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O que diz a Justiça sobre cada vereador denunciado por corrupção na Serra

O que diz a Justiça sobre cada vereador denunciado por corrupção na Serra

O juiz Gustavo Grillo Ferreira aponta como seria a participação dos parlamentares em suposto esquema de propina, que também inclui dois ex-vereadores

Publicado em 24 de setembro de 2025 às 16:40

decisão da Justiça que determinou o afastamento de quatro vereadores da Câmara Municipal da Serra, denunciados pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) por corrupção passiva, revela como teria sido a participação de cada parlamentar no suposto esquema de propina estimado em R$ 100 mil. 

Conforme pontua o juiz Gustavo Grillo Ferreira, da 2ª Vara Criminal da Serra, as descrições na ação servem para demonstrar uma base mínima de provas, que o levaram a acatar a denúncia e estabelecer o afastamento como medida cautelar. O magistrado levou em consideração as gravações que comprovariam as negociações irregulares e destacou o que classificou como um "consórcio criminoso" e um "círculo de comparsas". Confira o que disse sobre cada vereador:

Cleber Lima Pereira, o Cleber da Serrinha (MDB): nas falas transcritas, dirige-se ao vereador Wellington cobrando esclarecimentos sobre a emenda e explicitando a pretensão de que “a situação” caia “pra todo mundo”, o que demonstra atuação voltada à distribuição da vantagem entre parlamentares e ciência da existência da contraprestação condicionada à votação.

Saulo Mariano Rodrigues Neves Júnior, o Saulinho da Academia (PDT): o presidente da Câmara, além de intervir nas tratativas e declarar-se responsável por “correr atrás” em benefício de todos os vereadores”, manifesta-se na reunião no sentido de articular a solução com o particular, chegando, inclusive, a propor contato telefônico imediato com o oferecedor da vantagem (indicação de ligar “no viva-voz”) e a afirmar que o tratamento buscado seria “pra todo mundo”. O papel institucional de presidente, somado à dinâmica do diálogo, confere especial gravidade a sua participação.

Valteilton de Freitas Valim, o Teilton Valim (PDT): participou da conversa reconhecendo a existência da negociação, criticando o montante ofertado e cogitando, inclusive, a derrubada do projeto diante da suposta desproporção entre o vulto da matéria e o valor individual ofertado, demonstração, em tese, de conhecimento concreto da contraprestação e da intenção de condicionar o voto à vantagem.

Wellington Batista Guizolfe, o Wellington Alemão (Rede): autor da emenda e elo direto com o particular que ofereceu a vantagem; no diálogo, descreve a proposta (terreno de 6.000 m² ou contraprestação financeira), informa e negocia possibilidades, o que o coloca como núcleo articulador do trato entre particulares e parlamentares.

A reportagem de A Gazeta tenta contato com os denunciados e a defesa deles. O espaço segue aberto para manifestações. 

Os vereadores da Serra Saulinho da Academia (PDT), Cleber Serrinha (MDB), Wellington Alemão (Rede) e Teilton Valim (PDT), denunciados pelo MPES por suposto esquema de propina
Saulinho da Academia, Cleber Serrinha, Wellington Alemão e Teilton Valim foram denunciados pelo MPES Crédito: Acervo pessoal/ Instagram

Para o juiz Gustavo Grillo, os elementos indicados demonstram, "sem a menor complexidade e dúvida, situação em que agentes públicos, valendo-se do exercício de mandato eletivo, condicionam a atividade legislativa — aprovação de projeto de lei/emenda — à obtenção de vantagem indevida." 

Além dos parlamentares, o MPES também aponta para a participação de dois ex-vereadores — Luiz Carlos Moreira, presidente do MDB na Serra, e Aloísio Ferreira Santana — citados como mediadores das negociações irregulares. O juiz acatou a denúncia de corrupção ativa contra ambos e, sobre a participação deles, fez as seguintes considerações:

Luiz Carlos Moreira: é identificado como aquele que formulou a proposta de contraprestação (alternativamente terreno de “6.000 metros” ou quantia – indicada no diálogo como “100”, interpretada na peça acusatória como R$ 100 mil) destinada a influenciar a atuação parlamentar quanto à aprovação da emenda/Projeto de Lei objeto da tratativa. Nos autos há indicação de que Luiz Carlos manteve contatos diretos com o vereador Wellington e com outros parlamentares, participou do ajuste quanto ao montante e à forma de entrega da vantagem e manifestou disposição de viabilizar a concretização do repasse, atuando, assim, como agente ativo da negociação.

Aloísio Ferreira Santana: há indícios de atuação de Aloísio como interlocutor e facilitador da vantagem ofertada. Os elementos constantes dos autos apontam que Aloísio participou das tratativas presenciais/telefônicas que precederam e acompanharam a reunião dos vereadores, atuando como articulador entre o particular ofertante e os parlamentares, sugerindo modalidades de fracionamento e distribuição do benefício e coordenando meios de contato (inclusive no sentido de efetivar comunicação em viva-voz ou encontros presenciais). Os fortes indícios de materialidade e a autoria, nesta fase, encontram lastro nas anotações, gravação e transcrição periciada que registram a sua intervenção nas negociações, circunstância que o situa como coautor/partícipe do ajuste que buscava condicionar a atividade legislativa à obtenção de vantagem indevida.

'Consórcio criminoso'

O juiz Gustavo Grillo sustenta que os fatos apresentados pelo MPES na denúncia são gravíssimos e estão vinculados, de forma direta, ao exercício do cargo. Por essa razão, o magistrado concluiu pelo afastamento dos vereadores "não só para evitar a reiteração delitiva, como para preservar a ordem pública e a credibilidade da Justiça." 

"Essa conclusão deriva do fato de que os áudios demonstram, para além de qualquer dúvida razoável, a antiga e nefasta prática do compadrio político, estando nítido que os parlamentares se associaram para tratar de escusos interesses privados", afirma.

 Na avaliação de Gustavo Grillo, a denúncia apresenta fortes indícios de que as condutas irregulares não iriam parar, caso não houvesse uma medida judicial, como a adotada pelo afastamento, porque são muitas as evidências de que a prática está enraizada no legislativo municipal. 

A bem da verdade, os áudios dão conta da possibilidade, plausível, de haver outros agentes políticos envolvidos, porém não identificados (ainda), podendo dessumir-se que uma significativa parcela dos parlamentares tomaram a casa legislativa local e transformaram a Câmara Municipal de Serra num 'clube de amigos', num verdadeiro 'círculo de comparsas'

Gustavo Grillo Ferreira

Juiz da 2ª Vara Criminal da Serra

Essa conclusão a que chegou o magistrado foi baseada em captação de áudio atribuída a Saulinho da Academia, conforme transcrito por Gustavo Grillo na sua decisão: 

“O que eu corro atrás aqui é para os vereadores, se eu corro atrás aqui é pra todo mundo”…“Esse empresário, oferecendo a situação para os vereadores e eu comecei a conversar com alguns”...“Moreira, eu fiz um combinado com os vereadores. Eu não vou voltar atrás. O cara deu pra trás. Eu não vou botar projeto, sendo que eu já conversei com alguns, mas, se quiser resolver a situação lá dos cara, eu boto o projeto”…“Mas cadê os cem mil dos caras?”

Desses trechos de conversa, o juiz disse que não é demais constatar que boa parcela da Câmara "foi cooptada para fins não republicanos, num verdadeiro consórcio criminoso, dando a entender, inclusive, que o denunciado Saulo parece exercer papel central no esquema de favorecimento, até mesmo em razão de ser o presidente da Casa."

Áudio é usado pelo MPES para denunciar vereadores na Serra por suposto recebimento de propina

Afastamento

A Justiça determinou o afastamento por tempo indeterminado dos quatro vereadores na terça-feira (23). O juiz Gustavo Grillo acatou denúncia do MPES, após duas tentativas dos parlamentares de formalizar um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) junto ao órgão ministerial. Os pedidos foram negados, o que abriu espaço para a Justiça receber a denúncia de corrupção passiva.  

