Professora da Ufes, coordenadora da Cátedra Sérgio Vieira de Mello ACNUR/ONU para refugiados e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ufes e da ANDHEP

É preciso refletir: o que eu fiz para que tantas pessoas morressem?

Atos e omissões têm consequências, entre elas estão as mortes de mais de 280 mil pessoas até hoje no Brasil

Publicado em 17/03/2021 às 02h00
Vitória - ES - Sepultamento de vítima da covid-19 no cemitério Boa Vista, em Maruípe.
Sepultamento de vítima da Covid-19 no cemitério Boa Vista, em Maruípe, no ano passado. Crédito: Vitor Jubini

Nos últimos dias, temos vivenciado um aumento absurdo no número de mortos diariamente pela Covid-19, aqui no Brasil. Saímos de um platô confortável para recordes e recordes de mortes na semana passada. Desde então, Estados da federação foram decretando medidas restritivas ao dia a dia das cidades, para que o afastamento social se imponha e que, assim, o contato entre as pessoas também, reduzindo-se o contágio pelo vírus.

Uma fala que se usava citar no ano passado sobre a pandemia é a de que o vírus atingia todas as pessoas da mesma forma, ou seja, que ele era neutro e atacava da mesma maneira pessoas de todas as classes, raças, gêneros, etnias e opiniões políticas. Isso, hoje, com absoluta certeza, já não pode mais ser dito.

Vamos a alguns exemplos para ilustrar: a Nova Zelândia, país rico do Pacífico Sul, passou praticamente ileso à Covid-19. A Alemanha tem vacina sobrando para vacinar quem quer ser vacinado. Os Estados Unidos irão vacinar todas as pessoas até 18 anos até o verão. Ou seja, países mais ricos do mundo estão vacinando em tempo recorde todos os seus cidadãos, com vacinas fabricadas em seu próprio território, sem ter que esperar na fila a produção e importação de insumos para a produção local. Temos aqui, portanto, uma primeira constatação, países ricos não negacionistas vão sair da crise muito mais rapidamente que os países pobres.

Internamente, vejamos o caso do Brasil, país pobre e sem indústria farmacêutica própria, dependente portanto de pesquisas e tecnologias estrangeiras: aqui, as pessoas que têm plano de saúde conseguem ser atendidas mais rapidamente quando estão com os sintomas da Covid-19 e por isso podem ter seu tratamento iniciado mais rapidamente, evitando-se a morte na maioria dos casos.

Por outro lado, aqueles que dependem do SUS, aguardam por dias o resultado de exames, além da dificuldade maior em encontrar vagas de enfermarias ou de UTI para tratamento. Com relação à vacina, estamos tendo problemas para comprá-las no exterior, pois aqui só é possível fabricá-las a partir de insumo vindo de outros países.

No momento atual em que vivemos no Espírito Santo, sabe-se que também a rede privada de planos de saúde está sobrecarregada e com dificuldades de atender aos seus clientes, todavia, tais contratempos não são da mesma ordem de grandeza observada na rede pública.

A preocupação das autoridades do poder executivo estadual demonstrada durante a entrevista coletiva com a equipe do governador Casagrande na tarde de terça-feira (16) demonstra a dificuldade em prestar um bom, adequado e tempestivo serviço de saúde que salve vidas e não somente declare a morte de seus cidadãos.

Nos últimos dias tem se visto cada vez mais mortes. É preciso falar sobre elas. A morte tem sido companheira constante de várias famílias brasileiras, de Norte a Sul deste país. Quase todos nós aprendemos de um dia para outro quais os documentos necessários para solicitar uma certidão de óbito no cartório de plantão durante os finais de semana. Já temos na cabeça o preço de urnas funerárias, da mais barata à mais cara, e sabemos diferenciar a de madeira de melhor qualidade. Sabemos também das roupas com as quais se enterram os corpos dos nossos amigos e entes queridos, até mesmo que não se enterra ninguém de sapatos!

A morte passou a ser parte da nossa rotina desde março de 2020 e continua mais forte do que nunca, andando por aí acompanhada de novas cepas e sua foice assustadora, ceifando vidas por onde passa. Estamos, mesmo, em um momento em que é preciso aceitar a morte e aprender a conviver com ela. A dor que sentimos da perda de alguém parece que nunca será superada, os dias se passam e sempre nos vêm à memória a imagem, as conversas, os olhares, o jeito de ser daqueles que se foram para sempre.

Perguntamos, porém, se isso tudo poderia ter sido evitado. Será que medidas mais ativas teriam impedido essas mortes? Será que se o governo federal tivesse autorizado a compra das vacinas desde a primeira vez que elas surgiram no mercado nós teríamos menos mortos? Será que se as pessoas tivessem levado a vida mais à sério durante a pandemia nós não teríamos tantos mortos?

Todos atos e omissões têm consequências, entre elas estão as mortes de mais de 280 mil pessoas até hoje no Brasil. É preciso que cada um de nós reflita: o que eu fiz para que tantas pessoas morressem?

*Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta

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