Presidente na carteira de trabalho: mais um enredo tipicamente brasileiro

Falhas no sistema e desorganização que levaram ao registro do cargo no documento de capixaba são o exemplo mais recente da ineficiência estatal em uma situação emergencial

Publicado em 09/05/2020 às 06h00
Atualizado em 09/05/2020 às 06h00
Adeyula Dias Barbosa Rodrigues teve o pedido do auxílio emergencial negado por ter dois empregos em aberto.
Adeyula Dias Barbosa Rodrigues teve o pedido do auxílio emergencial negado por ter dois empregos em aberto. . Crédito: Rafael Zambe/TV Gazeta

O Brasil ganhou uma nova presidente da República nesta quinta-feira (08), em um enredo tipicamente brasileiro, envolvendo burocracia e ineficiência. Nada a ver com possíveis crises políticas, tampouco uma eleição secreta: a nova mandatária descobriu-se no cargo por acaso, em um momento de necessidade compartilhada por milhões de brasileiros desempregados e informais, incapacitados de trabalhar em função da pandemia.

capixaba Adeyula Rodrigues, de 31 anos, desempregada desde o ano passado, só queria o acesso aos R$ 600 a que tem direito, quando se deparou com a informação, em sua Carteira de Trabalho Digital, de que havia dois empregos em aberto nos seus registros, um deles o de chefe do Executivo federal. 

O episódio, publicado em primeira mão por este jornal, acabou ganhando repercussão nacional pelo seu aspecto inusitado. É a típica situação tragicômica desse país: algo tão absurdo que é impossível não fazer piada, já que o humor tem sido o maior refúgio das nossas tragédias cotidianas.

Na redes sociais, muita gente sugeriu a ela que esquecesse os R$ 600 e fosse atrás do seu "verdadeiro" salário, de pouco mais de R$ 30 mil. Mas a reação não pode ficar só nas risadas, dada a gravidade do caso. Também na internet houve muitos relatos de pessoas que estão passando pelo mesmo calvário para conseguir colocar o auxílio emergencial no bolso. Principalmente entre ex-funcionários do serviço público, tem sido comum o vínculo empregatício estar mantido no cadastro, mesmo anos após a demissão. Como o cidadão aparece no sistema como empregado, a porta para os R$ 600 se fecha. 

É como um novelo que foi se enrolando descontroladamente ao longo do tempo e só agora, dada a necessidade imposta pela Covid-19, percebe-se que os nós podem atrapalhar os arremates essenciais da trama. Não é um problema que surgiu agora, ele já existia, só estava acomodado na escuridão. A mobilização popular pelo auxilio emergencial é algo sem precedentes no país, era inevitável que a desorganização chegasse à superfície, como acabou acontecendo. O transtorno pode ter origem tanto no desleixo, quando os próprios empregadores não registram as demissões, quanto em falhas graves do sistema, o que levaria à "eleição" dos presidentes da República que não fazem ideia de que ocupam o cargo.

O Estado brasileiro não dá conta nem das demandas sociais que estão expostas, quem dirá de se antecipar a crises, como a atual. Processos e protocolos bem conduzidos são essenciais para o bom funcionamento da máquina pública, mas são ainda mais necessários diante do imprevisível. Não é como a burocracia, que lança deliberadamente escombros sobre o cidadão quando ele precisa fugir do fogo.

O auxílio emergencial já chegou a mais de 50 milhões de pessoas no país, um mês após tem sido lançado. É um alento dentro da calamidade.  Mas outros 19 milhões de brasileiros habilitados a recebê-lo ainda encaram um paradoxo, ao só encontrar o contrário do que está exposto em seu nome: descaso e demora.

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