santo e é um dos autores do livro "Decadência e Reconstrução - Espírito Santo: lições da sociedade civil para um caso político no Brasil contemporâneo", sobre a recente história política capixaba, também observa uma retomada de fôlego do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que poderia levá-lo à reeleição em 2026. Confira mais detalhes desta análise: 

O senhor já falou em alguns momentos que a barganha é parte da política, mas só faz sentido se tiver resultado. Como o senhor analisa a relação atual do governo com o Congresso Nacional?

A barganha sempre existiu, mas houve uma mudança nos últimos tempos. O presidencialismo de coalizão no Brasil se organizava a partir de um forte poder de orçamento, da máquina do Executivo. Então, havia o loteamento de ministérios, mas o presidente era o dono da caneta e ele admitia ou demitia. Afinal de contas, a liberação das verbas todas do ministério se dava pelo ministro, que tinha uma dependência do presidente da República. O que aconteceu nos últimos anos? Algumas mudanças institucionais foram importantes: o fundo partidário, que vai servir para fazer campanha; o fundo eleitoral, que é muita grana para campanha também; e as emendas impositivas ao orçamento da União. Então, aqueles elementos de barganha em que o Executivo dizia: 'Oh, tome isto, mas me dê seu voto', se enfraqueceram, diminuíram.

Antes, em virtude desses elementos, o Executivo compunha a maioria no Congresso de uma forma mais rápida, mais fácil. Na Câmara, chegava-se a 257 votos, com algum esforço de barganha, evidentemente, mas chegava. É difícil hoje chegar a 257 votos — a maioria mais um. Na Câmara dos Deputados, para chegar a 308 votos para uma reforma da Constituição, é mais difícil ainda. Veja só o que aconteceu na rejeição daquela medida provisória (da taxação). O governo chegou a 193 votos, não chegou a 257. Mas por que eu estou falando de 193, que não é a metade da Câmara? A minha intuição é que o governo, sabendo que tem mais de 171 votos, que é o mínimo para não sofrer um impeachment, resolveu cobrar os partidos que têm cargos e dizer: 'ou você está comigo, ou não está'. Talvez, agora, o governo esteja operando mais tranquilo. Esse quórum representa uma coalizão que dá tranquilidade. Não dá governabilidade, mas dá a tranquilidade.

Junte tudo isso ao bom momento do presidente Lula e a todos os erros que a oposição cometeu. Hoje eu li que o Lula só se refere ao Eduardo Bolsonaro como 'meu camisa 10', é quem está marcando o gol para o governo. O presidente se sente à vontade para dizer o seguinte: 'olha, você quer mais? Quer cargo na Caixa Econômica, nas superintendências regionais e tal, vota comigo.' 

O presidencialismo de coalizão servia como uma espécie de coerção do Executivo sobre o Legislativo. Isso era ruim, é verdade. Só que agora a coerção mudou de lado e também é muito ruim. Aquela relação republicana, pensando no que é melhor para o país, não existe. Num determinado momento, é o presidente pensando no que é melhor para o governo dele, num outro momento, é o Legislativo que não depende do governo e o coagindo. O interesse público desaparece e esse é um problema do Brasil. A barganha faz mais sentido quando está voltada para projetos que digam respeito ao interesse nacional. 

Essa prática demonstra o quanto o Congresso está afastado dos temas de interesse da população?

Escrevi um artigo para O Globo (em 10 de setembro) em que aponto isso: o interesse coletivo desapareceu. Até uso uma frase que vi há muitos anos em um editorial do Estadão que dizia que tudo o que a população poderia querer é que, de vez em quando, os interesses políticos coincidissem com os interesses da população. Ali, ainda não havia sido votada a PEC da Blindagem...

Os caras estão indo num caminho de defender o próprio interesse e esquecer do país. Isso é um absurdo! Mas eles votaram (a PEC) e, por um descuido de não ter passado o voto obrigatório na madrugada, no dia seguinte fizeram uma manobra e votaram de novo. E por quê? Porque estão sendo perseguidos pelo Judiciário, essa é a desculpa. Estão sendo perseguidos porque subiram na tribuna e fizeram a defesa de uma ideia? Não. Estão sendo perseguidos por malversação de verbas das emendas, por exemplo. Uma coisa é a liberdade de expressão, outra é defender crime. 

