Publicado em 17 de julho de 2020 às 06:00
Os indicadores mais recentes apontam redução no número de internações e também tendência de queda na quantidade de mortes por Covid-19 no Espírito Santo. Mas o que explica esse cenário mais favorável, diante ainda de registros diários de infecção por coronavírus e taxa de isolamento abaixo do ideal? Segundo especialistas, há uma série de fatores que podem contribuir para o resultado. O momento, entretanto, não é para relaxamento das medidas de segurança. >
Pós-doutora em Epidemiologia e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Ethel Maciel diz que o primeiro aspecto a ser considerado é a estabilização no número de novos casos no Estado com o indicativo de queda na Grande Vitória, o que reflete nas internações e óbitos. >
Contudo, a desaceleração da contaminação e até mesmo a redução em alguns municípios do Estado neste momento é motivo de estudos porque foge ao padrão observado em outras doenças infecciosas. No Espírito Santo, assim como registrado em outros locais, a curva de contágio começa a apontar para baixo antes de atingir metade da população. >
"A curva está se estabilizando e depois caindo teoricamente antes de atingir os 50%, o que não é comum em outras doenças. Isso está intrigando pesquisadores e é algo que ainda não conseguimos explicar totalmente", afirma. >
>
A obtenção da imunidade quando uma grande parcela da população ainda não foi infectada pelo coronavírus, revela Ethel, é também foco de estudos referentes à Covid-19. No país, há quatro pesquisas com a BCG - vacina aplicada em bebês para prevenção da tuberculose - que está sendo relacionada à proteção também contra o coronavírus. >
Essa capacidade de o organismo se proteger pode ser outra causa para a diminuição dos casos, segundo a pós-doutora, reduzindo a pressão sobre o sistema de saúde e a evolução para quadros mais graves que levam à morte. >
"Com a Covid, estamos num campo de muitas incertezas. O que estamos falando hoje, vale para hoje. Amanhã, alguém pode descobrir algo que não vimos ainda, e tudo mudar. Neste momento, em relação às quedas, o que acreditamos é em imunidade cruzada, que pode ser obtida com vacina já tomada ou outra coisa que ainda não sabemos. Mas também é importante dizer que muitas pessoas são suscetíveis à doença e esse é um dado preocupante." >
No Espírito Santo, são dois dias seguidos com taxa de ocupação dos leitos de UTI para a Covid-19 girando em torno de 78%, um dos menores desde o início da pandemia. Em relação aos óbitos, dados nacionais indicam que caiu a média móvel da última semana no Estado - sete dias retroativos a partir de quarta-feira (15), em comparação às duas semanas anteriores. >
O professor Etereldes Gonçalves Junior, do Departamento de Matemática da Ufes e membro do Núcleo Interinstitucional de Estudos Epidemiológicos (NIEE), explica que a média móvel é uma avaliação que mostra a tendência do comportamento da Covid-19 no meio de variações muito fortes de um dia para o outro. Essa análise semanal reflete melhor a evolução da doença, do que a observação de apenas um dia. >
Ele cita que, nos municípios da Grande Vitória, a média móvel de óbitos demonstra queda nos indicadores, com uma redução bastante sustentada na Capital. >
A média móvel já vinha sendo usada pela equipe do NIEE no início da pandemia para determinar, nos locais onde a fase mais aguda da Covid-19 havia passado, o momento que começou a desacelerar para cair. Em várias regiões, segundo o professor Etereldes, a redução foi observada quando atingiu de 300 a 500 óbitos por milhão de habitantes. >
"Decidimos, então, monitorar o Espírito Santo. E, de fato, quando passou de 400/milhão começou a cair", atesta. "Algumas hipóteses foram levantadas, mas precisam ser confirmadas", acrescenta o professor. >
Etereldes ratifica o ponto observado pela professora Ethel, de que cenários pelo mundo sugerem imunidade antes de o coronavírus atingir 50% da população, porém reforça que a Covid-19 tem outras peculiaridades se comparada às demais doenças infecciosas: o fato de a população exposta ao vírus ser menor em função do confinamento, e a constatação de que parte das pessoas não é suscetível ao coronavírus.>
"Essa desaceleração e queda que estão sendo observadas está relacionada à população exposta ao vírus. As pessoas que não se expõem ao vírus ainda não estão na conta. Por essa razão, medidas como distanciamento e uso de máscara ainda continuam necessárias", frisa. >
Para a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), o motivo da redução das internações é o resultado do conjunto de estratégias de enfrentamento da Covid-19 e o comportamento natural da doença diante das medidas adotadas. >
Conseguimos manter um grau de isolamento homogêneo no Estado com apoio dos municípios, e também garantir a assistência hospitalar aos infectados em todas as regiões. Além disso, ampliamos a testagem da população e reforçamos a investigação de casos. Se não tivéssemos ação coordenada e administração do isolamento e interação social desde o início do aumento de casos, suspendendo grandes eventos, por exemplo, não teríamos o resultado atual, destaca o secretário Nésio Fernandes, por meio da assessoria.>
Em relação aos óbitos e casos novos, a Sesa apresentou dados comparativos do Espírito Santo com três Estados que já tiveram o pico da doença - Rio de Janeiro, Pará e Ceará - e, em ambas avaliações, os resultados até o último dia 6 em território capixaba mostraram-se melhores, com indicativo de queda. >
É consenso entre os especialistas que o isolamento social é um componente importante na contenção da doença. Mas a taxa utilizada no Estado, na avaliação do professor Etereldes, não é a melhor referência para saber se a população está, de fato, respeitando o distanciamento, o que poderia indicar se o comportamento das pessoas está ou não contribuindo para os indicadores mais favoráveis no momento. >
Usando dados de telefonia móvel, o professor observa que o Estado mede a circulação, mas não o isolamento, e cita a própria situação como exemplo. Ele diz que sai de casa para trabalhar, o que seria motivo de registros devido ao uso do celular, porém não tem interações sociais fora do seu núcleo familiar. >
Etereldes ressalta, porém, que as recomendações da área da Saúde são fundamentais para manter a doença sob controle, inclusive o distanciamento, porque a exposição de parte da população que ainda não teve contato com o vírus pode fazer a tendência de queda mudar de direção. >
Por essa razão, o restabelecimento das atividades econômicas e sociais por completo tem de ocorrer de maneira gradativa ou, do contrário, há o risco da curva de transmissão e de novos casos voltar a crescer. >
A professora Ethel Maciel exemplifica com a Flórida, nos Estados Unidos, onde , em apenas dois dias após a reabertura dos parques da Disney, foram notificados mais 27 mil casos da Covid-19. >
"Muitas pessoas ainda são suscetíveis e podem se contaminar. Precisamos ter cuidado, uma cautela muito grande com as medidas que vão ser tomadas daqui para frente. Precisamos entender melhor o comportamento desse vírus. As pessoas que estão protegidas, em distanciamento, se forem colocadas em exposição, podem ser geradas novas infecções, novos casos, o que pode aumentar as internações, quadros graves e mortes", finaliza. >
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta