Falta de vacinas para a segunda dose é mais um erro inaceitável de gestão

A vacinação é a maior esperança contra a Covid: enquanto o país se prepara para ultrapassar a marca das 400 mil mortes, nem 15% da população brasileira tomou a primeira dose até o momento

Publicado em 28/04/2021 às 02h00
Vacina
Profissional de saúde prepara dose da vacina Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan, antes de aplicar em idoso em um drive-thru. Crédito: MATEUS BONOMI/AGIF/ESTADÃO CONTEÚDO

Não há imunização efetiva sem a aplicação da segunda dose das vacinas utilizadas atualmente no Brasil contra a Covid-19, a Coronavac e a AstraZeneca. E essa complementação vacinal obrigatória tem sido colocada em risco por fatores que se aglutinam e acabam por fragilizar ainda mais o enfrentamento da pandemia, atrasando a formação de uma proteção coletiva.

Não bastasse o abandono vacinal decorrente do descuido pessoal, a situação tem se agravado pela escassez da Coronavac, com o próprio ministro Marcelo Queiroga tendo admitido que o Ministério da Saúde enfrenta dificuldades na distribuição em função dos atrasos na chegada dos insumos para a produção pelo Instituto Butantan.

Assim, há algumas semanas tem se testemunhado a limitação ou a suspensão da imunização por falta de doses em municípios de todo o país. No Espírito Santo, Cachoeiro de Itapemirim suspendeu a segunda aplicação nesta semana, e Vitória e Vila Velha já haviam passado pela situação na semana passada. No total, 26 municípios capixabas enfrentam o problema. É mais uma angústia a ser enfrentada pela população na fila da vacinação, já que a recomendação é de que a segunda dose seja aplicada entre 14 e 28 dias após a primeira. 

 Em 21 de março, o Ministério da Saúde havia mudado a orientação prévia e passou a autorizar que todas as vacinas armazenadas por Estados e municípios para garantir a segunda dose fossem utilizadas na primeira, para acelerar a imunização dos grupos prioritários. Houve a garantia, por parte da pasta, de que não haveria desabastecimento.

A estratégia acabou se mostrando um erro, diante das imprevisibilidades que cercam a produção das vacinas no país desde o início. Mais uma vez, faltou gestão qualificada para evitar o pior cenário. Para um país que sempre foi um exemplo internacional em programas de imunização nacional, é mais uma mácula. 

O ministro da Saúde já havia dado uma má notícia no dia 21, ao anunciar que a previsão para concluir a vacinação contra a Covid-19 dos 29 grupos prioritários passou a ser setembro, um atraso de quatro meses. No Espírito Santo, a mudança de cronograma reduziu o otimismo de o Estado ser um dos primeiros a alcançar a imunidade coletiva.

À desorganização da gestão federal, soma-se a via-crúcis do agendamento nos sites das prefeituras para agravar o quadro de inadimplência com a segunda dose. Não são poucos os relatos de usuários sobre instabilidade no sistema, desaparecimento instantâneo de vagas, sem falar na própria exclusão digital, que contribui para dificultar o acesso. Há prefeituras que afirmam realizar a busca ativa nos grupos a serem vacinados, mas não há garantia.

Existe um anseio para que o agendamento da segunda aplicação seja automático, assim que o cidadão é vacinado pela primeira vez. Essa é uma das recomendações encaminhadas pela Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES)  ao Estado e aos municípios de Vila Velha e Vitória como forma de garantir o acesso dos grupos prioritários pendentes à vacina.

A orientação é localizada, mas é tão óbvia que deveria ter partido de uma estratégia nacional, atrelada à reserva compulsória da segunda dose do antígeno. As arestas no Plano Nacional de Imunização não foram aparadas quando deveriam, com mudanças de percurso que agora geram mais esse caos.

A vacinação é a maior esperança contra a Covid: enquanto o país se prepara para ultrapassar a marca das 400 mil mortes, nem 15% da população brasileira tomou a primeira dose até o momento. A segunda, que deveria ser um alívio, tornou-se um suplício novamente pela má gestão das vacinas, que tem o início de sua trama em 2020, quando o governo federal negligenciou negociações com farmacêuticas. Em outro campo de batalha, trava-se agora a controvérsia da compra das vacinas Covaxin e Sputnik sem autorização da Anvisa.

Enquanto isso, entra em cena a CPI da Covid. O seu relator, o senador Renan Calheiros, já afirmou que na lista de 11 requisições que a comissão fará durante o processo investigatório, a primeira trata do "inteiro teor dos processos administrativos, de contratações e das demais tratativas relacionadas às aquisições de vacinas e insumos, no âmbito do Ministério da Saúde". Ou seja, as derrapadas do governo nesta seara devem ser tratadas como prioridade. 

Na falta de uma vacina para uma gestão mais eficiente da crise sanitária, que a CPI instalada nesta terça-feira (27) seja mais que uma ferramenta política e consiga proteger de alguma forma os brasileiros da incompetência gerencial que domina o país.

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.