Eles não estão sendo perseguidos. Na verdade, estão sendo enquadrados na lei. Os caras não querem ser enquadrados na lei, a tal ponto que o projeto previa que crimes passados, presentes e futuros não pudessem ser processados, quer dizer, tem um divórcio aí, um divórcio litigioso entre o interesse daqueles que votaram a favor da PEC da Blindagem e o interesse público. Nada deixa mais explícito do que essa PEC, mas, se me pedir exemplos de anos anteriores, temos o 'Orçamento Secreto', as 'Emendas Pix', os gastos de gabinete, mas a PEC da Blindagem é o mais simbólico.  

Falando nessa PEC, o que a mobilização popular contra a proposta, que acabou enterrada no Senado Federal, nos revela?

Assim como na direita há o bolsonarismo mais mobilizado, há, na esquerda, o petismo mais mobilizado, mas não foi uma manifestação do petismo, a despeito de muita gente falar das 'camisas vermelhas'. Aliás, a esquerda estava com medo de perder o controle. Aquilo surgiu de uma forma muito interessante porque, na madrugada (da votação da PEC), Caetano Veloso ficou indignado, gravou um vídeo para sua rede social e aquilo reverbera. 

Dali, a esposa dele, Paula Lavigne, articula com alguns artistas. Não tem uma preparação prévia, nada disso. O movimento foi articulado para Copacabana, no Rio de Janeiro. Aí, algumas pessoas se movimentam na Bahia; em São Paulo, também; e a coisa pega fogo e se espalha por várias cidades do Brasil. Aquilo não foi um movimento forjado pelo PT ou pelo Psol. Pelo contrário, PT e Psol foram de arresto nessa história. 

E por quê (da manifestação)? Tem hora que você diz: 'Chega!' Por mais que a gente esteja meio adormecido, em uma situação letárgica mesmo, por conta de tantas jornadas (citando movimentos políticos, das Diretas até a eleição de Jair Bolsonaro), tem uma hora que cansa. Uma pesquisa mostrou que perto de 54% da população não é de direita nem de esquerda. Chega uma hora em que as pessoas ficam indignadas. Quando os caras definem que eles são cidadãos de primeira classe, estão também definindo que você é cidadão de segunda classe. Aí, você fala: 'Chega!'

Ao contrário do que o bolsonarismo quis fazer crer, aquele movimento não foi uma mobilização da esquerda, ou de artistas pagos pela Lei Rouanet. Mentira! A esquerda não tem nem capacidade de mobilizar tanta gente assim mais. Então, isso foi o que assustou pessoas como o Ciro Nogueira (senador, ex-ministro de Bolsonaro). Esses caras não vão admitir, mas sabem que a esquerda não tem essa capacidade de mobilização, que aconteceu a despeito da esquerda. Portanto, foi da sociedade e assustou tanto que recuaram.

E demonstra a força que a população pode ter para cobrar dos políticos?

Demonstra quando queremos expressar essa força, porque o que tem sido mais comum nos últimos anos é um certo desânimo. Mas tudo tem limite!

Nesta terça (14), o Supremo Tribunal Federal (STF) começou o julgamento de mais um núcleo denunciado por envolvimento na trama golpista. Como o senhor enxerga o papel do Supremo nessa pauta que ainda divide o país?

Uma coisa que me irrita muito é aquele clichê que algumas pessoas falam: 'as instituições estão funcionando'. Eu não sei se voltaram a funcionar, mas sei que ficaram um bom tempo sem funcionar. Foram cometidos absurdos durante a pandemia e a Procuradoria-Geral da República (PGR) simplesmente não se posicionou. E é uma instituição. O Congresso inúmeras vezes fechou os olhos para muitas coisas que ocorreram, como uma 'farra do boi' em termos de equilíbrio fiscal, com calote em precatório, retirada de dinheiro de governadores. Se for pensar em instituições que tiveram um papel e se posicionaram, foi o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e depois, referendando, o Supremo Tribunal Federal (STF). 

Então, não foram as instituições. Foram as organizações vinculadas ao STF e ao TSE que funcionaram. Naquele momento de colapso de muitas instituições, quem acabou agindo na salvaguarda da democracia foram o TSE e o STF. E talvez tenham requerido algumas medidas que, se não fosse momento de exceção, talvez em momentos normais, tivessem que passar por outro crivo, como menos centralidade em um único ministro, num único juiz. Tudo isso seria desejável se os tempos fossem normais.

Agora que esse perigo parece, pelo menos, momentaneamente, afastado, em que já houve julgamento, as pessoas estão sendo condenadas e vão cumprir pena e tudo mais, dando um sinal para a sociedade de que a democracia é coisa muito séria, acho que já se pode discutir a volta do Supremo para o seu eixo. E eu acho que vai voltar. Vai continuar tendo problemas, conflitos internos e tal, mas com alguns limites. 

