> >
Impedidos de se apresentar, circos capixabas tentam sobreviver à crise

Impedidos de se apresentar, circos capixabas tentam sobreviver à crise

"Estamos vivendo de doações de cestas básicas que recebemos das comunidades onde estamos com a lona montada", conta Jucila Oliveira, presidente da Associação Capixaba de Circo

Publicado em 5 de julho de 2020 às 08:00

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Data: 26/06/2020 - ES - Vila Velha - Roberto Rodrigues de Melo, o Palhaço Bolinha do Circo Barcelona - Editoria: Caderno 2 - Foto: Ricardo Medeiros - GZ
De acordo com a Associação Capixaba de Circo, cerca de 11 circos de longa no Espírito Santo estão passando por sérias dificuldades financeiras. (Ricardo Medeiros)

"Vai, vai, vai, terminar a brincadeira/ Que a charanga tocou a noite inteira/ Morre o circo, renasce na lembrança/ Foi-se o tempo e eu ainda era criança". A clássica composição de Sidney Miller, escrita nos anos 1960 (também eternizada na voz da capixaba Nara Leão),  nunca foi tão atual, especialmente no que tange à realidade do artista circense em épocas de pandemia da Covid-19. 

Impossibilitados de se apresentarem, por conta das medidas sanitárias de isolamento social, palhaços, mágicos, trapezistas, acrobatas e contorcionistas olham com tristeza para um picadeiro vazio (sem os aplausos de uma plateia eufórica) e para uma crise financeira que cresce com o passar dos dias.

"Estamos parados desde março, vivendo de doações de cestas básicas que recebemos das comunidades onde estamos com a lona montada. Muitos artistas se inscreveram para receber o auxílio emergencial de R$ 600 do Governo Federal. Mas esse dinheiro não dá para pagar as contas básicas e sustentar toda a família. Nossa situação é crítica", alerta Jucila Alves de Oliveira, acrobata há cerca de 30 anos do Circo Barcelona, instalado há seis meses em um terreno alugado do bairro Jockey de Itaparica (Vila Velha).

Hoje artista aposentada, Jucila também atua como presidente da Associação Capixaba de Circo. De acordo com a dirigente, cerca de 11 circos de lona estão montados em todo o Estado. Além disso, o órgão tem como associados quatro grupos de ginásio, chamados por eles de Trupe (que se apresentam basicamente em escolas e praças públicas). Todos, segundo a gerente, estão passando por necessidades financeiras.  

"Só não passamos fome porque somos uma família que se ajuda muito. Aqui no Barcelona, por exemplo, estamos fazendo lives pela internet, arrecadando cestas básicas e conseguindo dinheiro para pagar despesas como água e luz. Estamos doando parte da comida que recebemos para outros grupos espalhados pelo Estado", detalha, afirmando que vendas ambulantes tornaram-se parte do cotidiano desses profissionais.

"Reinvenção é a palavra de ordem.  Muitos saem às ruas para vender vassouras, baldes, balões e bolas. O pessoal do circo Ben Hur, que está em Terra Vermelha (Vila Velha), vende artesanato e até taças com escudos de clube de futebol. Já estamos acostumados a enfrentar desafios, pois vida no circo nunca é fácil. Não vamos desistir de lutar para manter a nossa arte viva", exclama.

A crise no setor não está escolhendo nacionalidade e nem nível de profissionalismo. Na segunda (29), o tradicional Cirque du Soleil entrou em um programa de recuperação judicial no Canadá, com o objetivo de evitar a falência e se proteger de credores. Estimativas do mercado americano é de que as dívidas totais da empresa cheguem a US$ 1 bilhão.

APOIO

Voltando à nossa realidade, a Associação Capixaba de Circo, de acordo com Jucila Oliveira, ainda não recebeu nenhum auxílio de prefeituras, e nem mesmo do Governo Estadual. A regente acredita que o socorro tão necessário possa vir da Lei Aldir Blanc. Sancionado pelo Governo Federal na segunda (30), o  projeto deve investir cerca de R$3 bilhões no setor cultural brasileiro, visando atenuar dificuldades econômicas impostas pela pandemia do novo coronavírus.

De acordo com reportagem de A Gazeta, O Espírito Santo deve receber em torno de R$ 60 milhões, sendo metade desta verba destinada aos 78 municípios capixabas. A outra parte ficará sob a custódia da Secretaria Estadual de Cultura, que deverá investir em políticas públicas de auxílio a artistas e agitadores culturais.