Na decisão, o magistrado ressalta que a medida é deferida sem prejuízo da remuneração dos vereadores, a não ser que a Câmara delibere de maneira diferente. Durante o afastamento, o juiz Gustavo Grillo aplicou, ainda, as seguintes medidas acessórias:

  • proibição de frequentar a sede da Câmara Municipal da Serra e as demais dependências administrativas do Poder Legislativo Municipal;
  • proibição de contato direto ou indireto com os todos os coacusados, bem como com testemunhas arroladas no inquérito/denúncia, salvo quando a comunicação for necessária para o exercício da ampla defesa, mediante prévia autorização da Justiça;
  • proibição de praticar qualquer ato de gestão, ou deliberação em nome da Câmara, ou de utilizar prerrogativas parlamentares que possibilitem a continuidade da execução do alegado ajuste;
  • imediata devolução, se houver, de crachás, senhas, chaves, tokens ou quaisquer elementos de acesso a sistemas operacionais/aplicativos (intranet; sistema legislativo; webmail, dentre outros) que lhes permitam interferir na tramitação de proposições legislativas.

A decisão é uma medida cautelar, isto é, preventiva, mas Gustavo Grillo destaca que não configura juízo de condenação ou previsão de culpabilidade definitiva. "Limita-se à proteção do regular desenvolvimento da instrução criminal e ao interesse público em resguardar a higidez do processo legislativo", afirma o magistrado. 

Ação Penal

Os vereadores até tentaram um acordo para não ser instaurada a ação penal. Primeiro, diretamente na 8ª promotoria criminal, que ofereceu a denúncia, e, depois, com um pedido de revisão desse posicionamento junto à Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ), que, na última sexta (19), confirmou a posição do MPES no caso. 

A decisão, segundo o órgão ministerial, foi fundamentada no artigo 28-A do Código de Processo Penal, que exige, além dos objetivos, a presença do requisito subjetivo: garantir que o acordo seja suficiente para a reprovação e prevenção do crime cometido. Nesse caso, a procuradoria concluiu que o benefício não seria adequado, diante da gravidade institucional das condutas, da repercussão coletiva e do risco de reincidência.

"A análise considerou, ainda, fortes indícios de que os fatos denunciados não se configuram como episódio isolado, mas como práticas reiteradas e planejadas, com registros de situações semelhantes no passado e a possibilidade de novas ocorrências", diz o MPES, em nota. 

Saulinho da Academia, Cleber Serrinha, Wellington Alemão e Teilton Valim são apontados pelo MPES como integrantes de um esquema de propina, que chegaria a R$ 100 mil. A motivação do suposto esquema seria a aprovação de um projeto de lei encaminhado pela prefeitura em 2024. O ex-vereadores Moreira e Aloísio Santana são citados como mediadores das negociações irregulares e vão responder à ação por corrupção ativa.

Recurso

O recurso dos vereadores era uma estratégia já prevista da defesa. O juiz Gustavo Grillo Ferreira deixou de receber a denúncia contra os parlamentares e ex-vereadores no mês passado. Em sua justificativa, pontuou que não a receberia naquele momento porque os investigados não tinham sido notificados formalmente sobre a recusa do MPES em firmar o acordo, o que poderia levar à nulidade do recebimento da denúncia por "falta de interesse de agir".

Conforme esclareceu o magistrado à época, essa notificação era essencial para que os denunciados pudessem exercer seu direito de revisão perante à Procuradoria-Geral de Justiça. 

Por fim, o magistrado ressaltou que os feitos relacionados ao processo ficariam suspensos até o fim do prazo sem manifestação da defesa ou o retorno da deliberação do órgão superior do Ministério Público. Só então seria analisado o recebimento da denúncia, o que foi concluído nesta terça.

Ao se manifestar no processo no dia 20 de agosto, a promotoria da Serra negou a possibilidade de um acordo com os denunciados. 

O pedido para que a promotoria de Justiça avaliasse a possibilidade de um acordo foi feito pelo próprio juiz da 2ª Vara Criminal da Serra. Na resposta, o órgão ministerial afirmou que o acordo não é suficiente para reprovação e prevenção do crime, diante da gravidade dos fatos.

Entre os motivos listados para negar o ANPP está a ausência de “confissão formal” dos denunciados, o que seria um requisito primário para a oferta de acordo. Segundo o MP, Cleber, Saulo, Teilton, Alemão, Luiz Carlos e Aloísio negaram qualquer envolvimento em esquema de corrupção.

