Publicado em 3 de maio de 2020 às 13:15
O depoimento prestado pelo ex-ministro Sergio Moro à Polícia Federal neste sábado (2) é considerado um dos principais elementos do inquérito que pode levar à apresentação de denúncia contra ele mesmo ou contra o presidente Jair Bolsonaro. A oitiva foi o primeiro passo da apuração iniciada após Moro pedir demissão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, no último dia 24, com graves acusações ao chefe do Executivo. >
O ex-ministro concluiu seu depoimento na noite de sábado, após ficar mais de oito horas no prédio da Polícia Federal em Curitiba. No local, houve protestos contra e a favor de Moro.>
A investigação foi aberta a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, e autorizada pelo ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), relator do caso. O objetivo é descobrir se as acusações são verdadeiras ou, então, se o ex-juiz da Lava Jato pode ter cometido crimes caso tenha mentido sobre Bolsonaro.>
Na visão de Aras, oito delitos podem ter sido cometidos: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra. De acordo com interlocutores do PGR, Moro pode ser enquadrado nos três últimos e Bolsonaro, nos seis primeiros. Nada impede, no entanto, que a investigação encontre outros crimes além desses e os denuncie por isso.>
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Depois de ouvir Moro, a PF deve realizar outras diligências para buscar mais provas e informações sobre o caso. O procurador-geral pode fazer o mesmo, mas ele tem indicado a pessoas próximas que deixará os detalhes da apuração a cargo da polícia e decidirá ao final o oferecimento ou não da denúncia.>
Depois deste sábado, os delegados que apuram os fatos podem entender, por exemplo, que é necessário colher o depoimento de Maurício Valeixo, diretor-geral da PF enquanto Moro era ministro e pivô da crise com Bolsonaro. Isso porque, segundo o ex-juiz da Lava Jato, o chefe do Executivo queria retirá-lo do comando da corporação para colocar alguém da sua relação pessoal no cargo. A intenção seria dar acesso ao presidente a relatórios de inteligência e informações sobre investigações em curso, o que não é permitido pela legislação.>
Além de Valeixo, a PF pode colher o depoimento de outras pessoas mencionadas por Moro e também do próprio Bolsonaro. Nesse caso, porém, por se tratar do presidente da República, que tem foro especial, seria necessária autorização do STF. E o chefe do Executivo poderia ajustar com o magistrado o horário e local adequado para isso.>
Quando Michel Temer estava na Presidência e era investigado, por exemplo, o ministro Edson Fachin permitiu que ele prestasse depoimento por escrito. No caso de Moro, o depoimento foi colhido pela delegada Christiane Correa Machado, chefe do Serviço de Inquéritos Especiais, grupo responsável por apurar os casos em curso no STF.>
Além dela, Aras designou três procuradores da República para a oitiva: Herbert Mesquista, Antonio Morimoto e João Paulo Tavares. De acordo com a lei, a polícia e o Ministério Público conduzem as investigações e só precisam de autorização da Justiça para diligências mais invasivas.>
Assim, caso os investigadores queiram fazer uma interceptação telefônica ou uma quebra de sigilo telemático para ter acesso às conversas reservadas entre Bolsonaro e Moro por meios tecnológicos, isso dependerá de autorização de Celso de Mello.>
Depois de realizar todos os procedimentos, a PF fará um relatório em que concluirá que ambos são inocentes ou, se for o contrário, indiciará os dois ou apenas um deles. Esse relatório policial, então, é encaminhado à PGR, que não fica vinculada à conclusão da corporação. Ou seja, Aras tem toda liberdade para analisar as provas e decidir se oferece ou não a denúncia.>
Se isso ocorrer em relação a Bolsonaro, a acusação vai para a Câmara, que precisa autorizar sua continuidade, com voto de dois terços da Casa. Em caso de autorização, a denúncia vai para o STF analisar se aceita, então, a abertura de ação penal, que leva ao afastamento automático do presidente por 180 dias, até uma solução sobre a condenação ou não do investigado. Caso os deputados rejeitem, a denúncia fica suspensa e só pode ter continuidade quando acabar o mandato do chefe do Executivo.>
Sobre Moro, o caso provavelmente seguiria para primeira instância, uma vez que ele não ocupa nenhum cargo atualmente e não tem a prerrogativa do foro especial. A investigação, contudo, não tem uma data definida para acabar. O Código de Processo Penal até estabelece que os inquéritos têm de ser concluídos em 30 dias ou em 10 dias se envolver réu preso.>
Esse prazo, no entanto, nunca é respeitado, inclusive nas investigações que correm perante o STF. O despacho do ministro Celso de Mello obrigando a PF a ouvir Moro em até cinco dias, e não em 60 dias, como havia determinado inicialmente, é um indicativo de que o magistrado quer acelerar as apurações. Não dá para afirmar, porém, até quando elas se estenderão.>
Até o momento, além das acusações, Moro apresentou à imprensa mensagens trocadas com Bolsonaro e com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) como prova de que estaria falando a verdade. Em uma delas, o chefe do Executivo envia uma notícia de que 10 a 12 deputados bolsonaristas estariam sendo investigados pela PF e afirma a Moro: "Mais um motivo para a troca", em referência a Valeixo.>
Já na conversa com a parlamentar, ocorrida antes do pedido de demissão do Ministério da Justiça, Zambelli pede que Moro aceite a mudança no comando da PF e não rompa com Bolsonaro para, assim, ser indicado a uma vaga no Supremo. Zambelli pede "por favor" para Moro aceitar Alexandre Ramagem no comando da PF. Ramagem é justamente o nome que Moro, ao pedir demissão, afirmou que seria o delegado escolhido por Bolsonaro para comandar a PF.>
Ele foi o responsável pela segurança do chefe do Executivo após ter sido eleito presidente e, depois, tornou-se diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). Ramagem, porém, que é próximo à família e amigo de Carlos Bolsonaro, filho do presidente e investigado pela PF por articular a propagação de fake news, foi indicado para o cargo, mas não chegou a tomar posse. Isso porque o ministro do STF Alexandre de Moraes deu uma decisão para impedir a nomeação por entender que não observava os princípios da impessoalidade e da moralidade pública.>
Depois de pedir para Moro aceitar o amigo da família do presidente no cargo, Zambelli faz uma proposta ao então ministro: "E vá em setembro para o STF. Eu me comprometo a fazer o JB prometer", completou. Moro, então, respondeu: "Prezada, não estou à venda".>
Como Celso de Mello atendeu ao pedido integral de Aras, tanto o ex-juiz da Lava Jato quanto Bolsonaro são considerados tecnicamente investigados. Na decisão em que determinou a abertura do inquérito, porém, o ministro do Supremo cita Moro apenas para fazer referência ao que disse em relação ao chefe do Executivo.>
Crítico contumaz de Bolsonaro, o magistrado afirmou que ninguém está acima da lei, nem o presidente, e disse que ninguém tem legitimidade para "vilipendiar as leis e a Constituição". O ministro também fez referências a um jurista que diz que o presidente deve ficar no poder "enquanto a bem servir" e a outro que fala em "neutralizar a ação do chefe do Executivo".>
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