Publicado em 28 de maio de 2020 às 12:05
Em meio à pandemia do novo coronavírus, muitos empreendedores precisam recorrer a linhas de crédito para conseguir manter suas empresas funcionando. Porém, mesmo com as modalidades disponíveis há quase dois meses, muitas vezes, esse dinheiro não chegou a quem precisava. No Espírito Santo, por exemplo, muitos empresários tentam conseguir ajuda financeira de linhas regionais e nacionais, mas o resultado tem sido o mesmo: demora, falta de informação e burocracia.>
Um comerciante da Serra, que preferiu não se identificar, explicou a situação em que ele e o seu negócio, aberto há 10 anos, enfrentam. Ele conta que tem 10 funcionários que o perguntam porque ele não pega o crédito que foi anunciado pelos governos estadual e federal. A resposta, segundo o comerciante, está no número de obstáculos que ele tem que enfrentar para conseguir ter aprovação do crédito.>
X.
comerciante da SerraAlém disso, o comerciante explica que a cobrança da Taxa de Abertura de Crédito (TAC) é outro problema. Muitos bancos a cobram para conceder financiamento ou empréstimo. Mas, por estar proibida por lei desde 30 de abril de 2008, as empresas costumam usar outro nome para escapar da fiscalização.>
"Em um banco me cobraram R$ 1,5 mil de TAC, para analisar as minhas garantias. Para manter a empresa funcionado tentei a linha de folha de pagamento da Caixa, mas pedem garantia de 100% do valor a ser financiado. Também tentei a de Crédito Emergencial do Bandes/Banestes, que também me exigia garantia de 100% do valor. Se eu tivesse esse dinheiro não precisava de empréstimo", conta. >
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Os bancos estaduais, Bandes e Banestes, criaram três linhas emergenciais para socorrer as empresas afetadas pela pandemia do coronavírus. Todas começaram a operar, porém, duas delas com certa demora. Do total de R$ 484 milhões em crédito que seriam concedidos às empresas, apenas R$ 175,76 milhões foram repassados a elas. >
A primeira linha foi anunciada no dia 18 de março, mas só começou a ser paga no início de abril. A modalidade de Crédito Emergencial Banestes/Bandes oferece taxas a partir de 0,32% a. m., mais CDI, carência de até seis meses e prazo de pagamento de até 48 meses. De acordo com as projeções divulgadas na época, pelo Banestes seriam emprestados R$ 250 milhões e pelo Bandes outros R$ 134 milhões.>
Segundo o presidente do Banestes, José Amarildo Casagrande, o banco já liberou R$ 127 milhões em recursos, para 1.162 empresas, com tíquete médio de R$ 109 mil. Além disso, estão em análise outros R$ 194 milhões, que correspondem a mais 892 propostas de empresas/setor industrial, de diferentes portes. >
Já do total de R$ 134 milhões em recursos do Bandes, até o dia 20 de maio, R$ 46,5 milhões deles estavam em análise e outros R$ 87,5 mi foram contratados. >
Já as linhas de Microcrédito Emergencial Covid-19 disponíveis com aval do governo estadual eram as mais aguardadas pelos empreendedores. Elas são para crédito de até R$ 5 mil sem juros ou Capital de Giro Emergencial Covid-19, sendo que o valor de contratação é de até R$ 31,5 mil.>
Ao todo o governo prometeu emprestar R$ 100 milhões para mais de 300 mil negócios no Espírito Santo. As linhas foram anunciadas no dia 14 de abril, mas os empréstimos só começaram a ser realizados na última sexta-feira (22), mais de um mês depois. >
A linha de crédito de até R$ 5 mil sem juros tem como objetivo beneficiar artesãos, representantes da Economia Solidária, micro e pequenos empreendedores (MEIs) e trabalhadores autônomos. A expectativa do governo era que 220 mil profissionais fossem beneficiados. Eles terão seis meses de carência, com prazo de 24 meses para pagamentos, e a contratação será operada pelo Banestes. >
Casagrande explica que o prazo não entrou em operação logo após a aprovação da lei devido a necessidade de adequações. Mas que em menos de uma semana em vigor a medida já atendeu 450 empresas - contratos aprovados até a manhã desta quinta-feira - no valor de R$ 2,2 milhões.>