“Sou conselheira de cultura de Vitória, na categoria circo, e também participo da comissão organizada para cadastrar os artistas de Vila Velha na Aldir Blanc. Esperamos que cada circo de lona receba cerca de R$ 10 mil.  Somos considerados um ponto cultural, pois contamos com vários artistas sob a nossa tutela", acredita, afirmando ser impossível contabilizar o número total de pessoas do setor que estão passando por sérias dificuldades financeiras.  

"Cada circo de lona tem, no mínimo, 20 profissionais. Em todo o Espírito Santo, devem ser mais de 300 pessoas, fora os que atuam nas trupes. Cada uma tem ao menos 30 membros", enumera. 

Os interessados em fazer doações para a Associação Capixaba de Circo podem entrar em contato pelo telefone (27) 99632-9458. O circo Barcelona, que também recebe donativos, está armado na Rua Dylio Penedo , Jockey de Itaparica, Vila Velha.

SUPORTE

Em conversa com A Gazeta, para falar sobre a realidade do artista circense no Estado, o secretário de cultura de Vitória, Francisco Grijó, afirmou que a capital possui um edital de emergência que também contempla a categoria, o "Arte em Casa".

"As inscrições estão abertas até 8 de julho e o pessoal do circo é bem-vindo. Eles podem fazer apresentações em formato de live, como propõe o edital. São cerca de R$ 1,5 mil para cada artista", relembra, dizendo que Vitória deve receber cerca de R$ 2,6 milhões da lei Aldir Blanc e que, certamente, a arte circense será contemplada.  

"Esperamos que esse dinheiro chegue em 40 dias. Enquanto isso, apostamos em uma organização jurídica e cultural para saber como será feita a divisão destes recursos. O circo tem uma representação atuante no Conselho Municipal de Cultura, o que facilitará a nossa ação. A preocupação maior é com o artista de rua, amador, que ainda não sabe como poderá ter acesso ao benefício. Esse precisa ainda mais da nossa atenção", explica. 

Circo Barcelona (Ricardo Medeiros)

Também procurada pela reportagem, a prefeitura de Cariacica respondeu, por meio de nota. "A Secretaria Municipal de Cultura (Semcult) de Cariacica faz o acompanhamento dos artistas desde o início da pandemia, através de um cadastramento que identificou 18 famílias circenses, a partir da indicação e solicitação de uma artista circense pertencente ao Conselho Municipal de Cultura. Desde março, essas famílias recebem cestas básicas obtidas por iniciativa da própria Semcult, em parceria com integrantes do Corpo de Bombeiros, do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado no Espírito Santo (Satedes) e da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Também é disponibilizado a participação no projeto "Cultura em Redes", onde são divulgadas, nas redes sociais da Prefeitura de Cariacica, os projetos e atividades artísticas a fim de que os trabalhos dos trabalhadores da cultura sejam mais conhecidos e acessados pela população, fidelizando e gerando plateia para a pós-pandemia".

Ainda em nota, a PMC relata que "em relação à transferência de renda, a Semcult trabalha atualmente com o cadastramento de artistas e associações culturais, inclusive os de circo, para que recebam o auxílio emergencial da Lei Aldir Blanc, sancionada na última segunda-feira (29). Os interessados podem se cadastrar no site da Prefeitura de Cariacica, na página da Secretaria de Cultura até 8 de julho. A Cultura também disponibiliza um telefone de plantão para mais esclarecimentos: 9 8811-1041, atendendo de segunda a sexta, das 12h às 19h.

Vila Velha também se pronunciou por comunicado oficial. "A Prefeitura de Vila Velha, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, informou que estuda projetos para serem executados com a aplicação dos recursos da Lei Aldir Blanc, como as formas de editais e chamamentos públicos. A Secretaria de Cultura informou ainda que está em constante diálogo com os artistas circenses com o intuito de aporte nos editais. A Lei Aldir Blanc abrange a contemplação do circo como espaço cultural".

Complementando, a PMVV também informa. "Desde do dia 18 de junho, foi realizado uma série de webconferências para debater a aplicação dos recursos da lei. Todos os trabalhos estão sendo realizados em conjunto com membros do Conselho Municipal de Políticas Culturais, artistas e representantes do setor da arte e cultura do município".

