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Maioria dos deputados candidatos no ES não pediu licença do mandato

Maioria dos deputados candidatos no ES não pediu licença do mandato

Dos 30 parlamentares, 11 disputam prefeituras em 2020. Pela regra, poderiam se licenciar por até 120 dias, sem remuneração, para cuidar de suas campanhas

Publicado em 27 de outubro de 2020 às 06:00

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Sessões híbridas na Assembleia Legislativa durante campanha eleitoral
Sessões híbridas na Assembleia Legislativa durante campanha eleitoral. (Tati Beling)

A campanha eleitoral de quem quer ser eleito em novembro já está a todo vapor. Faltando menos de um mês para o dia da votação, os candidatos estão com agendas lotadas de entrevistas, debates, caminhadas e reuniões.

Enquanto isso, as atividades na Assembleia Legislativa do Espírito Santo também seguem com sessões híbridas, ou seja, virtual e presencial, de segunda a quarta-feira. Mesmo assim, a maioria dos deputados estaduais que disputa prefeituras optou por acumular os dois compromissos: o de parlamentar e o de candidato. Apenas um tirou licença não remunerada.

Apesar de afirmarem que as agendas podem ser conciliadas, o cenário registrado nas sessões tem sido de câmeras desligadas, desatenção e silêncio na hora da votação. Muito diferente do que era registrado durante as sessões virtuais nos meses de pandemia de Covid-19 que antecederam a campanha.

Além dos que disputam prefeituras, outros parlamentares se envolvem em campanhas de colegas de partido, como o próprio presidente da Casa, Erick Musso (Republicanos), que tem participado ativamente na campanha de candidatos em todo o Estado e desde o início das sessões híbridas, em 14 de setembro, não presidiu a maior parte das sessões. Ele afirma, no entanto, que acompanha todas as deliberações.

Pelo regimento interno da Assembleia, como prevê o artigo 305, os deputados podem pedir licenças, de até 120 dias, para cuidar de assuntos pessoais. Nesse caso, a remuneração é suspensa e o parlamentar fica liberado das atividades do mandato. Outros casos envolvem licenças médicas e posse em cargos no Executivo, como secretarias. Um suplente é convocado quando a licença é superior a 120 dias, ou seja, no caso da campanha, a cadeira ficaria "vazia."

Apenas Bruno Lamas (PSB), candidato a prefeito na Serra, solicitou licença de 19 dias. O parlamentar, inclusive, ocupou de fato a cadeira apenas em abril deste ano, quando deixou o cargo de secretário estadual de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social dentro do prazo exigido pela Justiça Eleitoral para concorrer nas eleições, que seriam em outubro.

A decisão, de acordo com o socialista, foi "para evitar o uso de recursos públicos na reta final de campanha." Ele adianta, ainda, que se for para o segundo turno pode ampliar o pedido.

Dois de seus adversários na disputa, os deputados estaduais Vandinho Leite (PSDB) e Alexandre Xaminho (PL), continuam no cargo. Via assessoria, o tucano afirmou que não pediu licença "por entender que, até agora, não ocorreu qualquer prejuízo à atividade parlamentar" e que tem atuado normalmente.

Já Xambinho admite que está considerando a possibilidade. "Diante da necessidade de intensificar a campanha, a tendência é licenciar nos últimos 20 dias", disse. A questão, no entanto, não está resolvida. O parlamentar está "refletindo sobre o assunto" e deve decidir nos próximos dias.

Até o momento, pesquisa Ibope mostrou que Vandinho Leite tem 11% das intenções voto, Bruno Lamas, 8% e Alexandre Xambinho, 5%. Todos, no entanto, bem atrás do deputado federal e ex-prefeito da Serra Sergio Vidigal (PDT), que tem 46%. A pesquisa foi divulgada em 19 de outubro.

