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Por que sucesso da faixa de pedestre em Jardim da Penha não se espalha?

Por que sucesso da faixa de pedestre em Jardim da Penha não se espalha?

Saiba como bairro de Vitória virou símbolo do respeito ao direito do pedestre em atravessar com segurança

Publicado em 1 de julho de 2023 às 08:10

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Se há um bairro onde o respeito à travessia dos pedestres na faixa é tradição é em Jardim da Penha, em Vitória. Em qualquer hora do dia, seja empurrando um carrinho de bebê, passeando com o cachorro, carregando compras, seja passando de bicicleta, uma coisa é fato: é só sair da calçada em direção a uma faixa de pedestre que os carros param para dar passagem.

Mesmo sendo o esperado e indicado pelas regras de trânsito, o respeito ao pedestre é um elemento que distingue Jardim da Penha de outros bairros da cidade, inclusive dos vizinhos Mata da Praia e Praia do Canto.

Tanto é que, muitas vezes, o comportamento do motorista muda ao passar no bairro. Ele pode não ser de lá, mas sabe que, ao entrar em Jardim da Penha, parar na faixa, principalmente nas praças, é regra.

Mas por que essa atitude não se repete em outros locais? Um dos motivos pode ser a falta de campanhas e do engajamento da própria comunidade, visto que a tradição do uso da faixa de pedestres é fruto de uma ação iniciada há mais de 20 anos pela Associação de Moradores de Jardim da Penha (Amjap) e abraçada pelos moradores.

O atual coordenador geral da Amjap, Angelo Delcaro, conta que era criança na década de 1990 quando a campanha de conscientização foi iniciada. E lembra que foi feito um trabalho nas escolas do bairro em prol do respeito à faixa de pedestres.

O objetivo era levar informação para as crianças, para repassarem para os pais em casa. E, no futuro, as crianças também iam se tornar motoristas. O cuidado com o grande número de moradores idosos no bairro também foi outra motivação para incentivar a educação do uso da faixa, para garantir a segurança dos que trafegam a pé.

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Naquela época, as crianças iam para as praças e faziam panfletagem. Hoje, as crianças daquela época já são motoristas e talvez isso explique por que a ideia não se apaga. É como se o bairro tivesse uma regra. Quando, às vezes, não há respeito à faixa, o motorista não é do bairro

Angelo Delcaro
Coordenador geral da Associação de Moradores de Jardim da Penha
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Ele lembra que o bairro é formado por quatro grandes praças que formam um quadrado. E ressalta que essas praças foram pensadas para dar circulação ao bairro, além de serem locais de lazer a socialização, já que, na formação do bairro, os prédios não contavam com áreas de lazer.

Formato viário do bairro favorece

A questão da geometria do bairro com as avenidas interligadas pelas praças e um modelo sem semáforos também foi um ponto destacado pelo coordenador dos cursos de Engenharia da Multivix Vitória, Adan Lucio Pereira. 

"A facilidade de circular no bairro evita o congestionamento, e o fato de não ter semáforos faz o pedestre conseguir  circular facilmente. Além disso, a faixa de pedestres funciona porque, pelo modelo viário, aumenta a percepção do condutor que passa pelas pracinhas, onde a preferência acaba sendo do pedestre. E o motorista consegue chegar de forma mais fácil de uma praça e ir para outra de forma livre", frisou o professor.

Para ele, esse modelo de trânsito do bairro — sem semáforos e com deslocamento facilitado e contínuo entre as praças, ruas e avenidas, podendo entrar e sair por diversos pontos — é o esperado para o futuro com o avanço das cidades inteligentes e sistemas de Inteligência Artificial (IA).

"Apesar da brincadeira que muitos fazem, de o bairro ser um labirinto, há vantagem, porque o motorista consegue sair de um ponto a outro por essas transversais. Esse é um modelo que permite ter facilidade ao transitar, mantendo a velocidade e ganhando tempo nos demais acessos, conseguindo cortar o bairro inteiro, sem ser interrompido pelo semáforo que, muitas vezes, trava o trânsito em alguns pontos da cidade", detalha.

