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Entenda por que Bolsonaro faz ameaça de golpe e se há risco para eleições

Entenda por que Bolsonaro faz ameaça de golpe e se há risco para eleições

Em evento com embaixadores na última segunda-feira (18), presidente e pré-candidato à reeleição internacionalizou suas críticas frequentes ao sistema eleitoral e deu indicativos de que pode não aceitar resultado das urnas, caso perca

Publicado em 20 de julho de 2022 às 19:00

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Encontro do presidente Jair Bolsonaro com chefes de missão diplomática.
Presidente Jair Bolsonaro durante discurso para embaixadores na segunda-feira (18). (Clauber Cleber Caetano / PR)

Nas lives, em eventos públicos, no 'cercadinho' nas imediações do Palácio do Planalto. Em qualquer lugar que esteja, o presidente Jair Bolsonaro (PL) reiteradamente faz declarações contra o sistema eleitoral, o Judiciário, põe em dúvida a credibilidade das urnas eletrônicas e deixa indícios de que vai rejeitar o resultado da votação, caso não seja reeleito. Na última segunda-feira (18), num encontro com embaixadores, novamente fez discurso com teoria conspiratória.

Um ano antes da reunião com mais de 40 diplomatas no Palácio Alvorada, Bolsonaro já havia feito uma live com o mesmo teor, em que colocou em descrédito o sistema eleitoral brasileiro, sem apresentar provas. A diferença, desta vez, é a internacionalização do discurso, que transforma, aos olhos do mundo, o que poderia ser apenas uma crise interna em uma crise institucional. Seria o prenúncio de um golpe?

Para Adriano Oliveira, cientista político da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a conduta de Bolsonaro leva a um tensionamento social que pode, sim, culminar com o adiamento das eleições em outubro. O especialista considera três cenários possíveis no país: a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro turno; a disputa entre Lula e Bolsonaro no segundo turno; e a suspensão da votação.

"A possibilidade de adiamento advém do fato de que todo o mandato do presidente foi de crítica às instituições, em especial ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ao STF (Supremo Tribunal Federal) e às urnas eletrônicas. Bolsonaro está disposto a quê? A causar tumulto. Eu vejo esses discursos como principal estratégia dele para causar tumulto e poder justificar o adiamento ou a 'não posse' de um presidente", analisa. 

O cientista político observa que as declarações de Bolsonaro, também convocando para protestos, podem insuflar seus seguidores. 

"O que pode ocorrer não é um golpe tradicional, com armas e tanques. Mas os manifestantes pró-Bolsonaro podem ir às ruas, praticar atos de vandalismo e violência, e o presidente da República colocar as Forças Armadas nas ruas e dialogar com o Congresso, mostrando a impossibilidade de eleição enquanto o tumulto não passar", avalia. 

A possibilidade de que apoiadores de Bolsonaro tomem as ruas caso ele não seja reeleito guarda semelhanças com episódio recente nos Estados Unidos, quando uma multidão de seguidores de Donald Trump atacaram o Capitólio, sede do Congresso norte-americano, em 6 de janeiro de 2021. Um comitê da Câmara dos Representantes que investiga o ataque apontou neste mês que o ex-presidente dos EUA incitou a invasão, em uma última tentativa de permanecer no poder. 

POPULISMO DE DIREITA

Professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mayra Goulart também considera que o golpe como o vivenciado em 1964 no Brasil, com tropas armadas, é anacrônico para os tempos atuais. O modelo de agora, sustenta ela, é similar a de outros governos populistas de direita pelo mundo em que, no lugar da ruptura abrupta, há um esgarçamento, uma prática para erodir as instituições por dentro e a sua capacidade de regulação. 

Mayra Goulart aponta que  a narrativa de Bolsonaro atacando as urnas e o sistema político é marketing para ele, não só agora como presidente, mas durante toda a sua trajetória na Câmara Federal

"A desqualificação do sistema político e eleitoral, da divisão dos Poderes é uma marca discursiva de Jair Bolsonaro. Ele falou disso em plenário nos sete mandatos consecutivos (deputado federal) e isso consolida a imagem de um político anti-establishment (antissistema). Ele não é um outsider", aponta Mayra, ao citar a imagem de "concorrente de fora do meio político" vendida por Bolsonaro nas eleições de 2018. 

"Esse discurso é a marcação identitária dele e eu vejo o evento (com os embaixadores) como forma de agitar a base, que vibra com isso", acrescenta a pesquisadora, também professora do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e coordenadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada (LAPPCOM).

Na avaliação da especialista, não faz nenhum sentido Bolsonaro se posicionar contra o sistema vigente, considerando que ele e três de seus filhos — CarlosEduardo e Flávio — têm mandatos eletivos e se sustentam há vários anos na política graças a esse modelo.

Mas, apesar de observar essas manifestações de Bolsonaro mais como agitação e propaganda visando as suas bases eleitorais, Mayra Goulart não descarta a possibilidade de contestação do resultado por parte do presidente e de seus apoiadores em caso de derrota nas urnas.  

