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União para reconstruir o Espírito Santo

Iniciativa privada e setor público criam força-tarefa para atrair investimentos

Vitória
Publicado em 02/12/2020 às 09h35

Plano de retomada quer destravar R$ 32 bi em investimentos

A crise do novo coronavírus mudou a rota do Espírito Santo no caminho pelo crescimento. Navios que antes chegavam em mais quantidade aos portos reduziram suas viagens para o Estado. Empresas que planejavam grandes investimentos tiveram que engavetar os projetos. Fábricas que estavam a todo o vapor precisaram reduzir o ritmo de produção ou mesmo entrar em férias coletivas. Por meses, o comércio, junto com o setor de serviços, amargou redução nas vendas e mesmo suspensão das atividades. Mas nos nove meses de pandemia, o Estado não cruzou os braços à espera de o inimigo invisível ir embora sozinho. Em uma união com o setor privado, o governo estadual construiu um plano para reerguer a economia capixaba e sair na frente numa corrida pela expansão econômica, pela inovação e pelo aquecimento do mercado de trabalho. Proposta prevê R$ 32 bilhões em investimentos e a criação de 100 mil empregos. Confira a reportagem especial do Anuário Espírito Santo.

A pandemia do novo coronavírus paralisou o mundo e impôs uma situação que ninguém poderia imaginar em pleno século XXI. O vírus da Covid-19 trouxe não só insegurança, mas o inesperado, o desconhecido, fazendo com que cidades, Estados e países mundo afora ficassem reféns tanto no campo da saúde quanto no da economia.

Mais de 1,3 milhão de pessoas morreram e cerca de 60 milhões foram contaminadas em todo o mundo. O PIB global deve encolher 4,4% em 2020, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). E, pela primeira vez em décadas, a pobreza aumentou no Planeta.

Espírito Santo, assim como outros locais, não foi poupado. Por aqui, cerca de 170 mil casos da doença foram confirmados e os óbitos frutos da Covid batem a casa dos 4 mil. Se não bastasse o drama sanitário já ser suficientemente grande, os capixabas convivem desde março de 2020 com uma dura realidade econômica, em que a atividade produtiva desacelerou, cresceu o número de desempregados, empresas precisaram fechar as portas e famílias perderam suas rendas ou parte delas.

vacina é o ponto-chave neste cenário. O mundo todo espera por um antídoto capaz de frear a proliferação do vírus e proteger a saúde da população. Mas outros remédios também se fazem extremamente necessários para que os cidadãos e as empresas não fiquem desamparados. Assim como é vital o desenvolvimento do imunizante, é imprescindível que, paralelamente a ele, sejam desenvolvidas e adotadas ações capazes de reconstruir a economia no pós-coronavírus.

O Anuário, de A Gazeta, ouviu especialistas que pontuaram medidas determinantes para a retomada do Espírito Santo e do Brasil. Todos eles reconhecem que a tarefa será árdua, mas que o desafio não é incontornável. Na lista dos problemas a serem atacados há velhos conhecidos dos brasileiros que, inclusive, foram escancarados na pandemia e exigem soluções ainda mais urgentes. Recuperar o equilíbrio das contas públicas federais é o principal deles.

100 mil

EMPREGOS SERÃO CRIADOS

Com uma dívida pública já próxima de bater a casa dos 100% do PIB, a União precisa reduzir suas despesas, que têm sido maiores que as receitas há sete anos consecutivos. Sem dar um basta no desequilíbrio fiscal, o país perde a capacidade de honrar seus compromissos, fica sem condições de realizar investimentos e programas, afasta os investidores e aumenta as incertezas na economia, criando problemas em cascata que vão do desemprego à inflação alta.

Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander e ex-secretária do Tesouro Nacional, defende a manutenção do teto dos gastos e a aprovação de reformas, como a administrativa e a triburária
Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander e ex-secretária do Tesouro Nacional, defende a manutenção do teto dos gastos e a aprovação de reformas, como a administrativa e a triburária. Crédito: Santander/Divulgação

A economista-chefe do Santander e ex-secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, lembra que a aprovação da reforma da Previdência, em 2019, foi um passo importante, mas insuficiente para conter o crescimento do déficit primário. De acordo com ela, os gastos com pessoal - segunda maior despesa do orçamento federal, atrás da Previdência, e primeiro item entre os entes subnacionais - têm que ser revistos. “Eles tiram o oxigênio dos entes públicos e impedem que os gestores enderecem os recursos para políticas sociais, para quem precisa do Estado.”

