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585 mil famílias no ES ficam sem auxílio emergencial em plena pandemia

585 mil famílias no ES ficam sem auxílio emergencial em plena pandemia

A maioria dos informais e desempregados recebeu a última parcela do benefício. Até o momento, não há indicação de que haverá novo auxílio em 2021 ou lançamento de um novo programa social

Publicado em 29 de dezembro de 2020 às 15:12

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Auxílio Emergencial
Mary Hellen Soares de Souza, 20 anos, doceira. Conseguiu montar um negócio de doces com a grana do auxílio. Ela é mãe de duas crianças, uma de três e outra de um ano e meio. . (Vitor Jubini)

A virada de ano tem significado único para cada pessoa. Para muitos, o sentimento é de renovação. Mas, em 2021, particularmente, o dia 1º janeiro deve ter peso diferente das datas anteriores. Terá acabado, então, o estado de calamidade pública instalado em função da crise provocada pelo novo coronavírus, e, com isso, cessam diversas medidas implementadas pelo governo para apoiar empresas e a população em geral.

Uma delas é o auxílio emergencial – lançado em abril deste ano para ajudar trabalhadores autônomos e desempregados afetados pela pandemia –, que chegou a ser a única renda de 71,4 mil capixabas, conforme dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em agosto.

O dinheiro, para alguns, trouxe oportunidades de negócios. É o caso de Mary Hellen Soares de Souza, 20 anos, moradora de São Pedro, em Vitória, que montou uma pequena atividade produtiva com a grana do auxílio. Além de ajudar nas contas da casa, o benefício foi utilizado para a compra de ingredientes para doces, que são vendidos nas ruas e na internet.

Mãe de dois filhos, uma menina de três anos, e um menino de um ano e meio, ela conta que estava desempregada, e precisava manter a casa. “Eu queria fazer alguma coisa, e quando veio o auxílio, comecei a comprar alguns ingredientes. Eu sei administrar bem o dinheiro, e deu certo.”

Em novembro, em 585 mil domicílios do Estado, ao menos um morador recebeu a ajuda do governo federal, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Isto é, a partir de janeiro, quase 600 mil famílias ficarão desamparadas, muito embora a pandemia continue a avançar. Nesta segunda-feira (28), o Espírito Santo registrou número recorde de casos de Covid-19 desde o início da pandemia. No total, 3.517 pessoas testaram positivo para a doença, segundo o Painel Covid-19, atualizado diariamente pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa).

O painel também registrou na data o segundo maior número de mortes por dia, com 55 óbitos por conta do novo coronavírus. Número que só não é maior que o registrado no dia 22 de junho, quando o Estado registrou que 59 pessoas perderam a vida.

Com o avanço da doença, tendem-se a aumentar as restrições. No momento, oito municípios do Estado já se encontram, novamente, em risco alto de transmissão da doença, e, devem se adequar a medidas como: fechamento de bares, parques e unidades de conservação ambiental, além de restrições no funcionamento de estabelecimentos comerciais e restaurantes. As aulas presenciais de qualquer nível de ensino também ficam suspensas.

Com as limitações, tende a haver uma desaceleração no número de contratações, ou mesmo diminuição na procura por emprego em função da própria doença.

Ainda assim, por questões orçamentárias, o pagamento do auxílio, cuja última parcela foi creditada nesta terça-feira (29) na poupança do Caixa Tem de mais de  3 milhões de brasileiros, não deve ser prorrogado.

O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, já declarou que não há espaço para tanto. De acordo com o Ministério da Cidadania, em 2021, só serão efetuados pagamentos resultantes de contestações administrativas e extrajudiciais e de decisões judiciais.

Para contornar parte do problema, o governo chegou a aventar, ao longo dos meses, a possibilidade de um novo programa social, que ganhou nomes como Renda Brasil e Renda Cidadã. Contudo, pela falta de uma fonte de financiamento que não quebre o teto de gastos, nenhuma das alternativas vingou até o momento.

Diante disto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem reafirmado que o governo vai continuar com o Bolsa Família se não encontrar espaço fiscal para criar um novo programa social.