Mas quando o Supremo começa a ter esse papel? Vem de votações do começo dos anos 2000. A política se abstém de votar a união homoafetiva, parto de bebê anencéfalo. Tudo isso os políticos não quiseram votar porque traria desgaste. Se vota a favor, se desgasta; se vota contra, também. Então, jogaram para o Supremo e o Supremo foi se fortalecendo. Na disputa política, dentro do Congresso ou na relação com o Executivo, recorria ao STF. Hoje, o pessoal do centrão reclama do Psol que, quando perde, recorre ao Supremo, mas o PSDB fazia isso. Tudo isso foi dando força para o Supremo, até por omissão do Legislativo em vários momentos e em vários aspectos.   

Então, não adianta o Legislativo dizer que pode mudar a Constituição, mas não pode mudar cláusula pétrea, a não ser com uma nova Constituição. Então, o Legislativo não pode simplesmente interferir no Supremo: 'fulano foi julgado, condenado, mas nós aqui vamos livrar a cara de fulano'. Reclamam da centralidade do Alexandre (de Moraes). Talvez a gente possa discutir isso a partir de agora, qual o tamanho dele, o personalismo, mas você não pode escolher o juiz que vai te julgar, fazer uma ameaça a ele só para colocar o cara sob suspeição. Isso não faz sentido, mas o Supremo precisa voltar para o eixo, o eixo de uma normalidade, mas o país precisa voltar para a normalidade. 

Quais são os principais fatores que mantêm o atual nível de polarização no Brasil?

Nã só no Brasil, no mundo também. Há um processo muito mais profundo que é o seguinte: até a pandemia, eu não podia imaginar que estaria dando uma entrevista, conversando com você e vendo seu rosto e, depois de acabar de conversar, fosse fazer outro trabalho, abrir meu assistente de inteligência artificial (IA) para conversar com ele para ver o caminho a seguir num determinado projeto, enfim. O que aconteceu nos últimos anos foi uma revolução tecnológica fantástica, absurda!

A moçada que nasceu na mesma época que eu, lá na periferia em que nasci, se transformou em motoristas de caminhão, de ônibus, cobradores, torneiros mecânicos, bancários. E essas profissões estão desaparecendo, mas eles, não. Estão vivos. E perderam profissão, perderam renda, a educação não lhes sorriu e, provavelmente, os filhos também não conseguiram se formar para esse mundo novo. Então, você tem uma revolução tecnológica, como já houve outras (energia elétrica, motor a combustão, revolução industrial), e traz um abalo muito grande. Uma parte da sociedade é atropelada por esse processo. O mundo se transformou num ritmo e a política não acompanhou porque não consegue. O processo é 'just time': primeiro isso tudo acontece, depois a política precisa compreender e encontrar possibilidades de superar com políticas públicas que vão mitigar os problemas para que os filhos dessas pessoas não sejam atingidos como elas foram. 

Então, uma coisa muito ruim é que as pessoas não viram na política a resposta de que precisavam. E a maioria de nós que, de certa forma, esteve protegida nesse processo, assume uma arrogância e começa a chamar esses caras de 'perdedores'. É, eu tenho mérito porque estudei. Mas que condições aquele que não estudou teve para estudar? Só que vou começar a dizer que tenho mérito, ele não e ele é perdedor. É o desprezo por aqueles que têm que batalhar para levar a comida para casa todo dia. 

É aí que, de repente, aparecem os demagogos, como sempre e em qualquer momento da história, aparecem aqueles que dizem: eu tenho solução para isso! Qual a solução? Voltar para o passado, como o Make American Great Again (MAGA, movimento encampado pelo presidente norte-americano Donald Trump). Você não volta ao passado, tem uma inconsistência física aí, mas você faz crer que é possível voltar ao passado onde, supostamente, todos éramos felizes. 

Então, o mundo vai se dividir entre aqueles que estão descontentes e acreditam que é possível recuperar o bem-estar perdido  e aqueles que estão muito confortáveis. É essa tensão que as pessoas chamam de polarização. Eu não gosto desse termo, gosto de chamar de tensão, porque não há um polo aqui e outro ali, a extrema-direita e a extrema-esquerda. Há uma tensão entre aqueles que estão integrados e os que foram desintegrados. Essa é a crise.

E há os que se beneficiam dessa crise...

Claro! Aqueles que se nomeiam profetas, que dizem que vão ter solução para tudo isso, mas não têm. Até porque basta olhar para o mundo e se questionar: qual país não está passando por crise? A China não está, mas por conta de uma alternativa autoritária. A Rússia e a Índia também encontraram alternativa autoritária, mas será que o preço que a gente vai pagar é a morte da democracia?

