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Do outro lado da fila, bancários da Caixa temem pegar o coronavírus

Do outro lado da fila, bancários da Caixa temem pegar o coronavírus

Funcionários do banco revelam à reportagem que se comovem com a situação difícil das pessoas que vão às agências procurar o auxílio

Publicado em 15 de maio de 2020 às 06:00

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Data: 07/05/2020 - Vila Velha - Pessoas na fila da Caixa, em Jardim América, Cariacica - Editoria: Cidades Foto: Ricardo Medeiros - GZ
Pessoas na fila da Caixa, em Jardim América, Cariacica. (Ricardo Medeiros)

A fila pelo auxílio emergencial do governo federal traz uma outra realidade paralela à de quem busca por ajuda: funcionários de bancos exaustos e com medo de pegar o coronavírus. Por todo o Brasil, pessoas chegam às agências da Caixa bem antes delas abrirem, às 8 horas (horário que foi antecipado para atender à demanda), até que o local feche, depois das 14 horas (horário antecipado para evitar o contágio pela Covid-19). 

Para atender quem mais precisa, alguns trabalhadores da categoria chegam a ampliar em até cinco horas a jornada diária e, com isso, a chance de infecção aumenta. O medo da infecção é ampliado já que o ambiente fechado, dentro da unidade, que conta apenas com ar-condicionado, acentua o perigo.

De acordo com o Sindicato dos Bancários do Espírito Santo (Sindibacários), entre os dias 17 de março e 12 de maio, a entidade recebeu, pelo canal on-line, 135 queixas relacionadas às condições de trabalho durante a pandemia, envolvendo situações de risco, suspeita de contaminação ou falta de equipamentos de proteção. Já por telefone, foram quase 120.

Em todo o Espírito Santo, nesse mesmo período, 16 agências já passaram por desinfecção. Esse número, no entanto, é um controle interno da entidade e refere-se aos casos que o sindicato, ao ter conhecimento por denúncias, apurou, acompanhou e interviu junto aos bancos para garantir os procedimentos de segurança. De acordo com o Sindibancários, é possível que existam mais, já que os bancos não passam essas informações. 

Entre os trabalhadores que viram os amigos adoecerem e vivenciam o perigo das aglomerações nas portas das agências está um técnico bancário de 33 anos de uma agência da Caixa de Vitória, que preferiu não se identificar. Ele conta que a população está em um estado desesperador, de muita incerteza do futuro. "As pessoas já chegam no atendimento com uma certa radicalidade, agressivas. Teve gente que dormiu na fila querendo receber o pagamento." 

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Tivemos que ter uma paciência triplicada para tentar entender o que as pessoas estavam querendo. Cada uma delas tinha uma situação diferente. A maioria das pessoas que foi às agências que mais lotaram era pessoas muito humildes, então tinha uma dificuldade muito grande de entender o que elas queriam, porque elas não conseguiam se expressar direito. Foi um período muito complicado

X.
técnico bancário da Caixa, 33 anos
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Por um lado, a população corre desesperada em busca de ajuda. Por outro, quem trabalha nas agências bancárias teme ficar exposto ao coronavírus. O técnico bancário lembra ainda que muitos colegas têm adoecido, além do estresse emocional de estar ali tentando a resolver os problemas das pessoas.

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É uma mistura dos sentimentos de apreensão e orgulho. O primeiro porque nenhum de nós é herói ou imune ao vírus, mas estamos na linha de frente, podemos ser contaminados e levar a doença para nossas famílias, além de corrermos o risco de sermos agredidos fisicamente. Já o orgulho é por estarmos desempenhando um papel social tão elementar na vida das pessoas, um afago nesse momento tão difícil das famílias. É visível no olhar das pessoas, e não há como não se sensibilizar no atendimento sabendo o quanto elas precisam de ajuda

X. 
técnico bancário da Caixa, 33 anos
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A diretora de Saúde do Sindibancários, Lizandre Borges, aponta que hoje as agências da Caixa estão trabalhando com 30% dos funcionários no local, os outros 70% ficam em home office. Há um revezamento: uma semana trabalha em casa e, na outra, presencial. 

Além de ser responsável pelo pagamento do auxílio emergencial, a Caixa opera benefícios trabalhistas (FGTS, seguro-desemprego etc) e os programas de transferência de renda, como o Bolsa-Família. A junção de todos esses pagamentos em um mesmo período complicou ainda mais o atendimento. 