A medida também havia sido apontada pelo secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, em entrevista à Gazeta no início de dezembro.

"Temos uma política social de aterrissagem para o ano que vem que é a expansão do Bolsa Família. O programa inclusive já teve o orçamento ampliado, de R$ 29 bilhões para mais de R$ 34 bilhões. É um aumento considerável, de cerca de 17%. E é um desenho que comporta essa transição – do auxílio de R$ 600 de abril a setembro, de R$ 300 dali a dezembro, até os R$ 190 mensais, aproximadamente, do Bolsa Família. Mais famílias na linha da pobreza vão conseguir entrar”, destacou Funchal na época.

Ocorre, porém, que a expansão não contemplaria todas as famílias que recebem o auxílio atualmente. Mesmo com o incremento, o orçamento destinado ao Bolsa Família não chega nem perto do montante destinado ao auxílio emergencial desde abril. O benefício socorreu 68 milhões de cidadãos diretamente, totalizando um gasto público de mais R$ 300 bilhões em pagamentos.

O economista Eduardo Araújo, membro do Conselho Federal de Economia (Cofecon) destaca que a expansão do programa tem seus efeitos positivos, ainda que não contornem todo o problema. Para muitos grupos, a súbita perda de renda deve ter um impacto muito grande.

“Quem trabalhava informalmente deve ficar em uma situação um pouco pior que antes da pandemia. A atividade econômica ainda não está totalmente recuperada e a renda deve ser comprometida. Os desempregados também devem sentir as perdas, embora, a depender do tempo de desemprego, possa haver alguma quantia remanescente. O fato é que deve haver uma forte pressão nos sistemas de assistência social dos municípios.”

Ele chama a atenção, por exemplo, para o fato de que, graças ao auxílio, uma parcela da população saiu da situação de extrema pobreza. O fim da ajuda, porém, deve levar parte desse grupo de volta à situação anterior.

A súbita redução de renda das famílias só seria suavizada se o mercado de trabalho já estivesse suficientemente fortalecido. O cenário atual, segundo o diretor de Integração e Projetos Especiais do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), Pablo Lira, é preocupante.

“Esse foi um dos poucos pontos que o governo federal acertou nesse período de pandemia. E é preocupante descontinuar o auxílio no atual estágio que estamos vivendo, no segundo pico da pandemia no Brasil, com o crescimento de casos e da média móvel de óbitos.”

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É um momento que requer uma atenção tanto na perspectiva sanitária, da saúde – em que o governo federal tem deixado muito a desejar, vide a corrida da vacina, em que tem ficado para trás por causa de debates ideológicos desnecessários –, quanto na questão econômica. Países com uma economia que nem se equipara à brasileira, já estão vacinando. E quanto demorarmos, mais vamos sentir os efeitos da crise

Pablo Lira
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Lira reforça que o recurso contribuiu fortemente para a manutenção da renda das famílias mais vulneráveis, inclusive tirando muitas da linha de pobreza. Não à toa, o benefício impulsionou segmentos como o comércio, por exemplo, e evitou que a recessão fosse ainda mais profunda.

‘A gente sabe que os recursos são finitos, mas vivemos um momento de preocupação. Vivemos um novo pico da doença, e devemos iniciar o ano de 2021 com tendência de aumentos de casos. O governo federal deveria buscar uma forma de manter algum tipo de auxílio.”

Para a economista Arilda Teixeira, professora da Fucape, o governo federal fez o correto com a ajuda emergencial, mas o benefício não pode se estender indefinidamente, pois não há mais espaço em caixa.

“Se olharmos puramente a questão econômica, não tem mais dinheiro. A gente tem que pensar, para a frente, alternativas para compensar essa retirada, mas não é possível estender o auxílio.”

O amparo maior à população, de acordo com a economista, deve vir da criação de empregos, que, realmente, está ligada à imunização da população contra o novo coronavírus, de modo a permitir um crescimento mais sustentável da economia, com menos espaço para incertezas.

"Os impactos sociais ainda vamos ver. Vai depender dos projetos do governo nesse sentido: qualidade da educação, dos serviços de saúde pública, que são fundamentais para que as pessoas tenham condições de buscar emprego."

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