Vescovi defende a realização de reformas, especialmente a administrativa e a tributária, como saída para dar sustentabilidade à dívida pública e trazer mais eficiência, segurança jurídica e melhorar o ambiente de negócios no Brasil. Para ela, o país não deve cair em um erro histórico, o de elevar a carga tributária para tapar o rombo fiscal.

Ana Paula Vescovi

Economia-chefe do Santander

"Aumentar impostos não adianta por duas razões. Porque vamos ter que fazer isso a cada x anos e as despesas vão continuar crescendo. E porque temos um sistema tributário já tão disfuncional, que foi remendado ao longo do tempo justamente para cobrir esse problema estrutural das despesas. Os aumentos de carga tributária retiram o nosso potencial de crescimento"

O economista Orlando Caliman critica a demora do país para encaminhar as reformas citadas por Ana Paula Vescovi. Para ele, as mudanças nessas áreas serão cruciais para ditar o ritmo de recuperação da economia nacional em 2021 e oferecer condições para o Espírito Santo se reerguer.

“O governo federal precisa dar sinalização de um projeto econômico, de que vai realizar mudanças. Porque estamos no vácuo e ainda patinando sobre as reformas administrativa e tributária. Os Estados dependem muito do que vai acontecer a nível nacional. Nós, no Espírito Santo, por exemplo, temos 80% do mercado consumidor fora daqui. Ou seja, se São Paulo, Minas Gerais, Rio, o país como um todo e até o mundo não forem bem, também sofremos.”

Mesmo com essa relação natural de dependência, Caliman avalia que o Espírito Santo reúne condições para sair da crise de forma mais sustentada do que grande parte dos entes federativos. Ele cita que o quadro de equilíbrio fiscal e a capacidade que o Estado teve de criar uma poupança estão “permitindo atravessar a pandemia com menos ranhuras”.

Também conta pontos a favor dos capixabas a maturidade que o Estado atingiu no relacionamento institucional. A forma como o governo do Espírito Santo conduziu o diálogo junto aos Poderes e à iniciativa privada, na busca por ações conjuntas para sair da crise causada pelo novo coronavírus, é citada pelos analistas como referência.

R$ 23 bilhões

INVESTIMENTO DE PROJETOS PRIVADOS NO ES

Um dos resultados desse debate coletivo é o plano de retomada elaborado pelo governador Renato Casagrande (PSB) que, segundo ele, vai dar sustentação à reconstrução do Espírito Santo. O programa inclui agendas como obras de infraestrutura, medidas para reduzir a burocracia, programas de incentivo à tecnologia e inovação, além da oferta de linhas de crédito específicas para o processo de recuperação das empresas.

Renato Casagrande convocou reunião com prefeitos para apresentar novos critérios para o mapa de risco de contágio
Renato Casagrande conta com apoio de organizações empresariais para traçar estratégias econômicas para o Estado. Crédito: Reprodução/Facebook

A expectativa com o “pacotão pós-pandemia”, que vai reunir projetos das iniciativas pública e privada, é que sejam criados 100 mil empregos diretos e indiretos e que os investimentos ultrapassem a cifra dos R$ 32 bilhões nos próximos três a cinco anos. Serão R$ 23 bilhões em projetos privados e R$ 9 bilhões em obras públicas.

A líder empresarial Cris Samorini, presidente da Federação das Indústrias (Findes) - entidade que participou da elaboração do plano -, está otimista com as oportunidades que estão sendo desenhadas no Estado, especialmente na área da infraestrutura. Para ela, a volta do crescimento passa por um fortalecimento logístico, com a estruturação de portos, ferrovias, estradas e outras obras que garantam ao Estado ganho de competitividade. “Nunca teve um momento tão único de todos quererem fazer um movimento na mesma direção.”

