Publicado em 5 de outubro de 2020 às 06:00
O número de policiais civis, militares e de membros da ativa e da reserva das Forças Armadas, além de bombeiros militares que se candidataram a prefeito, vice-prefeito e vereador no Espírito Santo este ano é 34,1% maior do que o registrado nas eleições municipais de 2016. Ao todo, foram 158 naquele ano. Em 2020 são 212. >
Para o cargo de prefeito, são 14 candidatos, contra apenas 2 que disputaram o Executivo municipal há quatro anos, antes da eleição do presidente Jair Bolsonaro e da entrada de integrantes do Exército no governo federal. >
Houve aumento no interesse também para ser vice e vereador. Os candidatos a vice passaram de 4 para 17, e a vereador, de 152 a 181, nos municípios do Espírito Santo. O levantamento foi feito por A Gazeta no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). >
O fenômeno foi registrado em todo o país. A eleição de 2020 possui o maior número de candidatos policiais e militares dos últimos 16 anos. Em números absolutos, são 6,7 mil postulantes aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador no Brasil, superando também o total registrado em 2012. >
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Entre as categorias das forças da segurança pública, os policiais militares representam a maior parte dos candidatos. De 2016 para 2020, houve 36 PMs a mais como candidatos, evoluindo de 97 para 133, um aumento de 37%. Na sequência vêm os militares reformados. Em 2016, eles eram 33 e, agora, 42. A novidade é quanto aos membros das Forças Armadas, com 2 representantes no pleito deste ano, enquanto em 2016 não houve candidatos.>
Um traço importante dos candidatos da área de segurança é que uma grande parcela deles aproveita para utilizar o cargo como construção de sua imagem para a campanha. Entre os 212 candidatos deste ano, 85 inseriram em seu nome de urna termos como "Coronel", "Capitão", "Policial", "PC" e até "Comandante". O mais comum foi o "Sargento", presente em 55 nomes de urna.>
O total de candidatos da segurança pública é ainda maior, visto que alguns deles preferiram se declarar, no registro de profissão feito à Justiça Eleitoral, como servidor público federal, estadual, municipal, servidor público civil aposentado, mas colocaram o nome de seu cargo no nome de urna, como Coronel Nylton Rodrigues (Novo), de Vitória, e Lyra da Federal (MDB), de Viana. >
Outros também preencheram o campo profissão como deputado, a exemplo de Capitão Assumção (Patriota) e Delegado Lorenzo Pazolini (Republicanos), candidatos em Vitória, ou como vereador, como Cabo Max (PP), de Viana. A reportagem localizou pelo menos 27 candidatos nesta situação.>
Embora possam utilizar patentes e outros nomes que identifiquem a profissão, o mesmo não é permitido em relação à farda. O uso da vestimenta é proibido em material de campanha e na foto que aparece na urna, de acordo com a Lei das Eleições. No entanto, o que já se vê na divulgação dos candidatos é o descumprimento dessa norma. Já houve, inclusive, uma decisão contra Capitão Assumção, a pedido do Ministério Público, por esse motivo.>
Os partidos que abrigam a maioria dos candidatos da área da segurança pública no Estado são aqueles situados à direita e também ligados ao governo Bolsonaro. Patriota, com 18 nomes, PSL e Republicanos, com 17 cada um, lideram a lista. Em seguida vêm PTB e DEM, com 12 nomes cada um. No campo da centro-esquerda, há Cidadania, com 12 nomes, e o PSB, com 10. >
E como ocorre também dentro das próprias corporações policiais ou militares, já era de se esperar que a maioria dos candidatos desse segmento fossem homens. O número de mulheres, contudo, cresceu: foi de 4, em 2016, para 14, em 2020, enquanto homens eram 154 e, agora, são 198. >
Como policiais militares, bombeiros militares ou membros das Forças Armadas são impedidos de se filiar a partido político, a filiação deles é feita durante a convenção partidária, quando a candidatura também é oficializada. A partir de então, eles devem pedir o afastamento da atividade para participar da campanha e continuam recebendo os salários.>
O Boletim Geral da Polícia Militar dos dias 18 e 25 de setembro e 2 de outubro registrou 89 solicitações de afastamento de PMs da ativa para atividade política. Entre eles, há 44 sargentos, 6 tenentes, 3 subtenentes, 4 capitães, 25 cabos, 3 soldados, 2 tenentes-coronéis e 2 coronéis. O local mais afetado é a Diretoria de Saúde, com 7 afastamentos, seguida da 8ª Companhia Independente de Polícia Militar, que fica em Santa Teresa, e do 2º Batalhão, em Nova Venécia, que tiveram 6 afastamentos cada um.>
Grupo criado no Estado para estimular as candidaturas de policiais militares, o Projeto-Político Militar também atuou especificamente para incentivar os agentes da segurança a disputar as eleições municipais pela primeira vez, em 2020. Segundo o presidente do projeto, major Lúcio Bolzan, o grupo percebeu a necessidade de trabalhar também nas bases da política, nos municípios. >
"Equivocadamente, os militares ficaram um pouco alijados do processo político ao longo dos anos. E, aos poucos, foram conseguindo aumentar a participação. Vimos a necessidade de ter representantes em todas as esferas, e a sociedade vem compreendendo bem isso. Por conta dos princípios militares, de hierarquia e disciplina, da exigência da ética e como conhecemos de perto os problemas da sociedade, há um retorno bom para a população", afirma.>
Ele garante que o projeto é apartidário e respeita a preferência por todas as posições políticas. Bolzan atribui a maior preferência dos candidatos militares por partidos de direita à polarização existente em todo o país. O major também pontuou que não se busca um desvirtuamento do tema da segurança pública, focando nas pautas corporativistas.>
"O que a gente trabalha dentro do projeto é uma sociedade justa e segura. É lógico que a segurança talvez seja a bandeira de maior relevância, por conta da atividade dessas pessoas que estão se colocando. Nas eleições municipais, o foco não tem que ser sobre as melhorias para a categoria, ou mudanças na legislação penal. Mas, com sua experiência, os policiais podem contribuir de outras formas, como na luta contra a corrupção e nas ações de prevenção à violência", disse.>
Para especialistas, como o tema da segurança pública foi ganhando visibilidade na política, acabou por estimular a participação de agentes da segurança nas eleições, com um discurso que vai além e passa também por uma defesa da "ordem".>
"O que vemos é um efeito do bolsonarismo, com uma intensificação das forças da segurança púbica, transformando a política em guerra. É um processo que se dá com essa virada à direita que ocorreu no país. Agentes da segurança pública passaram a barganhar espaços, voltados para implantar uma agenda, que tem como base o punitivismo, a ordem social, combate ao banditismo, populismo penal", analisa o coordenador do mestrado Sociologia Política da UVV, Pablo Rosa.>
Para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato de Lima, como o foco de muitos candidatos não é a segurança pública em si, mas o debate sobre ordem e costumes. A ideia de autoridade ganha importância.>
"A legislação brasileira é permissiva com os candidatos da categoria. Eles podem disputar uma eleição e, se derrotados, depois voltar aos quartéis. Não pode pairar dúvida sobre a imparcialidade das instituições. Seria mais adequado o afastamento definitivo de servidores que desejam concorrer a cargos eletivos, como ocorre com os juízes, pois se cria mais confusão entre os papeis que eles terão que desempenhar", defende.>
Lira acrescenta que a população deve estar atenta se nos discursos desses candidatos está sendo explorada a questão da insegurança de forma maior que a real, muito fundada na retórica, e não em dados, por exemplo. "Quanto mais radicalizado o discurso, maior o alcance, mas isso pode afetar a tradição democrática", pontua Rosa.>
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