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Publicado em 24 de setembro de 2025 às 17:57
Com a decisão da Justiça pelo afastamento de quatro vereadores da Câmara Municipal da Serra por suspeita de corrupção, a Mesa Diretora, eleita no início do ano para conduzir os trabalhos no Legislativo, foi diretamente afetada. Entre os denunciados pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), três faziam parte da composição, inclusive o presidente. Assim, a partir da sessão desta quarta-feira (24), o comando da Casa de Leis mudou de mãos.>
Um dos afastados, o presidente da Câmara, Saulinho da Academia (PDT), foi substituído por Dr. William Miranda (União), que, de 1º vice-presidente da Mesa, passou a ocupar a presidência em exercício. Já para os trabalhos de Cleber Serrinha (MDB) e Wellington Alemão (Rede), primeiro e segundo secretários, respectivamente, foi designado o vereador Rafael Estrela do Mar (PSDB), que não compunha a Mesa Diretora. Raphaela Moraes (PP), que não foi alvo da Justiça, permanece na função de vice.>
O vereador Teilton Valim (PDT), entre os denunciados pelo MPES, era o único que não fazia parte do comando da Casa. O afastamento dos quatro vereadores não prevê, neste momento, a convocação de suplentes para substitui-los. >
Durante a sessão, o presidente em exercício afirmou que espera que os vereadores afastados possam comprovar sua inocência e retornar logo para o exercício do mandato. Dr William disse também que está à disposição da administração municipal para colocar em votação e aprovar projetos que forem considerados pertinentes para os moradores da Serra. >
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Saulinho da Academia, Cleber Serrinha, Wellington Alemão e Teilton Valim são apontados pelo MPES como integrantes de um esquema de propina, que chegaria a R$ 100 mil, e a Justiça acatou a denúncia contra os quatro por corrupção passiva — crime que se caracteriza quando um agente público solicita, recebe ou aceita promessa de vantagem indevida em razão do cargo. >
A motivação do suposto esquema seria a aprovação de um projeto de lei encaminhado pela prefeitura em 2024. Dois ex-vereadores, Luiz Carlos Moreira, presidente do MDB na Serra, e Aloísio Ferreira Santana, também são citados como mediadores das negociações irregulares e vão responder à ação por corrupção ativa. >
A reportagem de A Gazeta tenta contato com os denunciados e a defesa deles. O espaço segue aberto para manifestações. >
O juiz Gustavo Grillo Ferreira, da 2ª Vara Criminal da Serra, sustenta em sua decisão que os fatos apresentados pelo MPES na denúncia são gravíssimos e estão vinculados, de forma direta, ao exercício do cargo. Por essa razão, o magistrado concluiu pelo afastamento dos vereadores "não só para evitar a reiteração delitiva, como para preservar a ordem pública e a credibilidade da Justiça." >
Na avaliação de Gustavo Grillo, a denúncia apresenta fortes indícios de que as condutas irregulares não iriam parar, caso não houvesse uma medida judicial, como a adotada pelo afastamento, porque são muitas as evidências de que a prática está enraizada no legislativo municipal. >
Gustavo Grillo Ferreira
Juiz da 2ª Vara Criminal da SerraEssa conclusão a que chegou o magistrado foi baseada em captação de áudio atribuída a Saulinho da Academia, conforme transcrito por Gustavo Grillo na sua decisão: >
“O que eu corro atrás aqui é para os vereadores, se eu corro atrás aqui é pra todo mundo”…“Esse empresário, oferecendo a situação para os vereadores e eu comecei a conversar com alguns”...“Moreira, eu fiz um combinado com os vereadores. Eu não vou voltar atrás. O cara deu pra trás. Eu não vou botar projeto, sendo que eu já conversei com alguns, mas, se quiser resolver a situação lá dos cara, eu boto o projeto”…“Mas cadê os cem mil dos caras?”>
Desses trechos de conversa, o juiz disse que não é demais constatar que boa parcela da Câmara "foi cooptada para fins não republicanos, num verdadeiro consórcio criminoso, dando a entender, inclusive, que o denunciado Saulo parece exercer papel central no esquema de favorecimento, até mesmo em razão de ser o presidente da Casa.">
A Justiça determinou o afastamento por tempo indeterminado dos quatro vereadores na terça-feira (23). O juiz Gustavo Grillo acatou denúncia do MPES, após duas tentativas dos parlamentares de formalizar um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) junto ao órgão ministerial. Os pedidos foram negados, o que abriu espaço para a Justiça receber a denúncia de corrupção passiva. >