Ao todo, foram apresentadas 9.470 propostas sendo que 5.269 estão aptas a continuar e outras 1,2 mil estão ainda em análise. Já outras 3 propostas foram descartadas por restrições. "Muitas pessoas que procuram o empréstimo não fazem parte do público-alvo. Outras também não apresentam a documentação exigida. Alguns empreendedores são muito bons no trabalho, mas não entende os caminhos para os empréstimos. A Aderes [Agência de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas] tem contribuído para uma análise preliminar dos pedidos para que o Banestes possa trabalhar com mais agilidade na liberação dos recursos ", explicou.>
Uma das pessoas que aguardam ser contempladas por essa linha é a microempresária Marcele Alvarenga. Ela tem uma empresa de comunicação desde 2013 e conta que, desde que a crise do coronavírus começou, já perdeu dois clientes. "A minha ideia era pegar o empréstimo de até R$ 5 mil para conseguir ter um tempo de respiro maior, caso perca ainda mais clientes. O dinheiro seria usado para pagar as contas do dia a dia da empresa", explica. >
Segundo ela, a demora entre o anúncio da linha e o início da operação dela foi a pior parte. "Estou procurando informações sobre a linha de crédito desde as primeiras notícias. Primeiro eles fizeram o anúncio e encheram a gente de expectativa. Fui a uma agente do NossoCrédito que me passou as informações que eles precisavam, mas sem data para conseguir o crédito. Agora estou esperando", comenta. >
A outra linha anunciada foi a de Capital de Giro Emergencial Covid-19, de até R$ 31,5 mil, que é destinada exclusivamente para o financiamento de até três folhas de pagamento de empresas. Ela tem taxa de juros atrelada a Selic, hoje em 3%, carência de até seis meses sem cobrança de encargos e prazo para pagar de até 48 meses.>
Casagrande explica que para essa linha foram atendidas 25 empresas, num total de R$ 260 mil. "O valor é baixo porque o recurso é liberado apenas no pagamento da folha de salários, o que ocorre geralmente no dia 5 do mês. No início de junho, teremos um valor considerável de recursos liberados. Outro motivo de a quantia até agora contemplada não ser tão alta é acabamos atendendo muitas empresas em outras linhas de crédito", acrescenta.>
José Amarildo Casagrande
presidente do Banestes
Nesta quinta-feira, a Findes enviou um ofício ao Banestes e à Secretaria de Estado de Desenvolvimento, solicitando informações sobre o Fundo de Aval Bandes e as linhas emergenciais de crédito anunciadas pelo governo estadual. A instituição pediu informações sobre a quantidade de propostas solicitadas, os requerimentos em análise e o montante de empréstimos solicitados , os números de contratos e valores firmados até agora.>
Levantamento preliminar do Núcleo de Acesso ao Crédito da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) constatou que das 12 mil solicitações para a linha de crédito de capital de giro, de R$ 5 mil, voltada para os microempreendedores individuais, no máximo 300 pedidos foram liberados. O número estimado pela organização é um pouco maior do que os dados divulgados pelo Banestes.>
Segundo a instituição que representa a classe empresarial, o serviço de financiamento para folha de pagamento, no valor máximo de R$ 31,5 mil, praticamente não entrou em operação. >
Nosso objetivo é apoiar os industriais na obtenção dos recursos e também colaborar com os bancos, no atendimento na rede bancária, para que as instituições financeiras possam receber o cliente empresário já mais bem informado e orientado sobre o encaminhamento de suas demandas nas agências, afirma o presidente da Findes, Léo de Castro, nos ofícios encaminhados ao Banestes e à Sedes.>
No cenário nacional, a situação não é muito diferente da encontrada no Espírito Santo. Das três linhas de crédito que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já tinha anunciado no final de março, que totalizavam R$ 53 bilhões, quase dois meses depois apenas R$ 6,5 bilhões chegaram às mãos de quem precisa. >
