Publicado em 10 de outubro de 2020 às 06:00
Homem, branco, casado, 51 anos, com ensino superior completo e empresário. Essas são as características que mais se repetem entre os 374 candidatos a prefeito nas eleições deste ano no Espírito Santo. O perfil médio dos concorrentes representa um padrão na política brasileira, mas que está bem distante da população. >
Em 2016, as mesmas características foram identificadas entre aqueles que disputavam as prefeituras no Estado. Em relação ao último pleito, houve um crescimento de candidaturas negras e de mulheres, mas ainda insuficiente para mudar a representação de grupos tradicionais na política. >
Na avaliação de especialistas, um cenário mais diverso deve ser observado a longo prazo. No entanto, a mudança precisa começar dentro dos próprios partidos.>
Para encontrar o perfil médio candidato a prefeito no Estado, A Gazeta realizou um recorte de gênero, raça, faixa etária, escolaridade, profissão e estado civil do total de postulantes ao Executivo nas 78 prefeituras. O levantamento foi feito com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acessados às 13h de terça-feira (6). Os números ainda podem ter alterações, com a atualização dos dados pelo órgão ou até com indeferimento e renúncia de candidatos. >
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Dos 374 candidatos a prefeito em 2020, 88,5% são homens e 70% são brancos. Chama a atenção ainda que 60% deles possuem ensino superior, ou seja, cursaram uma faculdade. Apesar da diversidade de profissões, a mais comum é a de empresário, ocupada por 12% dos concorrentes. Além disso, 73% deles são casados. >
A predominância de homens brancos, de classe mais alta e idade avançada no caso dos candidatos a prefeito a média é de 51 anos não é exclusiva à política capixaba. De acordo com o cientista político e professor da UERJ Maurício Santoro, o perfil é recorrente no país, principalmente em cargos de poder.>
É um espelhamento da elite brasileira, das pessoas que ocupam os espaços de poder. E isso não é novo e nem acontece só no Executivo municipal, mas também nos Estados com governadores, na esfera federal com o presidente e também no Senado, afirma.>
Esse retrato, no entanto, é bem diferente do perfil do eleitor capixaba, em sua maioria formado por mulheres, negros, com menos de 49 anos e baixa escolaridade. São grupos que, na avaliação da professora do Instituto de Ciência Política da UNB Danusa Marques, estão historicamente sub-representados no pleito por serem preteridos pelos partidos.>
Danusa Marques
Cientista políticaGrande parte dos dirigentes são homens, brancos, com influência, que acabam por reproduzir esse padrão na hora de recrutar candidatos que eles julgam mais competitivos, afirma. >
Dados do IBGE mostram que 62% da população do Espírito Santo é composta por negros (pretos e pardos, de acordo com a classificação). Mas em 2020, eles representam apenas 29% dos candidatos a prefeito. Essa sub-representação também pode ser verificada em relação às mulheres. Elas correspondem a 11,5% das candidaturas para o cargo majoritário, mas são 52% dos capixabas. >
São marcas estruturais da história do país que não integrou negros após a abolição da escravatura e que, desde a colonização, impôs às mulheres uma condição subalterna, seja por um reforço ideológico cultural e pela divisão do trabalho, seja pela violência, explica a socióloga e professora da Ufes Lívia Moraes.>
A manutenção de um grupo homogêneo na política capixaba não apresenta vantagens para o eleitor, segundo Santoro. A falta de diversidade nas urnas dificulta a pluralização de ideias e consequentemente a elaboração de políticas públicas que atendam toda a população. >
Maurício Santoro
Cientista políticoPara ele, mudar esse cenário, hoje dominado por homens brancos empresários, demanda tempo e comprometimento dos partidos e da sociedade. Sartoro, contudo, é otimista quanto a isso. >
