Publicado em 23 de abril de 2021 às 16:13
Pelo menos 16,5 mil pessoas imunizadas contra a Covid-19 no Brasil têm registro de primeira dose da vacina da Coronavac e a segunda dose da Astrazeneca ou vice-versa, de acordo com o Datasus, sistema de informações do Ministério da Saúde. No Espírito Santo, são 523 casos registrados - o 9º no ranking dos Estados.>
A maioria (14.791) das pessoas começou a trajetória vacinal contra a Covid-19 com a Astrazeneca e recebeu uma segunda dose da Coronavac. Uma parte menor (1.735 pessoas) recebeu primeiro a Coronavac e depois a vacina de Astrazeneca, segundo o sistema. A troca aconteceu em praticamente todo o país, com exceção do Acre e do Rio Grande do Norte.>
No Espírito Santo, 24 pessoas tomaram a primeira dose de Coronavac e a segunda de Astrazeneca, enquanto 499 foram imunizadas primeiro com a Astrazeneca e depois com a Coronavac. >
Em coletiva nesta sexta-feira (23), o subsecretário estadual de Vigilância em Saúde, Luiz Carlos Reblin, falou sobre o problema ao ser questionado pela reportagem de A Gazeta. Ele disse que a situação já está sendo averiguada junto aos municípios, responsáveis pela aplicação da vacina. A princípio, segundo ele, há um indicativo que pode ter havido troca do registro de fabricantes nas doses, mas que, após a conclusão da apuração, será divulgada uma nota técnica pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa).>
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No Brasil, Coronavac e Astrazeneca são as únicas vacinas disponíveis contra a Covid-19. O protocolo nacional estabelece que os vacinados de grupos prioritários devem receber o imunizante disponível no posto no dia da vacinação (sem possibilidade de escolha). Na segunda dose, o fabricante precisa ser mantido.>
As informações foram tabuladas pela reportagem da Folha no Datasus levando em conta todos os vacinados no país no primeiro mês da campanha vacinal (de 17 de janeiro a 17 de fevereiro) que retornaram para a segunda dose até 8 de abril. É um universo de aproximadamente 4 milhões de pessoas.>
Ao todo, 16.526 pessoas foram afetadas no período analisado. Os dados mostram ainda que 7 em cada 10 trocas de fabricantes na vacina contra Covid-19 ocorreram em profissionais de saúde. Esse rastreamento é possível porque cada pessoa vacinada é registrada no Datasus com um código de identificação, no qual há informações sobre cada dose recebida, incluindo fabricante e número do lote.>
Misturar dois fabricantes de uma mesma vacina é considerado um erro de imunização. "Quem tomou uma dose de um fabricante e outra dose de outro não tomou nenhuma dose completa da vacina", afirma a imunologista Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro dos comitês científico e clínico da Sociedade Brasileira de Imunologia.>
As vacinas não só têm intervalos diferentes - o da Coronavac é de até 28 dias, e o da vacina de Oxford/AstraZeneca é de três meses, segundo recomendação da Fiocruz, que a produz no Brasil - como tecnologias distintas.>
A Coronavac, produzida no país pelo Instituto Butantan, usa o vírus inativado para levar à produção de anticorpos, a mesma estratégia usada para fabricar as vacinas contra a gripe. Já a vacina de Oxford é do tipo vetor viral não replicante (no caso um adenovírus de chimpanzé) capaz de infectar células humanas, mas que não forma novos vírus, impedindo que a infecção progrida.>
Não se sabe ainda se a aplicação de duas vacinas diferentes pode gerar efeitos colaterais distintos dos descritos nos testes de cada imunizante.>
Em nota à reportagem, o Ministério da Saúde informou que foi notificado sobre 481 ocorrências de aplicação de doses de fabricantes diferentes das vacinas da Covid-19. "A pasta esclarece que cabe aos Estados e municípios o acompanhamento e monitoramento de possíveis eventos adversos a essas pessoas por, no mínimo, 30 dias.">
O órgão, no entanto, não respondeu aos pedidos da reportagem por mais esclarecimentos quanto aos mais de 16,5 mil registros de intercâmbio de fabricantes de vacina encontrados no Datasus.>
Segundo a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin, erros de administração na vacina poderiam ser evitados ou minimizados com uma coordenação maior do PNI (Programa Nacional de Imunização) em termos de supervisão, treinamentos e registros da campanha. "Tão sério quanto essa falta de coordenação é o fato de não haver orientação por parte do programa em como proceder quando essas situações ocorrem.">
Há trocas de fabricantes entre as doses da vacina em 1.645 cidades brasileiras - quase um terço do total de municípios do país. Santo André (Grande São Paulo) lidera o ranking nacional com 2.747 casos. Quase todas as ocorrências (2.739) aconteceram em um único posto de vacinação, a UBS Espírito Santo.>
A reportagem esteve no local e contatou a Prefeitura de Santo André, que informou que teve problemas operacionais constantes. "Os mesmos referem-se ao sistema de migração dos dados e já foram reportados ao Programa Estadual de Imunização". Não ficou claro, no entanto, como esses problemas resultaram em registros trocados de lotes e fabricantes nos vacinados.>
O governo estadual São Paulo, por sua vez, disse, em nota, que não registrou problemas operacionais na migração de dados para o Datasus. "Desde a integração dos sistemas, a transmissão das informações recebidas pelo estado de doses aplicadas e registradas pelos municípios ocorre normalmente no repasse ao governo federal.">
A gestão de João Doria (PSDB) reforçou ainda que ministrar a vacina é responsabilidade dos municípios. Uma em cada quatro trocas de fabricantes na vacina da Covid-19 está no Estado de São Paulo, num total de 4.471 ocorrências.>
Entre as capitais, a cidade do Rio de Janeiro lidera as trocas de doses com 1.136 ocorrências - no Estado, há 1.653 casos, de acordo com o Datasus. Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde do Rio disse à reportagem que "não foi notificada sobre trocas de vacinas na segunda dose tanto pelo Ministério da Saúde quanto pelas secretarias municipais de Saúde".>
Depois do Rio, as capitais com mais troca de fabricantes entre as doses são Goiânia (667 ocorrências) e Brasília (520 casos).>
Os dados do Datasus são preenchidos pelos profissionais de saúde nos postos de vacinação, sob a responsabilidade dos municípios. O Plano Nacional de Operacionalização da Vacina Contra Covid-19 determina que todos os profissionais da saúde que tiverem conhecimento de erros de imunização "devem notificar os mesmos às autoridades de saúde".>
O país tem experiência com vacinas com mais de uma dose. Antes da pandemia, pelo menos nove imunizantes disponíveis no calendário vacinal do SUS tinham mais de uma dose, como a meningocócica C (com duas doses) e a poliomielite (com três doses).>
O jornal Folha de S.Paulo havia publicado que mais de meio milhão de brasileiros vacinados com a Coronavac no primeiro mês de vacinação no país não tinham recebido a segunda dose da vacina mais de 45 dias após a primeira dose, o que compromete a imunização.>
Três dias depois da reportagem da Folha de S.Paulo, o Ministério da Saúde anunciou em entrevista coletiva que ao menos 1,5 milhão de pessoas que tomaram a primeira dose da vacina contra a Covid-19 desde o início da vacinação no país não completaram o esquema vacinal com a segunda dose, considerando apenas o intervalo mínimo para retorno.>
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