Aspas de citação

Importante pensar que essa contestação é muito mais fácil de acontecer se for para o segundo turno. É mais provável porque, para contestar, precisa de outros atores interessados em anular a eleição

Mayra Goulart
Professora da UFRJ e da UFRRJ
Aspas de citação

No primeiro turno, prossegue a professora, vão ser eleitos deputados federais, senadores, governadores e esses políticos, muitos do Centrão que hoje são da base de apoio ao presidente, não vão querer perder seus mandatos em prol de Jair Bolsonaro. "O risco de contestação é muito maior se for para o segundo turno", adverte. 

Questionada se as instituições têm cumprido o seu papel para preservar a democracia, Mayra Goulart faz uma série de ponderações. A professora afirma que, hoje, é o Judiciário que atua como uma barreira para conter o descumprimento da legislação e os ataques perpetrados contra o sistema político e eleitoral.

No entanto, ela aponta que, em muitas situações de um passado recente, a Justiça se mostrou conivente, como nos momentos em que Bolsonaro exaltou a ditadura e se posicionou a favor da tortura e da violência, ou quando xingou ministro em 2021, no 7 de Setembro. "Nenhuma instituição, nem mesmo o Judiciário, o freou."

Adriano Oliveira, por sua vez, argumenta que, se as instituições estivessem funcionando, Bolsonaro não estaria regularmente promovendo ataques. "Devemos ficar atentos", alerta.

Para o 7 de Setembro deste ano, Bolsonaro já adiantou que vai participar de desfile militar em Brasília. "O Sete de Setembro deve ser muito grande no Brasil, a minha ideia é ficar em Brasília, ver o desfile militar. Vamos fazer o maior possível, porque casa com 200 anos da nossa independência, logicamente é muito bonito isso", disse, no último domingo (17). 

REAÇÕES AO DISCURSO DE BOLSONARO

As declarações de Bolsonaro causaram reação no mundo político e jurídico, com uma série de críticas de autoridades e entidades. Um dia após Bolsonaro apresentar teorias da conspiração sobre urnas eletrônicas a embaixadores, o presidente do STF, Luiz Fux, repudiou tentativas de questionamento do processo eleitoral.

"Em nome do STF, o ministro Fux repudiou que, a cerca de 70 dias das eleições, haja tentativa de se colocar em xeque mediante a comunidade internacional o processo eleitoral e as urnas eletrônicas, que têm garantido a democracia brasileira nas últimas décadas", diz nota divulgada pela assessoria do Supremo, sem citar nominalmente o presidente da República.

A fala de Fux foi feita em reunião por videoconferência com o presidente do TSE, Edson Fachin, que também é integrante do Supremo. Na véspera, o Tribunal Eleitoral já havia rebatido 20 declarações de Bolsonaro.

O presidente em exercício do Superior Tribunal de Justiça (STJ ), ministro Jorge Mussi, também afirmou em nota que tem "plena confiança no processo eleitoral brasileiro e no Tribunal Superior Eleitoral". O mesmo expressou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ao afirmar que "reitera sua confiança no sistema eleitoral brasileiro, na Justiça Eleitoral e no modelo eletrônico de votação adotado em nosso país, reconhecido internacionalmente como eficiente e confiável".

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) reafirmou a "confiança que deposita no funcionamento das urnas eleitorais e, mais ainda, no próprio sistema judiciário eleitoral brasileiro". "O sistema de votação e apuração das eleições hoje vigente é fruto de decisão soberana do povo brasileiro, expressada por meio do Congresso Nacional, e reiteradamente testada, sem vícios. Assim, o atentado em curso ao processo democrático é uma afronta ao país e aos seus cidadãos", disse o órgão, em nota.

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) manifestou apoio ao TSE e destacou que o sistema de voto eletrônico é constante fiscalizado pelo Ministério Público Eleitoral e "jamais teve contra si qualquer comprovação ou sequer indício que sustente dúvida quanto a sua eficiência e lisura. Pelo contrário, o modelo eletrônico brasileiro é, hoje, uma referência internacional".

A associação disse ainda que "os membros do Ministério Público estão prontos para atuar em defesa da Constituição e do Estado de Direito, sobretudo para assegurar a realização do pleito deste ano".

A Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) também manifestou preocupação e defendeu que os agentes públicos devem se comprometer com o resultado das eleições. "A Abradep exorta os agentes públicos a se comprometerem com o resultado das eleições que virão, não fomentando discursos que possam contribuir para uma ruptura democrática", diz o texto. 

A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APFC) e a Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (Fenadepol) manifestaram total confiança no sistema eleitoral brasileiro e nas urnas eletrônicas.

A Polícia Federal é uma das instituições de Estado que tem por atribuição garantir a lisura e segurança das eleições, que desde a redemocratização ocorrem sem qualquer incidente que lance dúvidas sobre sua transparência e efetividade. "É importante reiterar que as urnas eletrônicas e o sistema eletrônico de votação já foram objeto de diversas perícias e apurações por parte da PF e que nenhum indício de ilicitude foi comprovado nas análises técnicas", disseram as entidades, em nota.

Com informações da Folhapress

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