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Papelão, agulha e até embalagem para panetone estão em falta no ES

Papelão, agulha e até embalagem para panetone estão em falta no ES

Indústrias de confecções, de alimentos e da construção civil enfrentam dificuldades para a compra de materiais básicos para a produção. Preços ao consumidor devem subir

Publicado em 14 de dezembro de 2020 às 08:26

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Empresário Fabrício Rocha, sócio da Cartonagem Rocha, diz que falta papelão
Empresário Fabrício Rocha diz que falta papelão. (Acervo pessoal)

A pandemia do novo coronavírus ainda deixa um rastro de adversidades na economia brasileira. Um deles é a escassez de insumos, que tem afetado a produção de indústrias dos mais variados segmentos. No Espírito Santo, está difícil encontrar desde embalagens para panetones até materiais de acabamento para reformas. Em alguns casos, os fornecedores chegam a pedir até sete meses para entregar as mercadorias.

O problema não é novo e não atinge somente o Estado. Em setembro, A Gazeta mostrou que as indústrias de plástico estavam com dificuldades para obter material e produzir embalagens de alimentos e tubos para a construção civil. Em meados de novembro, a vinícola Aurora, no Rio Grande do Sul, chegou a ficar dois dias sem produzir sucos de uva por conta da ausência de garrafas de vidro para envasar a bebida, como mostrou o Estadão.

No Espírito Santo, além do vidro e do plástico, também está sendo difícil encontrar papelão e até linhas e agulha para confecção. Levantamento de novembro da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) apontou que 75% das indústrias de transformação no país enfrentaram dificuldades para conseguir insumos.

Uma delas é a Cartonagem Rocha, empresa de Vila Velha especializada em embalagens de papelão. Base para toda a produção da fábrica – que hoje atende não apenas o Espírito Santo, mas outros Estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia –, o papelão tem estado insuficiente há alguns meses, segundo o sócio da empresa, Fabrício Rocha.

“Nós compramos as chapas de papelão e transformamos na necessidade do cliente. Mas temos vivido um período complicado em função de uma carência muito grande de papelão no mercado. A pandemia veio em março. Em abril começaram a cogitar escassez, e, desde setembro, vem havendo uma piora. Não apenas está difícil encontrar papelão, como o preço subiu muito. E a tendência é que a situação se agrave ainda mais em dezembro e janeiro.”

Ele observa que, diante do aumento de consumo em geral, impulsionado, inclusive, pelo auxílio emergencial, houve crescimento na procura por embalagens. Entretanto, a empresa tem tido que se esforçar para conseguir atender a demanda diante do desabastecimento.

“Estamos operando com 40% a menos da nossa capacidade de compra. O mesmo ocorreu com a quantidade de clientes que atendíamos. Tivemos que abrir mão de alguns para focar naqueles que são prioritários.”

O hábito que alguns fornecedores desenvolveram de priorizar alguns clientes é um dos fatores que impedem que esses contratempos batam à porta de outras indústrias.

Diretor da Refrigerantes Coroa, Ademar Bragatto conta que a empresa, particularmente, não chegou a enfrentar falta de insumos, como as garrafas plásticas utilizadas para envasar as bebidas. Entretanto, considera que o motivo para tanto é justamente a relação antiga com os fornecedores.

“Nossa empresa é quase cententária. Isso traz certas vantagens nessas horas. Temos conhecimento de que a escassez de matéria-prima tem afetado várias fábricas, em diversos setores, mas, pela forma como sempre procedemos, fomos um pouco protegidos pelos fornecedores. Alguns estão conosco há mais de 40 anos e acabam priorizando essa parceria. Mas, uma indústria mais nova, certamente, tende a ter mais problemas.”

EMBALAGEM PARA PANETONE

A gastrônoma Ana Carolina Ximenes conta que precisou procurar em diversas lojas para conseguir encontrar embalagens plásticas para panetone. Ela explica que, onde faltava o produto, não havia prazo para reposição. E no local em que encontrou, o preço estava muito acima do normal.

“Eu comecei a fazer panetones para o final de ano e precisava dessas embalagens, pois é um panetone decorado, e não podia simplesmente colocar num saquinho. Mas, com exceção de uma loja, todas as demais estavam em falta. Rodei a Glória inteirinha procurando, e a que encontrei ainda não era exatamente a que eu buscava. Mas o preço estava muito caro e não havia previsão para outras embalagens chegarem.”

Ana Carolina Ximenes mostra as embalagens que teve dificuldade para encontrar
Ana Carolina Ximenes mostra as embalagens que teve dificuldade para encontrar. (Acervo pessoal)

O mesmo, segundo a gastrônoma, ocorreu na procura por sacolas kraft, um tipo de embalagem de papel pardo que vem sendo muito utilizada em delivery.

“Para quem trabalha com isso, é pesado. Se está difícil encontrar, temos que comprar onde tem. E, geralmente, essa loja vai vender com preço mais caro, nos levando a repassar esses aumentos ao consumidor.”

FALTAM ITENS BÁSICOS PARA PRODUÇÃO DE ROUPAS

E não são apenas as embalagens e recipientes para armazenamento de alimentos que estão em falta. O empresário José Carlos Bergamin, proprietário da indústria de confecções da marca Konyk, conta que a fabricação das peças de vestuário tem sido afetada pela insuficiência de itens básicos para o segmento.

“A indústria de confecção sempre comprou para receber em torno de 30 dias. Há muitos anos era assim. O abastecimento era estável. Os importados tinham encarecido, mas o abastecimento era rápido. Agora, estamos comprando para receber em três ou quatro meses. Às vezes você encontra matéria-prima, mas falta linha, falta botão, falta metal, etc.”

Ele explica que também tem sido difícil encontrar malhas. As fábricas, segundo Bergamin, não apenas têm diminuído as coleções, como vêm fabricando produtos mais básicos, o que vem forçando as marcas a usarem mais de sua criatividade para oferecer peças que atendem melhor ao que os consumidores buscam.

“Estamos usando técnicas de lavanderia e estamparia para tinturar o produto como queremos, para incrementar os designs. As matérias-primas que temos encontrado são muito básicas. As fábricas alegam desprovimento de fio. E é um negócio que o Brasil sempre produziu muito, mas exportou por causa da alta do dólar.”

O empresário observa que o fato de que o país agora se prepara para enfrentar o verão, com temperaturas mais quentes, é o que tem segurado um pouco o preço das peças, que demandam menos tecido que uma roupa de inverno, por exemplo.

Ainda assim, ele considera que algum percentual de reajuste invariavelmente ocorrerá, e alerta que os fornecedores têm dito que a situação só vai se normalizar realmente a partir do segundo semestre de 2021.

MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO: DEMANDA ALTA PROVOCA FALTA DE PRODUTOS

Essa demora afeta também outros segmentos. Edson Agrizzi, proprietário da Agrizzi Materiais de Construção, conta que alguns fornecedores dão o prazo até junho para disponibilizar cerâmicas, louças e metais.

“Houve um aumento bem expressivo nas vendas. As pessoas têm buscado muito material para reformas, principalmente acabamento. O problema é a falta de materiais. As indústrias estão demorando muito a entregar. Antes, demorava em torno de 30 dias, agora estão pedindo seis a sete meses. Cerâmicas, revestimentos, louças, metais, PVC. Tudo isso tem sido difícil de encontrar. E os preços subiram muito. Em alguns casos chegam a aumentar mais de 100%.”

O encarecimento também foi apontado pelo presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Espírito Santo (Sinduscon-ES), Paulo Baraona. Ele observa que, diante da pandemia, muitas indústrias reduziram a produção achando que haveria uma queda na procura, mas ocorreu justamente o inverso.

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As pessoas passaram a ficar mais em casa. Teve aquele primeiro período de março até julho, mais ou menos, em que houve um apelo muito grande para que as pessoas ficassem em casa. Coincidiu de, no mesmo período, o governo dar aquela ajuda de R$ 600 por mês. Na conjuntura criada, muitas pessoas começaram a fazer reforma, e isso fez com que algumas lojas tivessem inclusive falta de mercadorias

Paulo Baraona
Presidente do Sinduscon
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Ele observa que, somado a esses fatores, o setor de construção civil foi aquecido nos últimos meses pela redução das taxas de juros, que levaram mais pessoas a adquirir imóveis para morar ou como forma de investimento.