Na Capital, outros três parlamentares disputam a cadeira de chefe do Executivo: Capitão Assumção (Patriota), Lorenzo Pazolini (Republicanos) e Fabrício Gandini (Cidadania). Todos seguem nas atividades parlamentares. Gandini e Pazolini, que estão na cabeça das pesquisas de intenção de voto, admitem que podem considerar a licença em algum momento, provavelmente vislumbrando um segundo turno, mas até agora mantém as atividades.

Gandini está empatado com o ex-prefeito João Coser (PT) com 22% das intenções de voto. Pazolini vem em seguida, com 10%.

Também na Grande Vitória, Euclério Sampaio (DEM) disputa a prefeitura de Cariacica e Hudson Leal (Republicanos) a de Vila Velha. Os dois deputados não solicitaram licença do mandato na Assembleia.

Nem mesmo os candidatos que disputam cadeiras no interior do Estado se afastaram do mandato. Enivaldo dos Anjos (PSD) disputa a prefeitura de Barra de São Francisco, localizada a 250 km de Vitória, Marcos Garcia (PV), a de Linhares, a 130 km da Capital, e Carlos Von (Avante) a de Guarapari, na Região Metropolitana. 

As sessões híbridas tornam mais conveniente para os parlamentares essa "dupla jornada." Sem precisar marcar presença física nas sessões, é possível participar das deliberações da cidade onde a campanha está sendo realizada. No caso do deputado Carlos Von, suas atividades do mandato já eram dividas entre os dois municípios e, por isso, "pouca coisa mudou." "O deputado já mantinha um gabinete, com recursos próprios, em Guarapari, onde atende a população que é sua base eleitoral", informou a assessoria.

"JEITINHO BRASILEIRO"

Para o cientista político João Gualberto Vasconcellos, é natural que os deputados, os que concorrem e os que não concorrem, se envolvam nas campanhas eleitorais. O problema, em sua análise, é que as atividades na Casa Legislativa se tornam uma "coisa do jeitinho brasileiro, um jogo de faz de conta" que "não está funcionando efetivamente".

Para o especialista o problema não está na dedicação dos candidatos às campanhas, o que, neste momento, é "mais que natural." Mas, para não atrapalhar a qualidade do trabalho legislativo deveriam, até mesmo, "suspender as atividades da Assembleia em período eleitoral", opina.

"É pouco recomendável você fazer esse jogo de faz de conta. Nós deveríamos estar preparados, então, para de dois em dois anos suspender as ações na Assembleia na época eleitoral.  Isso [acúmulo de agendas] acontece porque aqui os deputados têm outras atribuições que fazem parte da própria demanda dos eleitores. Em vez de passar a maior parte do tempo legislando, passam atendendo demandas de suas clientelas, ou seja, suas bases eleitorais", aponta.

VIVER DA POLÍTICA E NÃO PARA A POLÍTICA

A questão, para o cientista político Paulo Edgar Resende, não é tirar ou não a licença, mas o movimento de abandonar o mandato em andamento para, se eleito, ocupar uma nova cadeira. Por mais que não exista uma lei que obrigue os parlamentares a terminarem seus mandatos, para o especialista essa prática envia mensagem para o eleitor de que "o voto dele vale menos do que a carreira política de quem ele elegeu."

"O representante que abandona seu mandato para concorrer a outro mandato está indicando que a carreira política dele é mais importante do que a confiança depositada nele pelo eleitor. Ele não vai viver para a política, mas da política. É uma forma de garantir que vai continuar até tentar um 'upgrade' na carreira", aponta.

O especialista lembra que o papel do deputado vai muito além de estar presente nas sessões e envolve apresentar propostas, projetos, se posicionar sobre projetos que outros apresentam e se atualizar sobre o que os colegas estão fazendo. Ao tentar "conciliar" as agendas, não só o trabalho legislativo é prejudicado mas também os "interesses de quem votou nele." 

"O importante é frisar que, por mais que o mandato seja representativo, ele é concedido pelo eleitor. Na democracia é como se o eleitor fosse o chefe e o mandato é de interesse público e não privado", finaliza.

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