Meio ambiente: Bolsonaro põe fogo, enquanto Casagrande age como bombeiro

Presidente não venceu descrédito internacional com promessas feitas na Cúpula do Clima, ao passo que governador do ES é porta-voz de movimento dos  Executivos estaduais que articula acordo com líder norte-americano Joe Biden

Publicado em 23/04/2021 às 02h00
Ricardo Salles e Jair Bolsonaro durante conferência da Cúpula do Clima
Ricardo Salles e Jair Bolsonaro durante conferência da Cúpula do Clima. Crédito: Marcos Corrêa/PR

O presidente Jair Bolsonaro bem que tentou reverter o ceticismo internacional em relação à política ambiental brasileira em seu discurso na Cúpula do Clima, mas não conseguiu. Acuado por líderes globais, substituiu o tom bélico por um mais conciliador e antecipou em 10 anos o prazo para o país zerar as emissões de gases do efeito estufa, mas, com um passado que o condena, desenhou um Brasil para gringo ver, com metas a longo prazo, mas sem projetos imediatos. Esqueceu-se de que os olhos do mundo estão voltados para o país.

O calcanhar de Aquiles do discurso de Bolsonaro é que, contra fatos, não há argumentos. Desde o primeiro ano de seu governo, a política ambiental vem sendo alvo de um processo de desmonte. Não à toa, o país bate recordes atrás de recordes em desmatamento, abre espaço para grilagem e estaciona na demarcação de terras indígenas. O vácuo de gestão deixado por Bolsonaro no setor, manchete em todo o mundo, fez com que o Brasil passasse de protagonista a pária internacional.

Como acontece com o enfrentamento da pandemia, a situação brasileira só não é mais trágica porque há quem trate de apagar incêndios. Um dos brigadistas é o governador do Espírito Santo. Nos dias que antecederam a Cúpula do Clima, Renato Casagrande participou de discussões com países como Argentina, Japão e África do Sul em busca de projetos alinhados ao Acordo de Paris, firmado pelo Brasil em 2015, e foi um dos signatários de uma carta ao presidente dos EUAJoe Biden, com ligados ao clima e à preservação de biomas. Mais do que assumir o protagonismo, os chefes dos Executivos estaduais pedem alinhamento nacional. Acerta Casagrande, porta-voz do grupo, ao afirmar que o tema está “acima de disputas partidárias e ideológicas”.

Bolsonaro, que já culpou ONGs, indígenas, comunidades tradicionais, artistas e qualquer um que não estivesse alinhado à sua ideologia pelos números pífios do Brasil no controle do desmatamento, parece ter entendido, pelo teor do discurso na Cúpula do Clima, que precisa virar o disco. No entanto, dois tópicos foram os principais responsáveis pelo descrédito de líderes políticos, ambientalistas e fundos de investimento às promessas apresentadas pelo presidente: verbas e controle. O chefe do Executivo prometeu o “fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados às ações de fiscalização”, mas o histórico até o momento é vexatório.

O orçamento do Ministério do Meio Ambiente previsto para 2021 é o menor em duas décadas. Segundo o Siga Brasil, ferramenta do Senado Federal para análise das verbas federais, o montante deste ano é quase metade dos R$ 136,5 de 2020. Mesmo que dobre o orçamento total da pasta, o valor chegará a apenas 31% do orçamento de 2019. Sob comando de Ricardo Salles, o ministério estrangulou órgãos como Ibama e ICMBio, com corte de verbas e demissão em série de funcionários de carreira. Neste momento, o Ibama enfrenta paralisação das atividades, devido a uma normativa que engessa a ação dos fiscais.

Bolsonaro ainda inverteu o protocolo dos fóruns climáticos e, em vez de mostrar resultados e depois pedir ajuda internacional, condicionou ações a financiamento externo. No entanto, os maus resultados do Brasil estão mais ligados a falhas na gestão do que à falta de recursos. Quase R$ 3 bilhões do Fundo Amazônia estão congelados desde 2019 devido à dissolução dos conselhos. Até setembro de 2020, o Ministério do Meio Ambiente não havia gasto sequer 1% da verba destinada a programas de preservação naquele ano.

Que desmatamento, efeito estufa e aquecimento global são ameaças à vida na Terra, o mundo civilizado está cansado de saber. Mas cada vez mais a preservação ambiental está ligada à saúde econômica dos países. No mercado global, com protocolos internacionais cada vez mais rígidos, quem tem imagem arranhada em sua agenda verde perde também dinheiro. O soft power brasileiro, que antes se limitava às belezas naturais e a aspectos culturais como o samba e o carnaval e à custa de muito esforço se expandiu para os debates ambientais, não pode ser jogado no ralo do negacionismo. Por isso, a pressão é por um pouco menos de conversa e mais ação. Não é nenhum favor.

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