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Coronavírus: o conselho de quem sobreviveu à 2ª Guerra e venceu o câncer

Coronavírus: o conselho de quem sobreviveu à 2ª Guerra e venceu o câncer

Moradora do Espírito Santo há mais de sete décadas, a italiana Nerina Bortoluzzi Herzog, de 84 anos, tem na bagagem muito mais do que os valiosos (e famosos) conselhos de quem passou para a conhecida terceira idade

Publicado em 3 de abril de 2020 às 16:40

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A italiana Nerina Bortoluzzi Herzog
Os ensinamentos da italiana Nerina Bortoluzzi Herzog, que mora há sete décadas no Espírito Santo. (Arquivo pessoal)

Moradora do Espírito Santo há mais de sete décadas, a italiana Nerina Bortoluzzi Herzog, de 84 anos, tem na bagagem muito mais do que os valiosos (e famosos) conselhos de quem passou para a conhecida terceira idade. Em meio à pandemia do coronavírus, que traz dor, devido às milhares de mortes, e ansiedade (em alguns, pânico) pelo que está por vir, Nerina dá conselhos para quem passa pelo temor e enfrenta o medo pela primeira vez.

As palavras da italiana, nascida na província de Belluno, ganham ainda mais peso pela sua história: viveu na infância a Segunda Guerra Mundial e travou batalhas pessoais contra três tipos de câncer, todas vencidas.

Ela, que morou por 30 anos em Vitória, e há 40 reside em Vila Velha, traça em meio às trágicas lembranças um pedido: não percam a serenidade.

BOMBARDEIOS X A GUERRA INVISÍVEL

Do pavor do som ensurdecedor de bombardeios à insegurança da perda de quem ama, de causa invisível, Nerina faz ponderações sobre o medo e a apreensão.

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Durante a guerra (a Segunda Guerra Mundial), eu era uma criança. E a guerra tem bombardeios, soldados, é um medo de algo visível, que se sente no dia a dia, através da perda dos familiares, da destruição. A pandemia (do coronavírus) causa às pessoas medo do desconhecido e da solidão

Nerina Bortoluzzi Herzog
Sobrevivente
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FORÇA PARA REAGIR

Nerina em Belluno, província italiana onde nasceu
Nerina em Belluno, província italiana onde nasceu. (Arquivo pessoal)

Em meio aos sentimentos de dor, medo e tristeza, Nerina reforça o poder da fé, a felicidade da vitória, seja em batalha particular ou coletiva.

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Eu, mais que medo, me sinto apreensiva (sobre a pandemia). Sobrevivi a três tipos de câncer, sendo um de mama, um linfoma e um linfoma cutâneo, em 2017. Me sinto abençoada. Sinto que ainda tenho muito a fazer, isso me dá vontade de viver e força para reagir

 
 
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AUSÊNCIA FÍSICA NÃO É DISTÂNCIA EMOCIONAL

A italiana, que além de tradutora é escritora, avalia que o momento de isolamento é propício para manter-se ocupado, aproveitando para colocar a leitura e a reflexão em dia, bem como aprendendo novas atividades, como fazer trabalhos artesanais e manuais. Mas, acima de tudo, reforça ela, é o período em que, mesmo à distância, é preciso se fazer presente para os entes queridos.

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Principalmente deve-se aproveitar a ocasião para entrar em contato (por telefone ou internet) com parentes, amigos, sobretudo aqueles que moram só, levando uma palavra de carinho e de esperança! Telefonar para as pessoas e conversar, dizer como é bom ouvir a voz, já que não podemos estar juntos fisicamente. Penso que é um momento para procurarmos ficar em paz, rever nossos conceitos e, ao final desta fase, poderemos recomeçar com uma nova visão da vida

  
    
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Foto do passaporte de Nerina, com mãe e irmão
Foto do passaporte de Nerina, com mãe e irmão. (Arquivo pessoal)

A QUARENTENA

Especificamente sobre o isolamento social, Nerina, que mora com uma filha e um neto de 20 anos, contou que a rotina não foi alterada, já que está acostumada a ficar em casa, devido aos problemas de saúde que enfrentou.

“Entrei em quarentena antes que os demais brasileiros. Minha filha, Rita, vinha acompanhando a situação na Itália desde o carnaval e achou melhor me poupar antes que chegasse aqui, para evitar maior risco, já que tenho baixa imunidade desde o linfoma e da quimioterapia à qual fui submetida”, disse.

Também em virtude dos cânceres que enfrentou, a italiana se tornou uma pessoa que gosta de passar tempo em casa, o que não significa que fique sem fazer nada.

“Sou muito caseira e desenvolvo várias atividades. Dentre elas, pinto, desenho, bordo, canto, cozinho, preencho muito bem meu dia e minha mente. Inclusive lancei um livro dois anos atrás, que narra minha história de vida, minhas lembranças, o convívio com minha família, a chegada ao Brasil e a luta para alcançar meus objetivos como mulher, sendo mãe, esposa e filha, além da profissão”.

O título que a capixaba de coração escreveu é o livro “Nerina: relatos de uma vida!”. E a quem interessar a compra da obra, após o período de isolamento, voltará a estar à venda em Vila Velha, por meio do contato prévio com o número 99857-9430.

"Sou uma pessoa de muita fé! Resiliente, sobretudo, aceito tudo com fé e procuro não reclamar, me queixar. Tem sempre alguém passando por momentos piores do que o meu. Procuro não ser um peso para minha filha, que sempre me ajuda a superar estas fases", desabafou.

OS ENSINAMENTOS DA “NONNA”

Nerina com o pai, Isidoro Bortoluzzi, a mãe, Vittoria Santa, e irmão Franco, em 1949, momento da imigração para o Brasil
Nerina com o pai, Isidoro Bortoluzzi, a mãe, Vittoria Santa, e irmão Franco, em 1949, momento da imigração para o Brasil. (Arquivo pessoal)

Nerina contou que tem falado frequentemente pelas redes sociais e por telefone com a família que vive na Itália. Por lá, os números das vítimas do coronavírus são catastróficos: ainda no dia 30 de março, o país já tinha ultrapassado a marca dos 100 mil infectados, chegando a cerca de 115 mil nesta sexta-feira (03), com quase 15 mil mortes, de acordo com informações do El País

“Apesar de tudo, todos estão bem. Acompanho as informações de lá e daqui”.

Mesmo com os números preocupantes vindos da Itália, Nerina resgata ensinamentos da “nonna” (avó, em italiano).

“Minhas melhores lembranças são relacionadas à família, aos ensinamentos da minha ‘nonna’. Como respeito, educação, amor ao próximo, ser trabalhadora e honesta acima de tudo. As recordações mais difíceis que tenho são do tempo em que meu pai lutava na guerra. Fazia falta a companhia dele, já que era uma pessoa muito carinhosa. Foi um momento sem a figura paterna, sem a imagem do chefe da família, em que minha mãe tinha que fazer tudo sozinha”, finalizou. 

CALMA E SERENIDADE PARA DAR AOS MAIS JOVENS EXEMPLO E EQUILÍBRIO

Neste período de instabilidade social em decorrência do vírus, Nerina publicou nas redes sociais um texto na tentativa de acalentar corações desesperançosos. E viralizou. Leia:

Sou uma mulher de 84 anos e no próximo mês vou completar 71 anos no Brasil.

Nasci e cresci na Itália durante a guerra e no tempo que me resta estou vivendo outra guerra.

Enquanto a guerra que vivi, a segunda guerra mundial, eram presentes armas, batalhões de soldados, bombardeios, destruição e mortes nos campos de concentração onde perdi vários familiares, neste momento, vivemos outro tipo de guerra que espalha medo e pânico e onde nada é visível.

Minha experiência e dever de mãe, avó e mulher que viveu todas estas tragédias, que sobreviveu a três tipos de câncer é dizer que é necessário e precisamos ser fortes, obedientes, disciplinados, corajosos e ter fé, uma fé inabalável em Deus.

Seja qual for a tua fé, ela é uma arma poderosa que te deixará mais forte para enfrentar este período tão turbulento.

Precisamos nos manter ocupados, principalmente os mais idosos, ocupar o nosso tempo com coisas que nos ajudem a ficar mais calmos e serenos, para assim demonstrarmos nossa experiência e sabedoria. Desta forma ajudaremos aos mais jovens dando-lhes exemplo e equilíbrio para que possam viver e trabalhar.

A vida é longa e durante nossa caminhada encontramos sempre grandes obstáculos, alguns menores e outros que nos parecem intransponíveis, mas com confiança venceremos e alcançaremos nossas metas.

Com carinho, desejo a todos que aproveitem este momento para refletir e em paz, juntos recomeçarmos um novo tempo.

Nerina Bortoluzzi Herzog”.

#FIQUEBEM

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pandemia do coronavírus assusta não somente por sua letalidade, mas por toda a mudança de comportamento provocada na sociedade diante de decretos de fechamento de comércio e isolamento social. É tudo muito novo, muito drástico, provoca desconforto que evolui para ansiedade e, em alguns, pânico. Se você tem 20, 30 ou até mais de 50 anos, muito provavelmente não passou por nada parecido.

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