R$ 9 bilhões

EM OBRAS PÚBLICAS

Cris observa que as oportunidades são enormes, mas, para não desperdiçá-las, o Estado deve qualificar o debate. Ela considera que é necessário ter uma agenda clara de quais são os projetos estruturantes prioritários e coletar subsídios técnicos que balizem as lideranças públicas e privadas na “briga” pelos interesses locais. “O diálogo político é importante e ajuda, mas conhecimento, estudos, análise de cenários e o debate técnico é que vão ser priorizados nas decisões pela realização de um investimento.”

No escopo de como fazer o Espírito Santo e o país recuperarem o crescimento econômico, a presidente da Findes lista ainda outras ações. Em nível estadual, ela cita a importância de o governo capixaba parcelar os tributos que, no início da pandemia, tiveram seus vencimentos adiados pela equipe do Palácio Anchieta. Solicita ainda a continuidade da redução do custo do crédito.

Cris Samorini

Presidente da Findes

"Essas ações vão ajudar a dar fôlego e permitir que as empresas consigam se planejar melhor e ter maior capacidade de realizar investimentos"

No âmbito nacional, Cris Samorini reforça que o governo deve buscar ações para atacar o custo-Brasil, que faz com que o país, logo de cara, saia em desvantagem em pelo menos 15% em relação ao mercado externo, de acordo com a industrial. Ela e outros analistas ouvidos somam à lista de mudanças necessárias a aprovação do novo mercado de gás, o estímulo à cabotagem, a agilidade nos licenciamentos ambientais e em outros processos de modo a estimular novos empreendimentos.

Otimismo e muito trabalho no horizonte

Novos projetos, expansão de empresas e o interesse do investidor na economia real abrem uma janela de possibilidades para o Estado. As possibilidades vão desde a tecnologia a novos negócios na área da saúde.

Governador Renato Casagrande e a presidente da Findes, Cris Samorini, se reúnem com o governador de Goiás. Ronaldo Caiado
Governador Renato Casagrande e a presidente da Findes, Cris Samorini, se reúnem com o governador de Goiás. Ronaldo Caiado. Crédito: Secom/divulgação

A construção de um ambiente propício aos negócios mostra-se ainda mais relevante em um momento em que a pandemia é combinada com o cenário de juros baixos. A taxa Selic a 2% ao ano, o menor patamar histórico, mudou o comportamento do investidor e faz com que a economia real seja cada vez mais atrativa para alocação de recursos. Assim, o dinheiro que antes estava “parado” em aplicações no mercado financeiro, agora, não tem um rendimento que justifique continuar nessa opção. Isso está levando o aplicador a investir no setor produtivo e a gerar empregos, caso contrário, terá dificuldades de ter o capital remunerado.

Para o presidente do Espírito Santo em Ação e consultor na área de negócios, Fábio Brasileiro, essa mudança da cultura financeira e o interesse do investidor na economia real abrem uma janela de possibilidades para o Estado. 

Fábio Brasileiro

Presidente do ES em Ação

"Existem muitas oportunidades no mercado imobiliário, na área do saneamento, no agronegócio, na economia criativa, além, é claro, dos setores de energia e de infraestrutura, que acredito que serão as molas da economia capixaba em 2021. Vejo com muito otimismo o futuro próximo aqui"

Ele elenca os sinais que a economia já vem dando e que indicam que o próximo ano será mais promissor para o Espírito Santo. A volta da operação da Samarco, a reação dos mercados siderúrgico e de papel e celulose e a recuperação dos preços do minério e da pelota no mercado internacional são alguns deles.

Baía de Vitória - Fotos aéreas para o aniversário de Vitória - Editoria: Cidades - Foto: Felipe Mota - Fly Now - GZ
Baía de Vitória - Fotos aéreas para o aniversário de Vitória - Editoria: Cidades - Foto: Felipe Mota - Fly Now - GZ. Crédito: Felipe Mota/Fly Now

A presidente da Federação das Indústrias (Findes), Cris Samorini, complementa que projetos novos ou de expansão das empresas Log-In, Britânia, Cacique, Biancogres, Suzano, Marcopolo e Garoto vão acelerar o dinamismo econômico local.

