Publicado em 19 de agosto de 2020 às 20:50
Um estudo conduzido por médicos do Brasil avaliou a situação de países onde as atividades presenciais já foram retomadas, e indica os riscos e benefícios da volta às aulas nas escolas. A proposta do levantamento, segundo os especialistas, é contribuir para o debate sobre o assunto, considerando os indicadores da Covid-19 relacionados às crianças. >
O grupo de estudos, que tem como um dos coordenadores o ex-secretário nacional de Vigilância em Saúde Wanderson Oliveira, analisou a situação em 17 países, entre os quais o vizinho Uruguai. Por lá, as escolas ficaram fechadas durante 93 dias. A suspensão das atividades presenciais ocorreu em 14 de março, um dia imediatamente após a confirmação do primeiro caso de Covid-19.>
O processo de retomada começou em 1º de junho, com as turmas do terceiro ano do ensino médio de escolas fora da região metropolitana. Na sequência, foram os alunos da pré-escola e do ensino fundamental de áreas não urbanas e urbanas vulneráveis e, por fim, no dia 29 de junho, as demais instituições de ensino. >
Entre as principais medidas de controle no Uruguai estão aferição de temperatura na entrada da escola, horários escalonados, jornada de quatro horas, presença facultativa, lavagem das mãos e uso de álcool para limpeza. A curva de óbitos após a reabertura das escolas já esteve mais baixa, porém o pico foi anterior à liberação do funcionamento das instituições. >
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A Dinamarca, país europeu pesquisado que menos tempo ficou com as escolas fechadas (30 dias), começou a reabrir em 15 de abril com as turmas do primeiro ciclo do ensino fundamental. Apenas três dias depois, foram os alunos do fundamental 2 e 1ª série do ensino médio. E, no final daquele mês, o restante das turmas. >
Entre as medidas adotadas para controlar a disseminação da doença estão o limite de até 10 alunos por sala de aula, distanciamento mínimo de dois metros, uso de máscaras e ônibus com apenas um estudante por fileira. Desde a reabertura, a curva de óbitos tem caído. >
Na Alemanha, a decisão pelo fechamento das escolas ocorreu quase dois meses após o registro do primeiro caso de infecção no país. Passou 68 dias sem atividades presenciais, e o processo de retomada começou em 4 de maio, com o ensino médio. Mais de um mês depois, voltaram a funcionar as creches e pré-escolas, e somente agora, em agosto, as demais instituições. >
Naquele país, entre as medidas de prevenção estão a autoaplicação de testes pelos alunos para verificação de sintomas, distanciamento superior a 1,5 metro, uso de máscaras e etiqueta da tosse, higienização das mãos e limpeza diária dos ambientes. A curva de óbitos teve um ligeiro crescimento após o início da reabertura, mas depois seguiu em queda constante. >
Na Bélgica, a decisão pela reabertura das escolas ocorreu quando o número de mortes já havia reduzido significativamente. Os belgas mantiveram as instituições de ensino fechadas por 67 dias, e a volta às aulas começou no dia 18 de maio, com os anos finais do ensino fundamental I e II, o equivalente a 5º e 9º anos no Brasil. >
Quase um mês depois, no dia 8 de junho, foram liberadas a pré-escola e as demais séries do fundamental. Não há informação sobre a retomada do ensino médio, mas, atualmente, todos os colégios estão abertos. >
Por lá, as salas só podem ter até 10 alunos, o distanciamento mínimo é de dois metros e, para quem frequenta o ambiente escolar, tem que ser feita aferição de temperatura, higienização frequente das mãos e uso de máscara. >
Na França, a volta também foi autorizada quando o número de óbitos apresentava indicadores equivalentes aos do início da pandemia no país, e bem distante do pico. No país, após 56 dias, os primeiros autorizados a retornar às aulas foram das turmas de pré-escola e ensino fundamental, em 11 de maio. Depois de pouco mais de um mês, em 22 de junho, o restante dos estudantes. >
Nas instituições francesas, os recreios são realizados em grupos fixos, as refeições são feitas em sala de aula e há escalonamento. As máscaras são obrigatórias apenas para funcionários, mas também há regras para distanciamento (no mínimo 1 metro) e higienização. >
Em Israel, o fato de não ter estabelecido medidas de biossegurança, inclusive com remoção da obrigatoriedade do uso de máscaras, levou o país a fechar novamente as escolas num intervalo de menos de dois meses. O fechamento inicial ocorreu em 12 março e a reabertura, em 11 de maio, sem escalonamento. No dia 6 de julho, as instituições de ensino voltaram a ter as atividades presenciais interrompidas, situação que permanece até hoje. O número de óbitos voltou a crescer. >
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Além dos estudos de caso, o grupo de médicos ouviu também especialistas em diversas áreas e lideranças comunitárias sobre o retorno das aulas nas escolas. De tudo o que foi pesquisado, os principais achados apontados pela equipe são:>
De posse do estudo, o deputado federal Felipe Rigoni planeja retomar o contato com o Ministério da Educação (MEC), órgão com o qual já vinha discutindo sobre a necessidade de haver uma orientação nacional de estratégias educacionais durante a pandemia. Para o parlamentar, os dados apurados pelo grupo de médicos é o mais consolidado até o momento, e que pode servir de parâmetro para orientar a volta às aulas presenciais.>
Rigoni sustenta que o prejuízo com o fechamento das escolas é enorme e cumulativo, e quanto mais o tempo passa, mesmo com aulas remotas, maiores as dificuldades para recuperar os danos. Na avaliação do deputado, o custo é mais que financeiro; o grande impacto é social e deverá se refletir com o aumento das desigualdades. >
Assim como em outros países, o parlamentar acredita que os protocolos de biossegurança vão permitir uma volta com menos riscos à comunidade escolar. Rigoni quer tratar dessa questão com o MEC, uma vez que Estados e municípios estão com enfrentamentos distintos da pandemia porque não existe uma diretriz nacional. >
O estudo, porém, tem foco nas crianças. Os profissionais que atuam no ambiente escolar não foram objeto de avaliação. Gilda Cardoso, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e coordenadora do Laboratório de Gestão da Educação Básicado Espírito Santo (Lagebes), também critica a falta de uma coordenação geral do MEC para estabelecer diretrizes precisas de retorno seguro e, dessa forma, cada local estabelece as próprias normas.>
"Cada Estado, cada município tem tomado decisões sem que, na minha opinião, haja a escuta necessária ao que indica a ciência, a Organização Mundial de Saúde (OMS). O que percebo, e o Lagebes defende, é que o debate precisa ser ampliado para envolver os professores e os trabalhadores da educação. São eles que, de fato, no dia a dia da escola, sabem das dificuldades de implementar determinadas medidas, que não vão funcionar em muitos lugares. As decisões têm sido tomadas nos gabinetes sem a ampla participação social", avalia Gilda Cardoso. >
Para a doutora em Epidemiologia e professora da Ufes, Ethel Maciel, mais que pensar em quando voltar, é necessário discutir como voltar às escolas. No Espírito Santo, os protocolos foram definidos para as instituições promoverem as adaptações necessárias e, assim, minimizar os riscos à saúde da comunidade escolar, porém há outros aspectos que precisam ser considerados antes de o governo autorizar a retomada das atividades presenciais. >
"A gente deve evitar falar de datas, mas falar dos critérios que deve-se ter para voltar. O Rt (taxa de transmissão) abaixo de 1 é um critério necessário, mas não o suficiente", aponta.>
Ethel Maciel defende que, para a retomada, o Espírito Santo amplie a sua capacidade de testagem e esteja registrando a chamada transmissão local, aquela em que é possível identificar a origem da contaminação, isolar os infectados e controlar a disseminação da doença. >
A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) está preparando o inquérito sorológico para a comunidade escolar, mas, segundo Ethel Maciel, uma análise nos dados de pessoas que já testaram positivo na investigação feita nas residências, na faixa etária de 2 a 22 anos, identificou um percentual significativo com comorbidades nesse público que tem idade de frequentar escolas e faculdades. Casos de hipertensão, diabetes, asma e obesidade foram observados, o que os colocaria em grupo de risco. >
O município de São Paulo, que realizou inquérito sorológico nas escolas, decidiu nesta terça-feira (18) suspender a volta às aulas ao identificar que, dos casos positivos, mais de 64% das crianças eram assintomáticas, ou seja, estavam em condições de transmitir a Covid-19 sem apresentar nenhum sintoma. >
"É preciso avaliar com cuidado as condições que precisamos ter para este retorno. Obviamente, o retorno seguro seria com vacina; isto é o ideal. Mas não tendo a vacina em curto prazo, tem que se estabelecer esses critérios para minimizar o risco, que sempre vai haver porque o vírus continua circulando. Então, reforço: tem que ter o Rt menor que um, capacidade de testagem e, preferencialmente, transmissão local", conclui Ethel Maciel. >
Para o subsecretário estadual de Vigilância em Saúde, Luiz Carlos Reblin, os estudos servem de subsídio para o governo. O Espírito Santo já construiu um protocolo geral de retorno às aulas, mas ainda discute situações específicas, como o caso de crianças menores. Por isso, a definição de retorno ainda não foi tomada, e os parâmetros que irão identificar o momento certo ainda estão em análise. Estudos, como o em questão, ou de outros Estados e países - São Paulo, por exemplo, que acaba de publicizar o resultado de inquérito sorológico - contribuem para a consolidação da proposta do Estado.">
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