Blitz da Lei Seca em Viana: em média 150 motoristas se recusam a fazer o bafômetro por operação
Blitz da Lei Seca em Viana: em média 150 motoristas se recusam a fazer o bafômetro por operação. Crédito: Carlos Alberto Silva

15 anos da Lei Seca: 10 multas por dirigir embriagado a cada dia no ES

Mesmo com rigor da legislação, que completa 15 anos nesta segunda-feira (19), o saldo assusta: mais de 50 mil pessoas foram autuadas no Estado no período. Sem contar quem escapa da fiscalização

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Em outubro de 2012, a professora de educação infantil Isabela Santana recebeu uma ligação informando sobre um acidente de trânsito envolvendo os pais. Em um primeiro momento, ela pensou que não fosse algo sério, mas, ao chegar ao local, descobriu que a mãe, Maria Santana, e dois vizinhos haviam morrido. Um motorista embriagado entrou na contramão e atingiu o veículo.

“A minha mãe morreu e nossa vida se transformou. Além da falta que ela faz, meu pai não conseguiu mais trabalhar por causa das sequelas do acidente. Meu irmão do meio passou a ser o sustento da família toda”, desabafa Isabela. 

Isabela Santana, Paulo Sérgio (pai de Isabela) e o irmão. Eles Maria, mãe de Isabela, morreu em um acidente que o motorista estava alcolizado e entrou na contramão.
Isabela com o pai Sérgio e o irmão dela: luto por Maria Santana. Crédito: Vitor Jubini

Tragédias como a que abateu a família da educadora, infelizmente, são constantes. Todos os dias, motoristas assumem o risco de dirigir após beber no Espírito Santo. Mesmo após 15 anos de Lei Seca, completados nesta segunda-feira, 19 de junho, o saldo assusta: mais de 50 mil pessoas foram autuadas no Estado por embriaguez ao volante no período — uma média de 10 por dia, sem contar os infratores que escaparam da fiscalização. 

O Batalhão de Trânsito da Polícia Militar (BPTran) registrou 47.851 autuações de motoristas embriagados, incluindo os que se recusaram a fazer o teste do bafômetro, nos últimos 15 anos. Já a Polícia Rodoviária Federal (PRF) contabilizou outras 6.512 ocorrências por embriaguez ao volante no mesmo período, nas rodovias federais que cortam o Estado.

Faixa Lei Seca 15 anos

Desde sua implementação, a Lei Seca foi aprimorada quatro vezes — em 2012, 2016, 2018 e 2020 — para tornar mais rígida a punição para aqueles que insistem em beber e dirigir. Mas mesmo com essas mudanças, o Espírito Santo segue em posição alta em relação a problemas no trânsito devido ao álcool.

De 2010 a 2020, por exemplo, o Estado ficou entre os que mais registraram mortes pela direção sob efeito de bebidas alcoólicas. Apesar de envolver outros males gerados pela bebida, os acidentes de trânsito lideraram a lista de causas, respondendo por 16,7% das mortes.

Apenas em 2020, o uso de drogas estava envolvido em 48% das fatalidades em acidentes de trânsito no Espírito Santo, segundo o Laboratório de Toxicologia Forense da Polícia Civil. A porcentagem corresponde ao álcool, cocaína, anfetamina ou maconha em 304 pessoas autopsiadas das 635 vítimas registradas. O dado, no entanto, não especifica se os mortos também foram quem causaram os acidentes.

48% das fatalidades

em acidentes de trânsito no Espírito Santo envolviam álcool e outras substâncias como cacaína e anfetamina, segundo o Laboratório de Toxicologia Forense da Polícia Civil

Os números são elevados, já que a Lei Seca proíbe o consumo de qualquer quantidade de álcool antes de dirigir, mas os registros oficiais são apenas parte da realidade das ruas e estradas capixabas. As blitze são esporádicas, não acontecem em todos os lugares e, na avaliação de especialistas, deveriam ser mais constantes. 

O delegado Maurício Gonçalves, titular da unidade especializada em Delitos de Trânsito, aponta que apesar de não representar a maioria das ocorrências de trânsito, o consumo de álcool é o que reflete maior gravidade. 

Maurício Gonçalves

Delegado 

"Todas as grandes tragédias em acidente de trânsito que a gente registrou nos últimos anos tinham como elemento o uso de álcool ou entorpecentes"

Para quem atua na área, o entendimento é que o poder público falha quando permite que motoristas continuem circulando pelas ruas e avenidas sob efeito de álcool, provocando tragédias diariamente no Espírito Santo e no país. 

Presidente da ONG Trânsito Amigo e idealizador da Lei Seca, Fernando Diniz avalia que é preciso um tripé para tornar o trânsito brasileiro mais seguro: legislação, fiscalização e justiça. Ele acredita que, no caso das leis, talvez haja a necessidade de ajustar uma ou outra. O problema maior estaria nas outras duas "pernas". 