Finalizando, também procuramos a Secretaria Estadual de Cultura, que respondeu, por meio de nota. "A Secretaria da Cultura tem mantido diálogo com representantes do circo e reuniu-se com o setor na última semana. O Secretário Fabrício Noronha também participou do Diálogo Nacional do Circo com a articulação da Lei Aldir Blanc e ampla participação de circenses capixabas.

Além de editais do Funcultura específicos para circo e do Edital Emergencial, a Secretaria também realiza lives solidárias direcionando as doações para os circences".

Sobre a Lei Aldir Blanc, a Secult respondeu: "A partir da descentralização dos recursos pelo governo federal, será garantido auxílio emergencial a trabalhadores da cultura e espaços culturais neste momento de crise causado pela pandemia da Covid-19. Uma renda emergencial no valor R$ 600, por pessoa, durante três meses, além de um subsídio mensal para espaços culturais que varia de R$ 3 mil a R$ 10 mil. Os circos estão incluídos nos espaços que podem receber subsídio e os circenses que não estejam recebendo o Auxílio Emergencial da Caixa Econômica podem receber o auxílio".

"NÃO SABEMOS FAZER OUTRA COISA A NÃO SER ALEGRAR ÀS PESSOAS"

Mímico, mágico, acrobata e apaixonado pela arte de fazer rir. Assim se define Danillo Rodrigues, de 26 anos, ou pode chamar também de palhaço Chicharito (uma homenagem ao craque da seleção mexicana de futebol, Chicharito Hernández). 

Data: 26/06/2020 - ES - Vila Velha -  Circo Barcelona - Editoria: Caderno 2 - Foto: Ricardo Medeiros - GZ
Danillo Rodrigues, do Circo Barcelona: "Sofro por não ver o sorriso de uma criança em minhas apresentações". (Ricardo Medeiros)

Há 26 anos na carreira artística ("estou nessa vida desde que me conheço por gente", defende), Danillo, que é integrante do Circo Barcelona, apostou na internet para tentar matar as saudades do público. 

"Estou desenvolvendo lives solidárias há dois meses. Além de dinheiro, também arrecadamos várias cestas básicas, por meio de doações da população. A ajuda foi tanta, que deu para distribuir com os outros membros da família circense por todo o Estado. Mas uma coisa eu garanto: sofro por não ver o sorriso de uma criança em minhas apresentações", lamenta.

Afirmando que as dificuldades impostas pela pandemia do novo coronavírus serviram para fazer o "povo do circo" se unir ainda mais, Danillo pretende mostrar, na próxima live, outros atributos artísticos, agora atacando de cantor. 

"Aos poucos, vamos nos adaptando à nova realidade do circo", complementa. 

Data: 26/06/2020 - ES - Vila Velha - Roberto Rodrigues de Melo, o Palhaço Bolinha do Circo Barcelona - Editoria: Caderno 2 - Foto: Ricardo Medeiros - GZ
Roberto Rodrigues de Melo, o Palhaço Bolinha, do Circo Barcelona: alegria frente às dificuldades. (Ricardo Medeiros)

Com mais de 40 anos dedicados ao picadeiro, Roberto Rodrigues de Melo, o Palhaço Bolinha, do Circo Barcelona, relembra grandes performances ao lado de um amigo especial: o ex-Trapalhão Dedé Santana

"Nos apresentamos na época de ouro do circo, nos anos 1970 e 1980, em várias partes do país. A última fez que dividimos o palco foi em 2015, quando ele veio ao Espírito Santo para fazer uma apresentação no Barcelona", relata, dizendo que o humorista é uma espécie de embaixador das causas circenses. 

"Ele começou no picadeiro e é um dos maiores defensores da nossa causa. Tanto que fez campanhas na internet defendendo a ajuda governamental. A conquista da Lei Aldir Blanc também é uma vitória dele", defende, confessando que não vê a hora de sentir a vibração de uma plateia lotada novamente.

"O nosso retorno, quando vier, será diferente, respeitando as normas sanitárias, distribuindo álcool em gel e contando somente com 30% da lotação disponível. Se a ajuda governamental vier, poderemos cobrar ingressos a preços mais populares, o que facilitará o acesso do público, tão sofrido por conta da pandemia", planeja, afirmando que tentou junto a Prefeitura de Vila Velha a liberação para fazer apresentações em formato de drive-in, mas, por conta do avanço da Covid-19, teve a solicitação negada. 

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais