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Governo do ES diz que 'lei antigênero' é inconstitucional e indica censura

Governo do ES diz que 'lei antigênero' é inconstitucional e indica censura

Em resposta ao STF, a Procuradoria Geral do Estado aponta vícios na legislação promulgada pela Assembleia Legislativa

Publicado em 5 de agosto de 2025 às 20:56

Entenda quando sexo ou carícias com mulher embriagada é abuso, ou quando o ato de constranger mediante violência pode ser considerado estupro, mesmo sem relação sexual

governo do Espírito Santo diz que a Lei 12.479/2025, que autoriza pais e responsáveis a vedar a participação dos filhos em "atividades pedagógicas de gênero" nas escolas capixabas, é inconstitucional e ainda indica censura. É o que revela a resposta da Procuradoria Geral do Estado (PGE) ao Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que trata do tema. A Assembleia Legislativa teve entendimento diferente e também já se manifestou à Corte superior

Projeto de iniciativa parlamentar se tornou lei com a promulgação feita pelo presidente da Assembleia, deputado Marcelo Santos (União), no mês passado, porque o governador Renato Casagrande (PSB) não se posicionou, dentro do prazo estipulado, após o projeto ter sido aprovado no Legislativo, o que se traduz em sanção tácita — aprovação decorrente do silêncio do chefe do Poder Executivo. 

A ADI foi proposta ao STF por movimentos sociais e de defesa da igualdade — ONGs Aliança Nacional LGBTI+, Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (Abrafh) e Fonatrans. A relatoria cabe à ministra Cármen Lúcia que, na última semana, deu um prazo de cinco dias para que o governo do Estado e a Assembleia se manifestassem sobre a lei. 

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Governo do ES diz que 'lei antigênero' é inconstitucional e indica censura

Na manifestação do governo enviada ao Supremo, assinada pelos procuradores Iuri Carlyle Madruga e Jasson Hibner Amaral, a PGE aponta vícios de inconstitucionalidade, tanto formal quanto material. Entre os argumentos, o documento ressalta que a nova lei viola a competência legislativa privativa da União para dispor sobre diretrizes e bases da educação, conforme previsto no artigo 22 da Constituição Federal. Confira mais abaixo o posicionamento da PGE na íntegra.

Também viola a vedação constitucional (artigo 206) a quaisquer formas de censura e à liberdade de cátedra e concepções pedagógicas dos professores. Nesse ponto, a PGE menciona o posicionamento do ministro Luís Roberto Barroso, em ADIs de outros Estados, pontuando a inconstitucionalidade de leis municipais que tentaram restringir o discurso de professores em sala de aula. 

"A liberdade de ensinar e o pluralismo de ideias constituem diretrizes para a organização da educação impostas pela própria Constituição, ao passo que a regulamentação do tipo de educação apto a gerar 'o pleno desenvolvimento da pessoa' e a 'promoção humanística do país' integra o conteúdo de 'diretriz da educação nacional' e, portanto, constitui competência normativa privativa da União", observa a PGE. 

A Procuradoria lembra que os Estados têm competência para também legislar sobre educação, porém devem ser consideradas as normas gerais editadas pela União — regras que devem ser minimamente homogêneas em todo o território nacional. E foi exatamente nesse contexto, segundo a PGE, que o STF declarou formalmente inconstitucional a lei do estado de Rondônia que proibia linguagem neutra nas escolas. 

"A forma de participação das crianças e adolescentes deve ser tratada de modo uniforme em todo o território nacional, não cabendo aos entes estaduais estabelecer quaisquer tipos de proibições ou permissões locais, caso em que tais proibições terão que ser discutidas e promovidas, se for o caso, pela União", frisam os procuradores. 

Censura

Para a PGE, a lei capixaba também apresenta inconstitucionalidade material, já que implica censura à liberdade de expressão e de ensino de professores em sala de aula. 

"Constata-se a regulação desproporcional do conteúdo do discurso realizado em sala de aula, à luz da vinculação de professores ao conteúdo programático, bem como à liberdade de aprendizado de alunos sobre a pluralidade social existente na vida real. Além disso, promove a supressão de campos inteiros do saber da sala de aula e desfavorece o pleno desenvolvimento da pessoa, que precisa ter acesso à realidade fática social e construir seu próprio repertório cultural", argumentam os procuradores. 

Outro aspecto pontuado pela PGE é o fato de que a lei estadual impôs ao governo prazo para a regulamentação de sanções. Essa previsão também fere a Constituição Federal porque é de competência do chefe do Poder Executivo examinar a conveniência e a oportunidade para o desempenho das atividades legislativas e regulamentares que lhe são próprias. "Assim, qualquer norma que imponha prazo determinado para a prática de tais atos configura indevida interferência do Poder Legislativo em função típica do Poder Executivo."

Por fim, a PGE conclui o posicionamento do governo capixaba pela procedência da ação com a declaração de inconstitucionalidade da Lei 12.479/2025. Além do processo no STF, há uma ADI proposta pelo Psol sendo apreciada pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). Já o Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) pediu a concessão de medida cautelar ao Tribunal de Contas para suspender imediatamente a aplicação da norma. Todas as iniciativas apontam para a inconstitucionalidade da nova lei.

Arquivos & Anexos

'Lei antigênero': resposta do governo do ES ao STF

Veja, na íntegra, manifestação da Procuradoria Geral do Estado (PGE) sobre a Lei 12.479/2025

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O que diz a lei

O artigo 2º da lei aponta como atividades pedagógicas de gênero "aquelas que abordam temas relacionados à identidade de gênero, à orientação sexual, à diversidade sexual, à igualdade de gênero e a outros assuntos similares".

A legislação também obriga as instituições de ensino no Estado a informar os pais ou os responsáveis "sobre quaisquer atividades pedagógicas de gênero que possam ser realizadas no ambiente escolar, sob pena de serem responsabilizadas civil e penalmente, conforme o caso".

"As instituições de ensino serão responsáveis por garantir o cumprimento da vontade dos pais ou dos responsáveis, respeitando a decisão de vedar a participação de seus filhos ou de seus dependentes em atividades pedagógicas de gênero", diz um dos trechos.

Por fim, a lei estabelece que o Poder Executivo deverá regulamentar as sanções aplicáveis em caso de descumprimento dessa lei no prazo de até 90 dias contados da data de sua publicação.

Secretaria de Estado da Educação (Sedu) pretende cumprir, mesmo sem concordar, as determinações da nova lei. Em nota enviada em 23 de julho, o órgão informou que adotaria as providências necessárias para regulamentação e cumprimento da legislação na rede estadual de ensino. Para o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes), que publicou nota de repúdio, a lei é um "retrocesso que cerceia direitos e fere a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)."

Atualização
06/08/2025 - 14:16hrs
Após a publicação da reportagem, o texto foi atualizado com a informação sobre o que é sanção tácita. 

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