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Uso de vacinas diferentes da Covid na 2ª dose já é testado em 11 países

Uso de vacinas diferentes da Covid na 2ª dose já é testado em 11 países

Alguns países já começam a implementar a medida; especialistas avaliam risco à segurança e eficácia ao misturar imunizantes

Publicado em 23 de junho de 2021 às 02:00

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Vacinas Coronavac e Astrazeneca, em uso no plano de imunização do Brasil
Vacinas Coronavac e Astrazeneca, em uso no plano de imunização do Brasil, não podem ser misturadas no país. (Felipe Dalla Valle/ Palácio Piratini)
Aline Nunes
Repórter de Cotidiano / [email protected]

A escassez na oferta de vacinas e a possibilidade de aumentar a proteção contra a Covid-19 são elementos por trás da movimentação de alguns países para usar imunizantes diferentes em cada dose aplicada na população. Estudos também são conduzidos para testar a segurança dessa estratégia, e essa perspectiva de utilizar duas vacinas em uma mesma pessoa é bem-vista por profissionais da Saúde. 

Países como Estados Unidos, Canadá, França, Espanha, China, Finlândia, Noruega Suécia, Reino Unido e Coreia do Sul já começam a experimentar mudanças em suas campanhas de vacinação.  Nesta segunda-feira (21), o Chile começou a vacinar homens com menos de 45 anos que receberam a primeira dose da vacina Astrazeneca com uma segunda dose da Pfizer. 

Pós-doutora em Epidemiologia e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Ethel Maciel avalia que pesquisas na área são imprescindíveis e comenta sobre um estudo espanhol, publicado na Nature - uma das mais importantes revistas científicas do mundo - em que houve mistura das vacinas Astrazeneca e Pfizer (ambas utilizadas no Brasil). 

Ethel diz que o estudo é pequeno - foi feito com apenas 600 pessoas - mas abre discussão sobre a possibilidade de usar duas vacinas. O ensaio demonstrou que foram preservadas segurança e eficácia, mesmo misturando os imunizantes. 

Pessoas que tiverem algum efeito adverso após a primeira dose da vacina poderiam tomar a segunda de outro fabricante. Em termos de política pública, reforça a professora, ter essa opção é importante. Ainda são necessários mais dados para ter segurança em adotar a medida, mas os estudos contribuem para esse debate.

PROTOCOLOS

Daniel Gomes, imunologista e também professor da Ufes, explica que, pelos protocolos atuais, todos os fabricantes indicam uso das duas doses da mesma farmacêutica porque assim foram conduzidos os testes. Contudo, não há nenhum impeditivo para fazer alteração nesses protocolos, se estudos demonstrarem a manutenção ou até a ampliação da eficácia ao se misturar os imunizantes. 

Na ciência, diz o professor, essa mistura é chamada de vacinação heteróloga e já ocorre em processos de imunização de outras doenças como, por exemplo, a poliomielite (paralisia infantil) contra a qual uma dose é intramuscular e outra, em gotas com o famoso "Zé Gotinha".

Questionado sobre a segurança de usar doses contra a Covid-19 de fabricantes distintos, Daniel Gomes argumenta que, nesse quesito, não há dúvidas, pois se trata da primeira fase de análise de uma vacina, antes de colocá-la à disposição da população. 

"O que tinha que dar de errado já foi testado anteriormente. A segurança é o primeiro ponto do teste clínico, na fase 1, e todas que estão disponíveis hoje se mostraram seguras e eficazes. Não é a mistura delas que vai causar algum efeito ruim ou tóxico. A preocupação, neste caso, está muito mais relacionada à capacidade de um vacina diferente de induzir a uma resposta protetora para a pessoa que tomar", pondera. 

Daniel Gomes lembra que já houve registro de troca involuntária de doses - no Espírito Santo, inclusive - mas nenhum relato até o momento de efeitos adversos em função dessa mistura. 

O imunologista se mostra favorável à utilização de doses diferentes, desde que mantidos os parâmetros de qualidade e proteção da vacina. A alteração no protocolo, segundo ele, não seria problema. Neste ano, recorda-se Daniel, a Astrazeneca fez mudanças quando começou a faltar o imunizante no Reino Unido, onde se aplicava a vacina num intervalo de 30 dias. Foram feitos testes de eficácia e constatou-se que a resposta imunológica era até maior, se adotada num espaço de três meses

"O protocolo pode ser alterado a qualquer momento, desde que os estudos mostrem que a mudança não vai prejudicar a eficácia da vacina", pontua.  

"SERÁ INEVITÁVEL NO FUTURO"

secretário estadual da Saúde, Nésio Fernandes, considera inevitável o uso de vacina de fabricantes distintos no futuro, mas ele não acha viável fazer a intercambialidade antes de ter 100% da população adulta imunizada.  Ele afirma ainda que essa não é uma decisão que caiba isoladamente ao Estado e precisaria ser conduzida pelo governo federal.

Antes, porém, Nésio avalia que há outros aspectos a que o Ministério da Saúde deveria se dedicar a fazer no momento, como estudos para doses de reforço em parcela da população. O secretário cita como exemplo o público com mais de 70 anos para o qual a Coronavac estaria apresentando um percentual de eficácia menor, conforme levantamentos preliminares, do que em outras faixas etárias. Assim, ele avalia, o ciclo de imunização dessas pessoas estaria completo com a terceira dose. 

"E foi justamente a população de idosos que mais recebeu a vacina do Butantan.  Por isso são importantes estudos que consigam avaliar e recomendar o reforço com as próprias vacinas, os mesmos imunizantes, passados 90 dias da segunda dose", argumenta. 

Diante da escassez da Coronavac, que inclusive provocou atrasos na aplicação da segunda dose no Espírito Santo e em outros Estados, Nésio foi perguntado como seria possível pensar em dose de reforço.

"A questão da eficácia teve um prejuízo grande na população com mais de 70 anos. Então, a estratégia de imunização fica frustrada. É preciso avaliar a oportunidade de preservar a eficácia esperada com a terceira dose para alcançar os benefícios que têm sido obtidos na população mais jovem."

PROTEÇÃO

Para Nésio Fernandes, além dos estudos para doses de reforço e aqueles que podem apontar o uso de imunizantes de fabricantes diferentes, é importante que as pesquisas avancem também em mais uma direção. 

O secretário observa que, em um primeiro momento, as vacinas foram produzidas para que, em um curto espaço de tempo, pudessem controlar internações e óbitos, mas não foram preparadas visando acabar com a circulação do coronavírus, assim como já foi feito para outras doenças dando imunidade permanente. 

Nésio Fernandes espera ainda que o país adquira autonomia na fabricação de vacinas, tanto pela produção de insumos quanto pela atividade de envase, entre 2022 e 2023. Sem depender de importação e de tecnologia estrangeira, o Brasil pode se tornar, com a Butanvac (Butantan) e a Astrazeneca (Fiocruz), um grande produtor de imunizante contra a Covid-19. 

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