Desafio do novo ministro da Saúde será driblar negacionismo do governo

O cardiologista Marcelo Queiroga é bolsonarista assumido, mas terá de tomar decisões que serão cruciais para reverter o caos instalado no país. O rumo do combate à Covid-19 necessita de nova direção

Publicado em 16/03/2021 às 02h00
Ministro da Saúde
O cardiologista Marcelo Queiroga é o novo ministro da Saúde. Crédito: Geraldo Magela/Agência Senado

Em meio à pandemia que já matou quase 280 mil brasileiros em um ano, o Ministério da Saúde volta a ter mais um protagonismo negativo, numa coleção de reveses que colocaram o Brasil na elite do atraso do combate à Covid-19. Não é hora para eufemismos, o país passa pelo pior momento dessa tragédia sem uma coordenação efetiva no setor prioritário, com o presidente Jair Bolsonaro mais preocupado em combater o incêndio político provocado pela incompetência do general Eduardo Pazuello do que em tomar medidas que de fato reduzam os danos acumulados pela sua própria insistência no negacionismo. 

É inacreditável que ainda falte o mínimo de bom senso para se perceber que o Brasil está na contramão de tudo o que está dando certo ao redor do mundo. O novo ministro já foi escolhido. Espera-se que o bolsonarismo assumido do cardiologista  Marcelo Queiroga não o afaste das decisões que serão cruciais para reverter o caos instalado no país. O rumo do combate à Covid-19 necessita de nova direção.

Pazuello foi o terceiro a reger a Saúde desde o início da crise sanitária. Sucedeu a dois médicos: um Nelson Teich cabisbaixo, que nem assim suportou o peso da ingerência insana de Bolsonaro na pasta, e um Luiz Henrique Mandetta altivo, que encarou o início da pandemia com uma coragem e uma sensatez incompatíveis com o governo do qual fazia parte.

Ao general, o terceiro na linha sucessória pandêmica, coube o "um manda, o outro obedece", papel que ainda cumpre com louvor, acumulando erros de estratégia e falhas de gestão que têm impacto direto no status atual da pandemia no Brasil. Ao perder a oportunidade de negociar as vacinas no segundo semestre do ano passado, o ministro da Saúde conseguiu ofuscar a maior esperança de um retorno à normalidade. Estendeu-se assim a vulnerabilidade da saúde dos brasileiros e prolongou-se a crise econômica em um governo que brada pela defesa da economia sem se atinar que não há bonança se o povo não está seguro e saudável.

Se o atraso inaceitável da vacinação expõe um país refém da falta de gerenciamento da saúde, os problemas adjacentes também se acumulam, com insistências que chegam a ser doentias. Distanciamento social, visto com tanto desdém pelo núcleo duro ideológico do Planalto, é algo que nunca foi praticado pelo presidente. Máscaras são um mero adorno dispensável. E a obsessão com os medicamentos que compõem a panaceia do tratamento precoce, sem nenhuma comprovação científica, só contribui para criar a falsa impressão de que existe algum controle sobre a doença. Enquanto UTIs seguem lotadas, e o país continua batendo recordes diários de mortes.

A demissão de Pazuello vinha sendo ventilada, segundo analistas políticos, para esvaziar a possível instauração de uma CPI da Pandemia no Senado para apurar erros e omissões da gestão do general. E ainda pesa sobre ele o inquérito aberto pela Polícia Federal, por determinação do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), para investigar a conduta do ministro na crise de oxigênio do Amazonas, em janeiro. 

A inversão de valores ficou explícita: a escolha de um ministro médico, alinhado ideologicamente com o Planalto, mas capaz de acalmar as forças políticas insatisfeitas sem ofender a base eleitoral mais radical do presidente tornou-se uma prioridade acima da própria competência. Os requisitos exigidos permanecem equivocados e ganham um peso dramático diante da falta de uma coordenação central.

participação da cardiologista Ludhmila Hajjar nessa encenação foi um episódio lamentável do começo ao fim. Não pela falta de currículo e de experiência da candidata, com posicionamentos firmes e uma clara noção do que deve ser feito para começar a colocar a gestão da pandemia nos eixos. Mas pelo circo de horrores armado, com direito a reunião na presença do ministro demissionário e a mobilização da turba ideológica na internet, para inviabilizar de vez o ingresso de uma profissional que preza a ciência em um governo assumidamente negacionista.

Foi triste ver uma médica séria, jogada aos leões com tanta voracidade. Tão desanimador quanto assistir a uma profissional gabaritada ser levada a um nível tão alto de descrédito por seu compromisso com a saúde é constatar o nível de desumanidade provocado pela cegueira coletiva causada pela politização da pandemia. Aqui no Espírito Santo, a carreata que parou em frente à residência da mãe do governador Renato Casagrande para atacá-lo é um espelho dessa falta de sensibilidade que toma conta de alguns setores no país. É reflexo da falta de diálogo e de racionalidade. 

Basta olhar ao redor para se constatar os estragos da omissão até aqui. O novo ministro Marcelo Queiroga tem bagagem, é presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia. De perfil técnico, espera-se que abra o diálogo com seus pares e que se guie por orientações e protocolos que sejam consenso na comunidade médica e científica. Já se posicionou na defesa da tradição do país em programas de vacinação e rejeitou o tratamento precoce. O novo ministro deve estar preparado, contudo, para enfrentar a pandemia da insensatez, no seu epicentro. E não se tornar mais um na fila dos insensatos.

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