Membros da Mesa Diretora denunciados

Com exceção de Teilton, todos os vereadores citados integram a Mesa Diretora da Casa. O pedido de afastamento leva em conta indícios de corrupção passiva — crime que se caracteriza quando um agente público solicita, recebe ou aceita promessa de vantagem indevida em razão do cargo. Segundo a denúncia apresentada à Justiça, anexada ao requerimento, os parlamentares teriam solicitado e aceitado promessa de vantagem indevida no primeiro semestre de 2024. O caso provocou indignação e um protesto na Câmara.

Já os ex-vereadores Moreira e Santana foram denunciados porque teriam intermediado interesses de um empresário para a construção de uma clínica e seriam os responsáveis pela promessa de pagamento. A denúncia contra eles, também aceita pela Justiça, não cita o empresário envolvido no suposto esquema.

A reportagem de A Gazeta entrou em contato com a assessoria da Câmara, que informou que ainda não foi notificada oficialmente sobre a decisão. A reportagem também tenta contato com a defesa dos vereadores citados. O espaço segue aberto para manifestações.

Entenda a denúncia

O caso gira em torno do Projeto de Lei nº 69/2024, enviado pelo então prefeito da Serra, Sergio Vidigal (PDT), à Câmara, com o objetivo regularizar imóveis urbanos de propriedade do município. O foco do projeto era que pessoas com domínio útil de imóveis da prefeitura pudessem legalizar a posse. Embora não esteja implicado de nenhuma forma na denúncia, Vidigal também foi procurado por A Gazeta para se manifestar, mas não houve retorno.

Antes de ser aprovado, no entanto, o projeto recebeu duas emendas, inseridas por um dos parlamentares, que ampliavam a lista de imóveis que poderiam ser regularizados. 

Luiz Carlos Moreira é citado pelo MPES como um dos principais interessados no andamento da proposta, que chegou a ser conhecida como “Projeto do Moreira”. 

Ministério Público denunciou e pediu afastamento de vereadores
Ex-vereador Luiz Carlos Moreira é citado em denúncia Crédito: Reprodução

O projeto começou a tramitar na Câmara em 7 de março de 2024. Em 27 de maio, o plenário aprovou, por 18 votos a 4, um pedido da prefeitura para que a matéria tramitasse em regime de urgência. Essa votação durou um minuto. No mesmo dia, o texto foi aprovado por 19 votos a 3, com uma abstenção, em votação que durou quatro minutos.

Já em 20 de junho de 2024, o próprio prefeito Vidigal enviou mensagem de veto ao projeto, alegando que as emendas anexadas ao texto estavam em desacordo com princípios constitucionais, como a separação de Poderes e a obrigatoriedade de licitação. Entre elas, estava uma emenda atribuída a Wellington Alemão, que, segundo o MPES, estaria ligada à suposta tentativa dos denunciados de obter vantagens indevidas.

Negociação foi gravada

Ainda conforme o MPES, a apresentação das emendas por Alemão, no mesmo dia da votação, teria despertado suspeitas dos outros vereadores. Em uma reunião horas antes da votação, gravada e usada como prova, os vereadores Saulinho e Cleber questionaram o colega sobre a alteração.

Nos áudios, segundo a denúncia, o grupo discute se deveria votar ou não o projeto e a emenda, manifestando insatisfação com a “vantagem ilícita oferecida”. Em um dos trechos, transcrito fielmente como fala o interlocutor, a voz atribuída a Cleber diz:

Você chegou com uma 'emendazinha' aí e a gente tá sabendo o seguinte, e esse mesmo cara que você conversou, que iria dar uma situação para a galera aí, o cara recuou e você meteu uma emenda. Aí a gente quer saber o que que tem nessa emenda aí pros vereador votar não ter problema, mas é o miguelai (sic) cair pra todo mundo.

Cleber da Serrinha, de acordo com denúncia do MPES

Vereador

Para o MPES, a fala indica que Alemão teria negociado o recebimento de vantagem para ele mesmo ou para o grupo, e que havia interesse em que essa propina fosse dividida preferencialmente em dinheiro.

Ainda conforme a denúncia, Alemão, considerado o “porta-voz” do empresário Aloísio Santana, que oferecia o pagamento, explicou que a proposta inicial era de R$ 100 mil, mas que havia sido substituída por um terreno de 6.000 metros quadrados na Praia de Carapebus, também na Serra. Essa mudança teria desagradado os demais vereadores. Apesar disso, a emenda foi aprovada. 

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