Dados recentes do TSE apontam para um cenário mais diverso no futuro, com transformações que já começaram pelos cargos nos Legislativos. Este ano, o número de candidatas mulheres é 38% maior do que na última eleição. No caso dos negros, o aumento foi de 25%.>
A gente está começando pela base, pelas candidaturas a vereador, deputado, e vai caminhando até conseguir chegar ao topo, nos cargos majoritários de prefeito, governador, presidente. Eu diria que hoje estamos na fase inicial desse processo. Temos muitas mudanças positivas ocorrendo, mas o impacto é a longo prazo, ressalta.>
Apesar de não serem a única solução, as políticas afirmativas se mostram necessárias nesse processo, na visão da socióloga Lívia Moraes. Nos últimos anos, a cota de gênero, que determina que as vagas sejam ocupadas por cada gênero nas proporções de 30% e 70%, tem levado ao aumento de mulheres no pleito. >
Esse crescimento também é observado na quantidade de candidatos negros, que são maioria em 2020. O número deve ser maior nos próximos pleitos, com a criação da cota financeira racial este ano. A medida determina distribuição do dinheiro do fundo eleitoral de forma proporcional à quantidade de candidaturas negras, e visa ampliar a competitividade desses candidatos.>
Lívia Moraes
SociólogaA socióloga ressalta, contudo, que é necessário o comprometimento dos partidos e principalmente fiscalização na execução destas políticas. Já que muitas dessas ações têm sido usadas de forma fraudulenta, como ocorreu com as candidaturas de mulheres laranjas. >
Ainda que muito necessárias, não bastam políticas de reparação que estabelecem cotas de gênero e raça para eleições, quando não há, por um lado, algum tipo de fiscalização de como isso tem se dado no interior dos partidos, finalizou. >
O retrato dos concorrentes ao pleito de 2020 muda consideravelmente quando se analisa as candidaturas a vereador. Enquanto o perfil médio dos candidatos a prefeito é um espelho da elite brasileira, o dos candidatos às Câmaras municipais está mais próximo do eleitor capixaba: são negros, mais jovens e com um nível de escolaridade mais baixo. >
Dos mais de 11 mil concorrentes a uma cadeira no Legislativo municipal no Espírito Santo, 54% são pretos ou pardos e 40% têm o ensino médio completo. Apenas 20% cursaram uma faculdade. >
A profissão mais comum é a de agricultor. Ela é ocupada por 8% dos candidatos. Já os empresários, profissão mais comum entre os postulantes a prefeito, são 5% dos concorrentes. Além disso, a média de idade é menor entre os que buscam o cargo de vereador: 46 anos.>
Essa diferença de perfil nas candidaturas proporcionais, para vereador, e majoritárias, para prefeito, é explicada pela professora do Instituto de Ciência Política da UNB, Danusa Marques. De acordo com ela, na disputa para o Legislativo há mais assentos disponíveis, o que permite mais diversidade nas características dos candidatos. >
Danusa Marques
Cientista políticaMas quando tem só uma cadeira na disputa, que é o caso da eleição para prefeito, governador ou presidente, o partido tem que escolher uma candidatura competitiva e apostar todos os recursos nela. Isso acaba privilegiando homens brancos de classe alta, que é o padrão de sucesso político brasileiro, bem diferente do perfil da população brasileira, completa.>
Apesar dos homens ainda serem a maioria, tanto em candidaturas majoritárias quanto proporcionais, as mulheres têm mais espaço no Legislativo. Elas são 34% das candidatas a vereadora este ano. Já na disputa para as prefeituras, elas representam apenas 11,5%. >
Na visão do cientista político Maurício Santoro, os dados refletem um preconceito estrutural na sociedade: quanto menos poder um cargo representa, maior é a abertura para minorias.>
Há, sem dúvidas, mais facilidade de acesso das mulheres a cargos de vereador e até mesmo para compor chapas de vice. E isso é explicado pela ideia que a sociedade tem do papel da mulher, de cuidar, apoiar. Os partidos até abrem espaço para as mulheres, mas desde que não seja para ocupar posições de comando, finaliza.>
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