Moradores têm confiança ao atravessar

O resultado das ações é a confiança que moradores de Jardim da Penha dizem sentir ao andar a pé pelo bairro e fazer a travessia na faixa. É o caso de Noemy Gasteliturre Perlingeiro e Paulo Moraes. 

"Por incrível que pareça, em Jardim da Penha, a faixa de pedestres é muito respeitada. Tem motorista que acho que não é do bairro e costuma parar quase em cima da gente. Quem é normalmente respeita a faixa", disse Paulo.

Noemy fala que mora há 16 anos no bairro e vê muito respeito pelos motoristas aos pedestres. “Na faixa, eu acho mais confortável e fico mais confiante. É claro que, antes de atravessar, eu sempre paro e olho. Se vier algum com velocidade, maior eu paro um pouquinho, porque sei que tenho meus direitos e deveres”, ressalta Noemy.

Pedestre atravessando a faixa no bairro Jardim Da Penha, em Vitória(Ricardo Medeiros)

Direitos no trânsito

O respeito e a prioridade ao pedestre é regra do Código de Trânsito e consta dos artigos 68 a 71, que fala dos direitos e deveres. O advogado, professor e mestrando em Direito Processual na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Lorenzo Mill destacou que a norma diz que o pedestre tem que ser alvo de cuidado por parte dos demais usuários de veículos automotores.

Mill detalha que, onde existe sinal luminoso para veículo e pedestre, ambos vão ter de respeitar os sinais. E, quando não houver, o pedestre tem prioridade. "Outro ponto interessante é que, mesmo que houver mudança no semáforo e o pedestre estiver na travessia, o veículo é obrigado a esperar o término da passagem para seguir", frisa.

Mas também há deveres a serem seguidos pelos pedestres. A legislação determina que, se existir faixa de pedestre em um espaço de 50 metros da pessoa, ela é obrigada a usar a faixa.

Sobre o caso de Jardim da Penha, ele também considera que a formação viária do bairro com as praças e muito foco no comércio de rua e feiras favorece a circulação dos pedestres e, por ter muita gente circulando, o espaço prioritário acaba sendo do pedestre.

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Em Jardim da Penha, o número de moradores idosos é grande. Então, é um crime de trânsito não dar preferência de passagem para o idoso, mesmo que seja fora da faixa

Lorenzo Mill
Advogado e professor de Direito
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Outra característica do bairro lembrada pelo professor Mill é que alguns pedestres chegam a indicar com a mão a intenção de passar pela faixa. Ele lembra que, há alguns anos, uma campanha incentivou o gesto, o que passou também a ser adotado no bairro, mas o movimento da mão acabou não emplacando como regra do Código de Trânsito.

"Mesmo sem ter virado regra, sou favorável que o pedestre estique o braço e sinalize a passagem. Quando algo é transformado em costume, há uma força reguladora muito grande na sociedade", defende.

Faixas elevadas

O secretário de Transportes, Trânsito e Infraestrutura Urbana, Alex Mariano, destaca que a participação da comunidade é um dos fatores do sucesso das ações de proteção ao trânsito de Jardim da Penha, realizadas pela prefeitura há muitos anos.

E destaca que o trabalho tem sido de expandir o uso e respeito à faixa pelos bairros. E uma das maneiras de incentivar isso é com a implantação das faixas elevadas.

Pedestre atravessando a faixa no bairro Jardim Da Penha, em Vitória
Pedestre atravessando a faixa no bairro Jardim Da Penha, em Vitória. (Ricardo Medeiros)

“Um dos locais que identificamos que precisava de intervenção era a faixa que fica antes da ponte da Ilha do Frade, onde passa muita gente de bicicleta e pedestres. Lá instalamos uma faixa elevada”, lembra.

Segundo Mariano, já foram implantadas 16 faixas elevadas na cidade e serão feitas mais seis, próximas a escolas em Jardim Camburi, Jardim da Penha, Ilha de Santa Maria, Bento Ferreira e outros.

“Outra ação será implantar redutores de velocidade, os quebra-molas, antes da faixa onde não é possível instalar as elevadas”, disse.

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