“Ocorre que, com o aumento da procura, tivemos aumento de obras. E estamos com dificuldade de encontrar alguns produtos. Mas isso não chega a ser o principal problema, e sim o encarecimento dos materiais, que está prejudicando as empresas.”

“DIANTE DAS INCERTEZAS, INDÚSTRIAS ESTÃO OCIOSAS”

O diretor de Defesa de Interesses da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), Luis Claudio Montenegro, reconheceu a escassez de mercadorias, e disse que as indústrias, não apenas no Estado, mas de modo geral, têm estado ociosas diante das incertezas em relação à pandemia.

Ele explica que as empresas trabalham com planejamentos e, por isso, precisam de certo nível de previsibilidade – o que não tem existido neste momento.

De acordo com Montenegro, uma série de fatores desencadeou a situação atual. Antes mesmo do surto da Covid-19, as empresas já lidavam com a questão do câmbio: com o real desvalorizado e o dólar em um patamar elevado, as exportações foram estimuladas. Entretanto, esse mesmo detalhe criou complicações para quem importa matéria-prima.

Luis Claudio Santana Montenegro vai assumir a coordenação dos conselhos temáticos da Findes
Luis Claudio Montenegro: indústria está ociosa . (Edson Chagas/Arquivo)

“Desde que chegou, a pandemia tem afetado fortemente os negócios. Houve um impacto muito grande na demanda, que caiu absurdamente. Todo mundo se recolheu diante da preocupação com a doença, e isso praticamente paralisou as operações das indústrias. Entretanto, todo mundo precisava gerar receita, então os estoques foram vendidos.”

Com o passar dos meses e a diminuição do número de contaminações, veio a retomada – mais rápida e mais forte do que se esperava –, ancorada pelo auxílio emergencial e a liberação de crédito para as empresas.

A procura aumentou, inclusive porque os varejistas, assim como muitos consumidores, buscaram fazer estoques. Ainda assim, a maioria das indústrias ainda não voltou a produzir no ritmo pré-crise porque o cenário ainda é incerto.

“Você paralisou a produção, zerou estoques, e isso não se repõe da noite para o dia, ainda mais em um momento como o que se vive. As empresas têm medo de aumentar o ritmo de produção e, daqui alguns meses, precisarem paralisar novamente por queda na demanda. Isso tudo tem travado a retomada da indústria de um modo geral.”

Com a liberação de crédito e ajudas do governo, bem como a redução das taxas de financiamento, houve aumento na busca por produtos para reformas e construção civil. Na sequência, a procura por móveis e eletrodomésticos. Com o aumento do consumo geral, inclusive em função do e-commerce, cresceu a procura por embalagens.

No final do ano, as vendas naturalmente aumentam, inclusive no setor de vestuário, o que afeta a confecção.

Além do consumo interno, outros países voltam a fazer estoques, e aumentaram o número de importações de produtos como aço, minério, plástico e resinas, o que termina por desequilibrar ainda mais o mercado já fragilizado.

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“A combinação de fatores criou um problema de falta de materiais que, realmente, não se vê há muito tempo. A gente acredita que isso vai normalizar. As indústrias estão trabalhando com capacidade ociosa, mas é devido à incerteza. Não é, necessariamente, porque falta matéria-prima

Luis Claudio Montenegro
Diretor de Defesa de Interesses da Findes
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“O que a gente precisa é olhar a frente, descobrir o que virá após o fim do auxílio, como a onda de novos casos do coronavírus vai afetar as atividades econômicas, quando vem a vacina. Quanto mais rápido tivermos essa previsibilidade, mais rápido conseguiremos normalizar a situação.”

Montenegro frisa que o fato de que o Estado tem as contas equilibradas, e tem mantido um diálogo claro quanto às medidas que vêm tomando em relação à pandemia ajuda nesse planejamento. Observa ainda que a Findes tem se movimentado para auxiliar as empresas fornecedoras como possível, de modo a minimizar os impactos da crise.

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