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Quando veio aquela explosão de pagamentos na Caixa, os empregados ficaram desesperados, por conta do medo da contaminação e por não terem informações. O banco só foi disponibilizar e entregar os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) quase duas semanas depois que o fluxo de pessoas nas agências se intensificou. As pessoas não queriam ir trabalhar e choravam. Recebemos centenas de depoimentos de pessoas que não queriam ir às agências

Lizandre Borges
diretora de Saúde do Sindibancários
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Pessoas na fila da agência da Caixa, em Campo Grande, para receber o auxílio de R$ 600,00 e o Bolsa Família - Cariacica/ES
Pessoas na fila da agência da Caixa, em Campo Grande, para receber o auxílio de R$ 600 e o Bolsa Família. (Vitor Jubini)

Uma nova preocupação da categoria é com relação à segunda parcela de pagamentos do auxílio emergencial. De acordo Lizandre, o pagamento deve coincidir com o saque do FGTS e com o calendário do Bolsa-Família, que não foi alterado. Com isso, o fluxo de pessoas aumentaria nas agências.

O AMBIENTE DE TRABALHO  MELHOROU, MAS AINDA É PRECISO MAIS

Segundo a diretora de Saúde do Sindibancários, a Caixa tem adotado algumas normas de trabalho com mais segurança para mitigar um pouco a situação inicial. 

"Estamos observando o psicológico da classe para ver as consequências disso para o futuro dessas pessoas que ficaram na linha de frente. Elas têm medo do adoecimento, da morte, das pessoas quererem bater nelas e as ofenderem. Já estamos tentando com os bancos algumas ações para dar suporte psicológico aos funcionários de agências com pessoas que ficarem doentes", explica.

Ela lembra que quando a pessoa está sob pressão, reage de uma forma, mas, quando se acalma, com o passar do tempo aquela situação pode se transformar em um medo ou uma patologia como uma síndrome do pânico ou lesões por esforços repetitivos (LER). "Temos muita preocupação com essas consequências depois que a pandemia acabar", conta.

"Nas primeiras semanas do auxílio emergencial, a rotina era uma jornada de três horas extras, no mínimo, nas agências com maior fluxo. No pico, os bancários trabalharam quase cinco horas extras por dia, o dobro da jornada normal. Cobramos da Caixa uma forma de diminuir essa jornada criando condições para agilizar o atendimento do público".

Entre essas propostas, como relata o diretor de Comunicação do Sindibancários, Carlos Pereira de Araújo, está o pedido para que o pagamento do auxílio fosse descentralizado para outros bancos públicos. Com isso, haveria uma pulverização da demanda e as filas diminuiriam.

"Essas filas, além de desrespeitosas com as pessoas, viram um ambiente para compartilhar o vírus. Isso tem gerado um adoecimento mental na categoria. Os bancários, principalmente os da Caixa, têm trabalhado muito para tentar dar conta da demanda", aponta.

Ainda de acordo com ele, a categoria solicitou que a Caixa pedisse ajuda às prefeituras e ao Estado para cadastrar as pessoas que não conseguem ter acesso aos meios para solicitar o auxílio. "Elas vão para fila, mas não conseguem resolver. Pedimos ainda ao governo ajuda para organizar filas externas e instalar banheiros químicos para dar o mínimo de dignidade para as pessoas", conta. 

Pessoas na fila da agência da Caixa, em Campo Grande, Cariacica, para receber o auxílio de R$ 600,00(Vitor Jubini)

AÇÃO CONTRA MÁS CONDIÇÕES DE TRABALHO

Durante a pandemia da Covid-19, o Ministério Público do Trabalho no Espírito Santo (MPT-ES) vem recebendo e processando denúncias relacionadas à situação de saúde e segurança no setor bancário. De acordo com o órgão, cada uma das denúncias está sendo analisada individualmente e todas as situações estão sendo avaliadas pelo quadro de procuradores do MPT.

Os principais temas são: 

  •  Doença ocupacional ou profissional; 
  •  Equipamentos de Proteção Individual ou Coletiva (EPI e EPC); 
  • Jornada extraordinária em desacordo com a lei; 
  • Jornadas especiais; 
  • Descanso semanal; 
  • Feriados durante a pandemia de Covid-19 (coronavírus); 
  • Manutenção das agências fechadas e atendimento apenas essencial; 
  • E, outras hipóteses de irregularidades relacionadas com remuneração ou benefícios.

Por nota, o MPT informou que, em relação à Caixa Econômica Federal, já expediu uma notificação recomendatória solicitando de imediato uma série de mudanças, valendo destacar algumas delas: desenvolver um plano de prevenção de infecções de acordo com as legislações e de forma integrada com as empresas prestadoras de serviços que atuam no local. O órgão também pede a flexibilização dos horários de início e fim da jornada daqueles que estão em trabalho presencial.

Outra medida que orientou à Caixa foi a de fornecer aos profissionais responsáveis pelas atividades de limpeza e higienização equipamentos de proteção individual (EPI) adequados aos riscos e em perfeito estado de conservação, segundo as normas estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e demais autoridades sanitárias.