Um dos maiores problemas está na linha de financiamento da folha de pagamento. Em todo o país apenas, quatro a cada 100 empresas que poderiam ter acesso conseguiram o empréstimo. Esse programa foi anunciado pela governo federal no dia 27 de março, mas a Medida Provisória (MP) 944, que regulamenta as linhas de crédito, entrou em vigor apenas no dia 3 de abril, cerca de 15 dias depois ser decretado estado de calamidade pública nacional.>
A linha tem juros de 3,75% ao ano e atende pequenas e médias empresas com faturamento anual de R$ 360 mil a R$ 10 milhões. Esse financiamento paga até dois salários mínimos mensais para cada empregado, sendo que o dinheiro é depositado diretamente na conta do trabalhador. Porém, muitas empresas não mantêm folha de pagamento cadastrada em bancos.>
A condição inicial para ter acesso ao crédito era as empresas se comprometerem a não demitir funcionários sem justa causa o funcionário, por um período de até três meses. Porém, cada instituição financeira poderia impor suas próprias condições, o que foi dificultando a liberação do crédito. >
O BNDES repassou R$ 40 bilhões a bancos e cooperativas financeiras, responsáveis pela distribuição dos financiamentos. Até o momento, apenas R$ 1,6 bilhão do total liberado para essa linha emergencial foram aplicados, de acordo com uma reportagem do Jornal Nacional. >
O valor mostra que apenas 4% do total de recursos chegaram nos pequenos ao seu destino final. Segundo cálculos do BNDES, o dinheiro serviu para pagar os salários de 1 milhão de trabalhadores. >
BNDES REPASSOU PARA BANCOS E COOPERATIVAS FINANCEIRAS
TOTAL DE RECURSOS LIBERADOS PARA AS EMPRESAS
O economista, professor dos MBAs da FGV e diretor-executivo da Canal Vertical, Roberto Kanter, lembra que, atualmente, a maior parte das empresas, mesmo as do Simples Nacional, estão devendo dinheiro a bancos e até impostos. Então, quanto mais restrições forem impostas, mais complicado se torna o processo de concessão de crédito. >
Roberto Kanter
Economista, professor dos MBAs da FGV e diretor-executivo da canal verticalSegundo o Ministério da Economia, em todo o país, 77 mil empresas conseguiram aprovação dos bancos para acessar o crédito. O número ainda é muito tímido, se considerando que, de acordo com o Sebrae, o Brasil tem 17 milhões de pequenos negócios e que quase 7 milhões procuraram crédito no período.>
Uma pesquisa da instituição de apoio aos pequenos negócios mostrou ainda que mais da metade delas não conseguiu o dinheiro e mais 28% estão aguardando a liberação do banco. >
O crédito acaba sendo travado num período crucial para os negócios, quando elas precisam, além de pagar seus funcionários, ter capital de giro. Esse capital é basicamente um recurso financeiro que circula na empresa para pagar as despesas de curto prazo, até que a companhia receba dos clientes e volte a fazer caixa. >
De acordo com o economista Roberto Kanter, atualmente, este é um capital de sobrevivência para os negócios, já que, sem ele, as empresas não resistirão aos impactos da pandemia. "Isso vale tanto para as médias e grandes empresas, como as pequenas em que, muitas das vezes, toda a renda vem desse negócio", aponta. >
É em busca desse crédito que a proprietária de um salão de beleza localizado em Laranjeiras, na Serra, procura há dois meses dois bancos: Caixa e Banestes. Com as contas se acumulando e o salão minimamente funcionando, Nilceia Moita Dias, 52 anos, precisou demitir duas das quatro empregadas que tinha. >
"Os boletos não param de chegar com os custos do negócio. Não tenho apoio do banco, só vejo a burocracia. Eu precisava de R$ 20 mil a R$ 30 mil para aguentar passar por esse período sem ter que fechar as portas. Mandei toda a documentação pedida, mas eles pedem o imóvel para dar de garantia e não aceitam nenhum outro tipo", relata.>
Ela afirma ainda que mandou todos os documentos por e-mail e o que o gerente da Caixa disse ela precisava ter um tempo de movimentação em uma conta no banco para conseguir o financiamento. "Eu estava com dois meses do Simples Nacional atrasado, fui e refinanciei para estar com tudo certo para pegar o empréstimo, mas mesmo assim não consegui.">