"Se as três não estiverem bem equilibradas, não vai funcionar. Lei, a gente tem. Fiscalização dá até para aumentar, colocar mais agentes. Mas a Justiça, esta é impiedosa, não tem pena das vítimas", opina.

Antes de ser um militante da causa, Diniz é pai de Fabrício Diniz, falecido aos 20 anos em 2003 em um acidente de trânsito no Rio de Janeiro.  

Fernando Diniz

Presidente da ONG Trânsito Amigo

"Meu filho faleceu no local do acidente com duas amigas, mas é a família que sofre pelo resto da vida e não entra nas estatísticas. Carregamos esse fardo. Eu sempre dizia em audiências públicas: 'será que cada cidadão brasileiro vai precisar passar pela dor extrema que é a perda de um filho para aplicar o rigor da lei aos réus?' Mas eu jamais desejaria isso a qualquer um, é uma dor indescritível"
Fernando Diniz, presidente da ONG Trânsito Amigo: filho morreu em 2003
Diniz, presidente da ONG Trânsito Amigo: filho morreu em 2003. Crédito: Trânsito Amigo/ Divulgação

O senador capixaba Fabiano Contarato (PT), que por anos esteve à frente da Delegacia de Delitos de Trânsito no Estado, tem como uma de suas bandeiras no Congresso Nacional aprimorar a legislação na área. Ele concorda que a fiscalização é uma das bases para garantir que pessoas alcoolizadas não dirijam e também aponta a demora na tramitação dos processos judiciais como problema. 

Fabiano Contarato

Senador e ex-delegado de Delitos de Trânsito do Espírito Santo

"Com blitz, o motorista vai pensar três vezes antes de sair de casa para beber. Mas, hoje, praticamente não se vê fiscalização, e não é só no Espírito Santo, é uma triste realidade no Brasil. O Estado era referência, com a campanha Madrugada Viva, mas não se tem mais a proporção de fiscalização de antes", observa. "

Contarato diz que, pelo senso comum, muitas vezes a população critica a legislação, mas a lei não dá permissão para que os processos se arrastem. Existe prazo para o delegado se manifestar, para o Ministério Público, para toda a instrução processual. Mesmo com a excepcionalidade de mais tempo para o Judiciário se posicionar, a pedido do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sob a justificativa de grande volume de processos e poucos magistrados, o julgamento de motoristas que cometem crime de trânsito deveria ser mais rápido. 

"Se somar os prazos para todo o rito, desde a prisão até a sentença, não passa de seis meses. Mesmo se colocar esses 100 dias (do pedido do CNJ), que não foi por lei, foi instrução. Então, o problema não está na lei", pontua.

Para Contarato, outra falha é o descumprimento do que está previsto no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) sobre a educação na área. O senador avalia que pouco tem sido feito para, efetivamente, implementar o assunto nas escolas e formar novas gerações mais conscientes para dirigir. 

FISCALIZAÇÃO

Na Grande Vitória, o Batalhão de Trânsito tem realizado pelo menos três operações diárias, em diferentes horários e locais, segundo afirma o capitão Anthony Costa. Ele assegura que o trabalho é permanente. "Não é que as fiscalizações foram retomadas, estão sendo mais divulgadas", frisa. 

Nas blitze, o uso do bafômetro passivo, no qual o motorista não precisa encostar a boca para fazer o teste, é um recurso que está disponível há dois anos e possibilita mais abordagens, conferindo também mais autuações. O capitão Anthony aponta que por isso, inclusive, aumentou o número de recusas. De 2022 para 2023, em mais de 200%. De janeiro a maio do ano passado, foram 1.043 casos enquanto, no mesmo período deste ano, foram 3.239. 

Faixa Lei Seca 15 anos

As guardas municipais da região também realizam blitze, mas, predominantemente, em parceria com o BPTran. Na Serra, porém, a administração está com processo de licitação para aquisição de bafômetros e, assim, os agentes poderão fazer operações independentes. Em Vitória, já existe essa autonomia e, de acordo com o gerente de Operação e Fiscalização de Trânsito Brunno Xavier, as equipes atuam de maneira sistemática para inibir o uso de álcool por motoristas e, consequentemente, evitar acidentes.

EDUCAÇÃO E JUSTIÇA

Em resposta à crítica de falta de ações de educação no trânsito nas escolas, a Secretaria da Educação (Sedu) informa, em nota, que, em parceria com o Detran, está elaborando um caderno metodológico sobre o tema. Destaca, também, que a educação para o trânsito é uma das temáticas integradoras do currículo e pode ser trabalhada ao longo de toda a educação básica. 

Já o CNJ não se posicionou sobre a demora dos processos e, no Estado, o Tribunal de Justiça ressalta a carência de servidores e juízes, mas espera amenizar o quadro com a realização de concurso público.

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