Outra recomendação foi a de manter disponíveis kits completos de higiene de mãos nos sanitários voltados a todos os trabalhadores e eventuais terceiros que, inevitavelmente, tenham acesso à agência, inclusive e notadamente na área de autoatendimento, como sabonete líquido, álcool em gel 70% e toalhas de papel não reciclado, devendo ser observada a mesma medida para outras áreas de utilização comum, como é o caso de refeitórios e espaços afins.

Após o recebimento da notificação, foi realizada uma audiência entre as partes, no último dia 7 de maio, na qual a Caixa informou que tomou providências mais efetivas durante a pandemia para a proteção de clientes e empregados diretos ou terceirizados, como afastamento de empregados do grupo de risco.

"A Caixa também mencionou que solicitou ao plano de saúde que incluísse a possibilidade de testagem para Covid, além de aceitar a autodeclaração de funcionários que apresentem eventuais sintomas. No entanto, não há comunicação de superior acerca da possibilidade de realização de testagem em massa no âmbito da empresa", disse o MPT-ES, em nota.

Prefeitura da Serra pinta faixas no chão para manter distanciamento social nas filas da caixa(Prefeitura da Serra/Divulgação)

O Ministério do Trabalho ainda apontou que, apesar de ser de competência do Ministério Público Federal (MPF), também registrou sua preocupação com as notórias filas que têm se formado em frente às agências da Caixa, em razão dos auxílios emergenciais, na medida em que isso impacta não apenas na saúde dos usuários, mas leva ao risco de contágio aos trabalhadores que laboram no estabelecimento bancário, notadamente na organização das referidas filas e no controle de entrada da agência.

"O banco público esclareceu que foi tomada a medida de expedição de ofícios a todos os municípios com o objetivo de buscar assistência na organização externa das pessoas que têm direito ao auxílio, de modo a contribuir no distanciamento social, na demarcação de espaçamento, no fornecimento de máscaras, na montagem de tendas e outros. Para além disso, tomou iniciativas de demarcação, mas a Caixa não detém poder de polícia para controle da população na área externa da agência, razão pela qual solicitou a colaboração dos municípios envolvidos", disse o MPT, em nota.

Justiça Federal no Espírito Santo determinou, por meio de decisão liminar (provisória), nesta quarta-feira (13), medidas que devem ser cumpridas pela Caixa Econômica Federal e pelo governo do Estado para evitar aglomeração em filas para recebimento do auxílio emergencial de R$ 600 do governo federal. Em audiência de conciliação no processo da Ação Civil Pública, de autoria do Ministério Público Federal no Espírito Santo (MPF-ES), o órgão chegou a pedir limite máximo de tempo de espera nas filas, solicitação que não foi atendida pelo magistrado na liminar.

O OUTRO LADO

Por meio de nota, a Caixa explicou que as agências do banco seguem funcionando para atendimento do saque em espécie do Auxílio Emergencial e para serviços essenciais, como o saque sem cartão e senha de benefícios do INSS, Seguro Desemprego e Defeso, Bolsa Família, Abono Salarial e FGTS, desbloqueio de cartão e senha de contas, além do abastecimento e processamento de depósitos realizados nas máquinas de autoatendimento.

"Para manter o distanciamento mínimo de um metro entre as pessoas, o fluxo de clientes está sendo controlado no interior das unidades; nas salas de autoatendimento, é permitida a entrada de uma ou duas pessoas por máquina, de acordo com o espaço físico disponível. Somado a isso, vem sendo efetuada sinalização/delimitação dos pisos externos das agências, com ocorrência de formação de filas para manutenção do afastamento social", ressaltou.

Ainda segundo a instituição financeira, o seu protocolo de limpeza e higienização das unidades foi reforçado, priorizando a limpeza das superfícies de contato humano, portas de entrada, maçanetas e vidros do entorno, teclados dos caixas eletrônicos, balcões de caixa e estações de trabalho, cadeiras e longarinas dos clientes, portas dos banheiros, torneiras e aparelhos sanitários com periodicidade mínima de seis vezes ao dia, além da disponibilização de álcool gel para empregados e clientes.

"A Caixa não descuida dos seus empregados e manteve todos aqueles do grupo de risco em trabalho remoto. Para todos os empregados que estão em trabalho presencial a Caixa providenciou material de proteção individual recomendado pelo Ministério da Saúde e vem reforçando diariamente os cuidados preventivos. Antes da abertura e durante o funcionamento, as agências são higienizadas", disse.

Ainda segundo a nota, o banco continua acompanhando a situação, a fim de avaliar medidas futuras que podem ser tomadas em decorrência da evolução dos acontecimentos.

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