Na decisão, o magistrado ressalta que a medida é deferida sem prejuízo da remuneração dos vereadores, a não ser que a Câmara delibere de maneira diferente. Durante o afastamento, o juiz Gustavo Grillo aplicou, ainda, as seguintes medidas acessórias:>
A decisão é uma medida cautelar, isto é, preventiva, mas Gustavo Grillo destaca que não configura juízo de condenação ou previsão de culpabilidade definitiva. "Limita-se à proteção do regular desenvolvimento da instrução criminal e ao interesse público em resguardar a higidez do processo legislativo", afirma o magistrado. >
Os vereadores até tentaram um acordo para não ser instaurada a ação penal. Primeiro, diretamente na 8ª promotoria criminal, que ofereceu a denúncia, e, depois, com um pedido de revisão desse posicionamento junto à Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ), que, na última sexta (19), confirmou a posição do MPES no caso. >
A decisão, segundo o órgão ministerial, foi fundamentada no artigo 28-A do Código de Processo Penal, que exige, além dos objetivos, a presença do requisito subjetivo: garantir que o acordo seja suficiente para a reprovação e prevenção do crime cometido. Nesse caso, a procuradoria concluiu que o benefício não seria adequado, diante da gravidade institucional das condutas, da repercussão coletiva e do risco de reincidência.>
"A análise considerou, ainda, fortes indícios de que os fatos denunciados não se configuram como episódio isolado, mas como práticas reiteradas e planejadas, com registros de situações semelhantes no passado e a possibilidade de novas ocorrências", diz o MPES, em nota. >
O caso gira em torno do Projeto de Lei nº 69/2024, enviado pelo então prefeito da Serra, Sergio Vidigal (PDT), à Câmara, com o objetivo regularizar imóveis urbanos de propriedade do município. O foco do projeto era que pessoas com domínio útil de imóveis da prefeitura pudessem legalizar a posse. Embora não esteja implicado de nenhuma forma na denúncia, Vidigal também foi procurado por A Gazeta para se manifestar, mas não houve retorno.>
Antes de ser aprovado, no entanto, o projeto recebeu duas emendas, inseridas por um dos parlamentares, que ampliavam a lista de imóveis que poderiam ser regularizados. >
Luiz Carlos Moreira é citado pelo MPES como um dos principais interessados no andamento da proposta, que chegou a ser conhecida como “Projeto do Moreira”. >
O projeto começou a tramitar na Câmara em 7 de março de 2024. Em 27 de maio, o plenário aprovou, por 18 votos a 4, um pedido da prefeitura para que a matéria tramitasse em regime de urgência. Essa votação durou um minuto. No mesmo dia, o texto foi aprovado por 19 votos a 3, com uma abstenção, em votação que durou quatro minutos.>
Já em 20 de junho de 2024, o próprio prefeito Vidigal enviou mensagem de veto ao projeto, alegando que as emendas anexadas ao texto estavam em desacordo com princípios constitucionais, como a separação de Poderes e a obrigatoriedade de licitação. Entre elas, estava uma emenda atribuída a Wellington Alemão, que, segundo o MPES, estaria ligada à suposta tentativa dos denunciados de obter vantagens indevidas.>
Ainda conforme o MPES, a apresentação das emendas por Alemão, no mesmo dia da votação, teria despertado suspeitas dos outros vereadores. Em uma reunião horas antes da votação, gravada e usada como prova, os vereadores Saulinho e Cleber questionaram o colega sobre a alteração. >
Nos áudios, segundo a denúncia, o grupo discute se deveria votar ou não o projeto e a emenda, manifestando insatisfação com a “vantagem ilícita oferecida”. Em um dos trechos, transcrito fielmente como fala o interlocutor, a voz atribuída a Cleber diz:>
Cleber da Serrinha, de acordo com denúncia do MPES
VereadorPara o MPES, a fala indica que Alemão teria negociado o recebimento de vantagem para ele mesmo ou para o grupo, e que havia interesse em que essa propina fosse dividida preferencialmente em dinheiro. >
Ainda conforme a denúncia, Alemão, considerado o “porta-voz” do empresário Aloísio Santana, que oferecia o pagamento, explicou que a proposta inicial era de R$ 100 mil, mas que havia sido substituída por um terreno de 6.000 metros quadrados na Praia de Carapebus, também na Serra. Essa mudança teria desagradado os demais vereadores. Apesar disso, a emenda foi aprovada. >
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