Por isso que as instituições são importantes e, voltando à questão anterior, eu digo que o STF acabou se tornando muito importante porque, bem ou mal, aprovou políticas públicas importantes. Por exemplo, na época da pandemia, o Supremo deu autonomia para os governadores fazerem o que devia ser feito. Esse foi um papel muito importante para aquele momento terrível em que o Brasil vivia com uma liderança política absolutamente maluca, defendendo que todo mundo deveria ficar doente para ter imunidade de rebanho, e nós chegamos a mais de 700 mil mortes. 

E o grande problema, sabe qual é? É o diagnóstico. A política ainda não tem um diagnóstico correto do que está acontecendo para poder, a partir daí, discutir o que deve ser feito e não há consenso com relação a isso. O que há é essa tensão.

Falando em STF, a aposentadoria precoce do ministro Luís Roberto Barroso criou uma demanda inesperada para o governo Lula. Há especulação em torno do nome de Jorge Messias e de Rodrigo Pacheco, mas a escolha pode passar longe daí. Por sua análise, qual caminho seria mais acertado para o presidente neste momento?

Antes de falar desses dois nomes, tem uma coisa interessante a observar. O (Michel) Temer não colocou o Alexandre, embora fosse um cara de sua confiança, porque era amigo. Ele era um promotor, professor titular da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, um cara qualificado. Não era amigo nem 'terrivelmente evangélico' ou qualquer coisa assim, ou porque tinha sido advogado do presidente. De certa forma, da redemocratização para cá, os caras escolhidos tinham estofo jurídico. 

Até que o Bolsonaro faz a seguinte declaração: 'Eu não vou ficar aqui sentado, sem poder interferir na Polícia Federal, esperando esses caras me ferrarem, ferrarem minha família, meus amigos.' Ele usou esse raciocínio pra Polícia Federal, pra Procuradoria-Geral da República e para o Supremo também. Acho que isso foi terrível e abriu o espaço para que o Lula se sentisse à vontade para fazer também. E acho que ele fez isso, sobretudo em relação ao (Cristiano) Zanin. A despeito dos méritos jurídicos do Zanin, que eu não sou capaz de julgar. 

O Zanin é um cara da confiança do Lula e eu acho muito ruim escolher dentro dessa coisa da confiança. Não vejo problema nenhum que o Lula tenha escolhido o Joaquim Barbosa (ex-ministro do STF) e ele saiu como o carrasco do Mensalão. Acho, inclusive, que essa é uma beleza do sistema. Eu não vejo problema nenhum a Dilma (Rousseff) escolher o (Rodrigo) Janot (ex-PGR) e ele ser o cara do Petrolão, da Lava Jato. Essa é a democracia. Agora, eu acho que não é republicano você escolher alguém para depois dizer 'venha tomar uma tubaína comigo uma vez por semana', né? Isso é muito ruim!

Então, vamos aos nomes! Do ponto de vista do jogo da política — não é só o presidente, ele indica, mas tem que passar pelo Senado —, dentro desse balanço, me parece que o nome institucionalmente mais adequado seria o do Rodrigo Pacheco. Agora, é verdade também que, independentemente do Jorge Messias ser ou não próximo do presidente, eu não sei o quanto que ele é, mas, para além da questão funcional, tem uma coisa interessante: o evangelismo do Jorge Messias. E aí é puramente simbólico. Eu não acho que esse deveria ser critério para escolher um juiz do Supremo, nem à direita nem à esquerda, mas politicamente, simbolicamente, o Lula também terá esse trunfo de escolher um evangélico. 'O Bolsonaro não escolheu um evangélico ali, eu também escolho, também tenho.'

Eu acho que o mais importante é escolher um cara com capacidade, com notório conhecimento jurídico, com reputação ilibada, que é o que diz a Constituição. E como resultado dessa tensão, da necessidade de um acordo entre poderes, no qual o Executivo indica, mas quem aprova é o Senado. Por outro lado, o Rodrigo Pacheco também não pode ser uma imposição do Senado à presidência da República, porque é claro que o presidente tem o direito de indicar e o Senado tem direito de não aprovar. Do ponto de vista política, da necessária visão republicana, entre esses dois nomes, talvez o Rodrigo Pacheco fosse o mais adequado.