Segundo uma pesquisa do Sebrae, o Estado tem 301.916 pequenos negócios nos segmentos mais vulneráveis à crise da Covid-19. A gerente de ambiente de negócios e acesso a crédito da instituição, Alline Zanoni, explica que a estimativa é que as empresas tenham capital de giro para permanecer ativas por um período de 23 dias a um mês. "É importante que elas consigam o crédito para ter folego e não fechar definitivamente".>
De acordo com a pesquisa "O impacto da pandemia do coronavírus nos pequenos negócios", realizada pelo Sebrae entre os dias 3 e 7 de abril, na terceira semana do mês de março, quando as medidas restritivas ainda estavam começando no Espírito Santo, 88% dos empresários declararam queda de faturamento de 69%, em relação a uma semana normal.>
DOS PEQUENOS NEGÓCIOS NO ES NÃO CONSEGUIRAM CRÉDITO
Segundo o Sebrae, 87% dos pequenos negócios do ES não conseguiram crédito durante pandemia. A maioria teve o empréstimo negado ou ainda aguarda a análise do pedido. Apenas 13% das empresas conseguiram a aprovação do empréstimo.>
Outra pesquisa do Sebrae mostra que, em todo o país, 54,9% das empresas precisarão pedir empréstimos para manter seu negócio em funcionamento sem gerar demissões. Outros 28,1% ainda não sabem ou não responderam à questão e 17% acreditam que não precisarão recorrer aos bancos.>
No país, das empresas que solicitaram empréstimo bancário, 59,2% tiveram pedido negado, 29,5% estão aguardando resposta e apenas 11,3% conseguiram. O diretor da Idea Consultoria em Gestão Empresarial, João Luiz Borges de Araújo, aponta que o percentual de crédito negado tem relação com as garantias exigidas pelos bancos.>
João Luiz Borges de Araújo
Diretor da Idea Consultoria em Gestão EmpresarialUma das formas de os empréstimos chegarem às micro e pequenas empresas é elas terem um avalista. Algumas iniciativas começaram a ser formuladas neste sentido. Em âmbito nacional, o Sebrae anunciou uma garantia de R$ 12 milhões com o Fundo de Aval para as Micro e Pequenas Empresas (Fampe). Com isso, os negócios com faturamento de até R$ 4,8 milhões por ano podem garantir até 80% do crédito que precisarem tomar. >
"O banco vai definir em quais modalidades vai aplicar esse recurso, mas ele deve atrelar o Fampe às linhas emergenciais. Não será necessário que as empresas tenham alguma relação com o Sebrae. Será uma forma de mitigar os riscos para os bancos emprestarem dinheiro a quem não tem muitas garantias", comenta a gerente de ambiente de negócios e acesso a crédito do Sebrae, Alline Zanoni.>
No país, a criação de um fundo de aval para garantir crédito poderia ajudar milhares de empresas. O projeto existe, porém, apesar do texto ter sido aprovado no Congresso há 24 dias, o Plano Nacional de Apoio a Micro e Pequenas Empresas (Fampe) só foi assinado pelo presidente no dia 19 de maio. Mas deve levar mais um tempo até o dinheiro ser liberado. Isso porque o governo federal precisará definir as regras do fundo que será criado para pagar os empréstimos, em caso de inadimplência.>
Será necessário uma Medida Provisória e fazer uma reunião do Conselho Monetário nacional para aprovar as regras do fundo. Além disso, o governo pretende retomar a carência de oito meses para o início do pagamento do empréstimo, vetada pelo presidente, porém com juros.>
Segundo o BNDES, está sendo estruturanda uma injeção de cerca de R$ 20 bilhões do Tesouro Nacional do fundo garantidor do banco para impulsionar os empréstimos e diminuir o risco das empresas.>
A reportagem procurou os seguintes bancos para saber sobre o volume de crédito emprestado às empresas no Espírito Santo: BNDES, Bandes, Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Banestes, Bradesco, Caixa, Itaú, Santander e Sicoob. O Banco do Brasil e Banco do Nordeste não responderam à demanda.>
O Bradesco disse que "o banco não divulga dados regionais". O Santander informou que não tem esses números para informar. Já o Itaú disse que não tinha recorte regional dos dados.>
O Sicoob e o Santander responderam, mas enviaram notas sem as informações solicitadas. O Banestes e o Bandes enviaram dados de linhas de crédito estaduais. Já a Caixa, o Bando do Nordeste e o BNDES não responderam.>
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