Publicado em 24 de abril de 2020 às 19:18
As declarações do ex-juiz e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro quando anunciou sua demissão podem configurar tanto o cometimento de crimes comuns quanto de crimes de responsabilidade por parte do presidente da República, Jair Bolsonaro. Moro declarou que o presidente queria interferir na Polícia Federal, manter contato com seus diretores e ter acesso a relatórios sigilosos sobre as investigações. >
No final da tarde desta sexta-feira (24), o procurador-geral da República, Augusto Aras, decidiu solicitar ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de um inquérito para apurar os fatos narrados e que seja investigada a ocorrência dos crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra. Neste caso, Bolsonaro poderia ser enquadrado nos crimes do Código Penal. >
Após as investigações, a PGR pode decidir pelo oferecimento de denúncia contra Bolsonaro, mas caberia à Câmara dos Deputados decidir dar prosseguimento ou não à acusação, o que poderia levar ao afastamento do presidente da República de suas funções. Duas denúncias oferecidas pela PGR contra o então presidente Michel Temer (MDB) em 2018 acabaram barradas pela Câmara.>
Na hipótese de ser processado por crime de responsabilidade, deve ser necessário associar que os atos de Bolsonaro foram contra a probidade na administração pública, enquadrando-o na lei que especifica os crimes de responsabilidade. Com esse fundamento, é possível ser feito um pedido de impeachment. >
>
Especialistas em Direito explicaram quais declarações poderiam implicar em algum tipo de responsabilização do presidente. >
A fala de Moro de que o presidente queria acionar relatórios de inteligência de investigações da Polícia Federal e de que teria pedido documentos sigilosos do órgão poderia enquadrá-lo nos crimes de advocacia administrativa e de prevaricação, como explica a professora de Direito Penal da UFRJ Luciana Boitteux. >
"Ainda estamos em um momento muito inicial da apuração para definir qual seria a tipificação correta. Ainda vai depender daquilo que ficar provado. A prevaricação estaria configurada se demonstrado que ele praticou ato para satisfazer interesse ou sentimento pessoal", diz. >
O doutor em Direito Penal e professor da FDV Israel Jório avalia que também se deve apurar a prática de crime de prevaricação se a exoneração, seja referente à chefia da PF ou ao próprio ministro Moro, se deu por sentimentos ou interesses pessoais. >
"Compete ao presidente selecionar as pessoas mais competentes para esses cargos. Se as exonerações ou as substituições acontecem por razões escusas para interferir no curso de investigações, por exemplo , há prevaricação, sem prejuízo dos crimes que podem vir a ser cometidos caso as interferências, lá adiante, cheguem a acontecer.">
Bolsonaro também teria inserido uma informação falsa em um documento público, o que seria falsidade ideológica, outro crime que precisaria ser apurado, ao dizer que demitiu o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, a pedido, sendo que isso, segundo Moro, não é verdade.>
A hipótese de existência de crime de obstrução da Justiça, por sua vez, não é algo que está claro, até o momento, segundo os especialistas. "Não está tipificado em nossa lei penal, exceto para os casos ligados às investigações sobre organizações criminosas", afirma Jório.>
Luciana Boitteux acrescenta que ainda não há elementos para verificar essa conduta. "O que se extrai da fala de Moro é que ele saiu do cargo para não ceder às pressões, não se falou se ele, de fato, acessou informações", explica. >
No caso de existência de crime de responsabilidade, o professor Israel Jório pontua que são muitos os tipos penais possíveis, e a correta tipificação depende de minúcias, de detalhes que só vêm à tona diante das investigações.>
"Considero, pela maior chance de caracterização, o que está previsto no art. 9º, inciso 5, da Lei 1079/56: infringir no provimento dos cargos públicos, as normas legais. Mas, só pela possibilidade inicial de existirem tantas infrações, já se justifica uma apuração extremamente dedicada das autoridades", afirma.>
Para o professor de Direito da FGV Rubens Glezer, também é possível argumentar que os fatos demonstram que houve violação ao princípio constitucional da impessoalidade na administração pública. >
"Há uma acusação muito forte, no capítulo de crimes contra a probidade da administração pública, de que ela deve ser tocada com os valores adequados. Os mandatários têm que administrar a coisa pública, não podem reverter ao interesse privado para privilegiar quem queiram.">
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta