Publicado em 27 de agosto de 2020 às 18:41
Quando deputado federal, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) era um crítico feroz de programas sociais do governo petista. No Congresso, afirmou por diversas vezes que o Bolsa Família funcionava como um sistema de compra de votos e defendeu o fim do benefício. Isso até chegar à Presidência da República. Agora, surfando em uma onda de popularidade, o chefe do Planalto não só apoia a transferência de renda do governo federal para famílias, como quer ampliá-la e imprimir a sua marca com um novo nome: Renda Brasil.>
O suposto interesse do presidente em assistência social não é novo. Na campanha eleitoral, ele já demonstrava uma certa preocupação com o risco que suas críticas aos benefícios poderiam causar. Mas as investidas na área social aumentaram durante a pandemia de Covid-19. >
A aprovação do eleitor, principalmente o de baixa renda, conquistada com o auxílio emergencial de R$ 600, serviu de combustível para o chefe do Executivo se apropriar de alguns projetos e mudar o tom que vinha adotando nos últimos anos. >
O Renda Brasil é uma proposta que está sendo preparada pelo governo para unificar o Bolsa Família e outros programas sociais e surge como um substituto do auxílio emergencial. Hoje, o auxílio emergencial de R$ 600 é pago a 64 milhões de brasileiros e o Bolsa Família, a 14 milhões de famílias.>
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O programa, contudo, enfrenta resistência da equipe econômica no Planalto. Para atender à ideia de Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu cortar alguns benefícios, como abono salarial, salário-família, deduções de gastos com saúde e educação no Imposto de Renda. Bolsonaro, contudo, já disse que não pretende tirar os recursos de outros programas para custear o Renda Brasil. Na tarde desta quarta-feira (26), ele anunciou a suspensão do programa, até que seja melhor desenhado.>
Jair Bolsonaro
PresidenteA declaração de Bolsonaro, feita durante visita a Ipatinga, em Minas Gerais, contradiz todo o seu histórico político de aversão ao Bolsa Família. Em ocasiões anteriores, ele criticou a transferência de dinheiro a pessoas de baixa renda e disse que o auxílio as impedia de trabalhar. Confira o que o presidente já falou sobre o programa social e a mudança no discurso ao longo dos anos: >
Foi na Câmara dos Deputados que o presidente Jair Bolsonaro, na época deputado, fez grande parte das críticas aos governos Lula e Dilma Rousseff e ao Bolsa Família. Em fevereiro de 2011, durante discurso, afirmou que era preciso colocar um ponto final no programa de assistência social que, segundo ele, deixava pessoas acomodadas:>
Jair Bolsonaro
Em 2011, durante discurso na Câmara dos DeputadosEm outro momento, subiu à tribuna e fez novas críticas: Cada vez mais, pobres coitados, ignorantes, ao receberem Bolsa Família, tornam-se eleitores de cabresto do PT", declarou o então deputado. E afirmou, durante um programa de TV, que o auxílio funcionava como um "voto de cabresto".>
Jair Bolsonaro
Em 2011, em entrevista à Rede RecordEm 2015, também durante uma entrevista, disse que os beneficiários do Bolsa Família viviam às custas do governo e não produziam nada. O cara tem três, quatro, cinco, dez filhos e é problema do Estado. Ele já vai viver de Bolsa Família, vai fazer nada. Não produz bem nem serviço, não produz nada, não colabora com o PIB, não faz nada." Confira vídeo abaixo:>
Já apontado como um dos candidatos à Presidência, em 2017, Bolsonaro ainda mantinha o tom das críticas. Em um evento em Barretos, naquele ano, disse que não ia agradar quem quer que seja para buscar voto, referindo-se à ampliação do auxílio. >
Jair Bolsonaro
Em 2017, na Festa do Peão, em BarretosA mudança no discurso começou a ser notada com a aproximação das eleições em 2018. Naquele ano, em diversas entrevistas, Bolsonaro defendeu o programa e disse que seria mantido caso ele fosse eleito presidente."É um programa que temos que manter e, por questões humanitárias, olhar com muito carinho", afirmou.>
Ele chegou inclusive a adotar uma postura de combate a narrativas de que ele acabaria com o benefício social. Comigo, o programa será mantido. Vou deixar isso claro em um programa de governo. Quero combater essa fake news de que vou acabar com o programa. Vamos bater na questão das fraudes. Há cidades em que o benefício é dado irregularmente para cerca de um terço dos participantes, disse ao jornal O Globo. >
A nova postura, em defesa do Bolsa Família, permaneceu depois de assumir a Presidência. Em abril de 2019, durante a Marcha dos Prefeitos em Brasília, Bolsonaro voltou a falar sobre o programa. "Nós somos defensores do Bolsa Família, afirmou. Dias depois, em um balanço de 100 dias do governo, anunciou a ampliação do Bolsa Família, com o pagamento da 13ª parcela do programa.>
Para cientistas políticos, Bolsonaro tenta surfar em programas sociais para aumentar a popularidade em redutos petistas, como o Nordeste. E assim conquistar o eleitorado para 2022.>
Paulo Baía
Cientista políticoProfessor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e cientista político, Rodrigo Prando não vê, contudo, uma mudança de postura, mas de discurso. Segundo ele, o presidente, enquanto deputado, nunca foi liberal, ou seja, nunca foi defensor de menos gastos públicos e menos participação do Estado em determinadas atividades. "Sempre foi corporativista, intervencionista", afirma. Mas um crítico obstinado de projetos da oposição, especialmente do governo Lula e do PT. >
"O presidente atribuiu a Paulo Guedes a agenda econômica liberal, mas sem entender o que isso significa. Porque liberal mesmo ele nunca foi", disse.>
Rodrigo Prando
Cientista PolíticoPara Prando, não há dúvidas que no pano de fundo do discurso de Bolsonaro há uma clara tentativa de permanecer no poder e aumentar o capital político em 2022. >
Ele não abandonou só a crítica ao Bolsa Família, mas vários outros discursos como o combate à corrupção, à velha política do Centrão, o Ministério técnico que ele prometeu construir, mas viu diluído com a saída de ministros. Bolsonaro não tem nenhum compromisso a não ser com sua própria manutenção no poder, declarou. >
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