O economista Orlando Caliman acrescenta que a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos pode significar o aumento de demanda de alguns produtos capixabas, como é o caso do aço, do mármore e do granito. Ele justifica essa expectativa em função do plano que o democrata apresentou durante a campanha para reerguer a economia do país.

Batizado de “Build Back Better” (reconstruir melhor, em tradução livre), o programa prevê investimentos da ordem de US$ 700 bilhões e entre as ações planejadas está a de recuperar a infraestrutura americana. 

Orlando Caliman

Economista

"Se olharmos em reais, são trilhões a serem investidos, e podemos nos beneficiar. O que nos preocupa é esbarrarmos na obtusidade do nosso Itamaraty. O nosso chanceler está muito mais ligado a questões ideológicas do que ao pragmatismo que uma política de comércio exterior demanda"

Cenário atual é de cautela

Riscos da crise mundial para a economia do Espírito Santo ainda existem, segundo especialistas, apesar de um conjunto de fatores colocar o Estado em contexto favorável ao voltar do desenvolvimento.

Plano de retomada da economia do ES prevê investimentos em áreas como: infraestrutura, logística, saneamento, energia e indústria
Plano de retomada da economia do ES prevê investimentos em áreas como: infraestrutura, logística, saneamento, energia e indústria. Crédito: Montagem AG/Carlos Alberto Silva e Pixabay

Mesmo com um conjunto de fatores que coloca o Espírito Santo em um contexto favorável para voltar a crescer, o professor do departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ednilson Felipe pondera que é preciso ter cautela, afinal, a maior parte das ações não se aplica do dia para noite.

Ele reforça a urgência de investimentos em infraestrutura, cita a importância de políticas regionais para distribuir o desenvolvimento e pontua que o trabalho de atração de novas empresas e negócios é decisivo para o Espírito Santo melhorar seu desempenho econômico, bem como os ajustes das contas públicas em nível nacional.

"Todos esses elementos vão criar condições para a nossa recuperação. No curto prazo, entretanto, não há uma mudança extraordinária em curso. Mas a estruturação da economia capixaba de fato está acontecendo. Apesar de ser aos poucos, ela vem se apresentando de uma forma sólida, sustentada”, analisa o doutor em Economia.

Ednilson Felipe ressalta que a crise da Covid-19 causou muitos estragos econômicos no país e no Estado - que, aliás, já registravam desempenhos ruins antes mesmo da pandemia -, mas que é importante tirar algumas lições desse processo. Para ele, duas questões ficaram patentes: a necessidade de reformular o pacto federativo e a de se construir soluções, nas diversas áreas, de forma conjunta.

Ednilson Felipe

Professor da Ufes

"Houve uma confusão em relação ao papel do governo federal, dos Estados e dos municípios nesta crise. Essa indefinição de competências fez com que perdêssemos recursos e tempo. O pacto federativo precisa ser mais claro. Outra lição a aprendermos é que nesse tipo de crise, com uma pandemia, não dá para resolver o problema sozinho, nem mesmo só em termos de país. Ou se constroem decisões coletivas, bem ajustadas e coordenadas ou não tem solução fácil"

Por fim, ele propõe para o Espírito Santo uma reflexão que volte os olhares das iniciativas pública e privada para desenvolvermos uma economia da saúde, assim como existe a economia criativa, a economia da regulação, a economia da inovação.

“As respostas para o desafio da saúde nesta crise são de quem tem desenvolvimento tecnológico na área. Nós, no Estado e no Brasil, ficamos dependentes do que outros países produzem. Acredito que vale a pena estruturarmos a economia voltada para a saúde, que pode ser, inclusive, um novo setor produtivo para o Estado. Esse é um segmento que abrange uma vasta cadeia e com negócios de alta tecnologia. Há demandas por itens como móveis, softwares, produtos químicos etc. É preciso entender a participação das empresas capixabas como fornecedoras e identificar o que podemos estimular por aqui. Acredito que é uma oportunidade que temos para gerar conhecimento e renda.”

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