E talvez houvesse nomes melhores. Uma mulher entre 11 juízes, acho isso um problema em termos de representatividade. E nós temos mulheres com saber jurídico, com capacidade. Rosa Weber foi uma ministra muito digna, Ellen Gracie foi muito digna, e Cármen Lúcia também é. São 200 anos de história e três mulheres apenas no Supremo. Se você for ver, Rosa Weber,  Ellen Gracie, Carmen Lúcia, o olhar delas na hora de se debruçar sobre um problema é outro. O olhar da mulher e o olhar do homem são diferentes e eu não estou sendo machista com isso, não. O que estou dizendo é o seguinte: é necessário esse olhar, essa sensibilidade diferente. Eu não estou dizendo que é pior nem melhor, apenas é diferente e tem que ser reconhecida essa diferença como um elemento de qualidade, que melhore. Porque o consenso melhora as decisões, e o consenso que surge de visões diferentes, melhora as decisões. Então, se fosse pensar do ponto de vista republicano, não era nem um nem outro (Messias e Pacheco), porque você já tem ali 10 homens e uma única mulher. Deveria ser mulher e deveria ser uma mulher negra. Não faltam mulheres negras capazes.

Em um cenário pré-eleitoral, em que as articulações para 2026 já começam a ganhar corpo, o que o senhor projeta para o próximo ano?

É muito cedo para projetar. Li um artigo que mostra que, se você for pensar em probabilidades, considerando a série histórica dos outros presidentes, Lula teria 75% de chance de ser reeleito. Eu acho que 75% de chance de ser reeleito é muita coisa, mas, ao mesmo tempo, não, porque a política é tão surpreendente, o fortuito faz parte da política que 75% e 0%, às vezes, é a mesma coisa porque você não tem controle da situação.

Agora, olhando com os olhos de hoje, é verdade que a oposição favoreceu muito o presidente Lula. A oposição cometeu erros que deram um impulso ao governo e que o governo talvez não conseguisse ter sozinho. Por outro lado, também é verdade, e aí não é um demérito, é mérito, é que, tendo essas oportunidades dadas pela oposição, o governo, e sobretudo o presidente Lula, soube muito bem aproveitar. Quando pega a questão do Trump, por exemplo, se dependesse da oposição, o presidente se recolheria, ficaria com medo — e cairia na história de um porta-aviões que pudesse de repente aparecer no Lago Paranoá e cair nesse terror. Ou o Alexandre de Moraes poderia simplesmente falar o seguinte: 'Não, cara, agora mexeu com minha mulher e vou recuar.' Então, o presidente Lula, e o Supremo também nesse aspecto, acertou. Isso é mérito, embora os adversários tenham errado.

A partir do erro, houve acerto. Isso favoreceu muito e o presidente Lula, que vinha mal, teve algumas bandeiras dadas pela oposição e ele soube aproveitá-las. Os ricos contra os pobres, a questão da soberania e da defesa das instituições. E, agora, com essa PEC da Blindagem. E se a oposição continua errando, porque essa coisa de não taxar bets é um absurdo, vai continuar dando bandeira para o presidente. Ao mesmo tempo, há projetos como a isenção de imposto de renda até R$ 5 mil, com efeito para até R$ 7,3 mil, e isso vai significar uma compra de supermercado a mais por mês para várias pessoas, isso vai significar quase um salário a mais por ano. Há outras políticas públicas, como vale-gás, Luz para Todos, enfim, que também vão aumentar a renda. Não sei exatamente como o dólar vai caminhar daqui até a eleição, porque o dólar responde muito às loucuras do Trump, mas com o dólar em queda, a inflação pode entrar nos eixos, e aí ter uma diminuição de juros, isto é, ter reflexos importantes na economia.

Ao mesmo tempo, os adversários estão desorganizados. O Tarcísio (governador de São Paulo) andou cometendo erros brutais. Eu sei que ele precisa muito do bolsonarismo, mas ele não pode ser guiado pelo bolsonarismo, porque, se ele vai se aproveitar de ter o piso do bolsonarismo, vai ter um problema muito sério, que é o teto do antibolsonarismo. Ele tem um piso alto, mas um teto baixo e fica 'corcunda'; ele cometeu esse erro. Ele também está na política há dois anos e pouco, tem uma questão aí de background, de experiência, repertório. E outra: o risco de o Tarcísio não concorrer em São Paulo e acabar ficando sem um e sem outro é muito grande. 'Ah, mas pode ter o Ratinho (governador do Paraná)'. Vai depender muito. Ratinho, Zema (MG), Caiado (GO), qualquer um desses caras, se o presidente Lula estiver bem como está hoje, vai ter muita dificuldade. Eles vão depender que o presidente Lula passe a errar. Em um ano eleitoral, que erros ele pode cometer? Aí, não dá para saber.

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