Publicado em 5 de agosto de 2020 às 13:28
Quando era deputado federal, Jair Bolsonaro (sem partido) considerava a CPMF Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras, cobrada a partir de 1998, inicialmente para financiar a saúde uma "desgraça" ou uma "proposta insana". Agora, presidente da República, ele já adota palavras bem menos agressivas para se referir ao tributo e confirmou ter dado aval ao ministro da Economia, Paulo Guedes, para discuti-lo na segunda parte da reforma tributária, proposta pelo governo.>
A criação de um novo imposto nos moldes da CPMF contrariaria as opiniões sustentadas por décadas pelo presidente, desde 1995, quando era parlamentar, e também as promessas de campanha dele, reforçadas na época por seus filhos e por integrantes de seu governo, como o atual ministro da Cidadania Onyx Lorenzoni.>
O mais provável é que o tributo sofra uma remodelagem: mudaria de nome, podendo se chamar ITF (Imposto sobre Transações Financeiras), e se tornar, portanto, mais amplo. O governo ainda sustenta a tese de que se trata de uma substituição de tributo, e não da criação de um imposto. Entra o imposto sobre transações, sai a contribuição patronal ao INSS, e sem haver aumento da carga tributária.>
Bolsonaro ainda não deu previsão sobre quando a segunda parte da reforma tributária do governo será encaminhada ao Congresso. Mas a equipe econômica tem se debruçado na formulação dessa medida, já que a estratégia para o pós-pandemia está cada vez mais dependente da criação do imposto, segundo especialistas. >
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Em 1995, quando o Ministério da Saúde buscava uma fonte permanente de recursos para a pasta, surgiu a proposta de criar a Contribuição sobre a Movimentação Financeira (CMF). Naquele ano, Bolsonaro afirmou, na tribuna da Câmara dos Deputados, que a proposta era "insana". >
"Da minha parte, não pouparei esforço no sentido de evitar que o sofrido povo brasileiro seja obrigado a pagar mais imposto, quando todos sabem que irá para o saco sem fundo da saúde, que em última análise servirá apenas para oxigenar melhor o câncer da corrupção, tão 'próspero' naquele órgão.">
Aprovada no fim de 1997, a CPMF começou a ser cobrada em 1998. Como tinha prazo limitado de vigência, o tributo foi sendo prorrogado de tempos em tempos. Em março de 1999, Bolsonaro afirmou na tribuna da Câmara que o então ministro da Fazenda, Pedro Malan, disse em entrevista que a criação da CPMF havia sido bem recebida pelos investidores estrangeiros. >
"Com toda certeza, a agiotagem passou a noite toda 'bebemorando essa desgraça aprovada por esta Casa", discursou. >
No dia seguinte, voltou a criticar. "A CPMF nada mais é do que um imposto regressivo, cumulativo, inflacionário e mais uma carga para os nossos equipamentos produtivos, para o bolso dos trabalhadores e do nosso povo e mais uma penalidade deste governo e deste Congresso.">
Em 2003, o PFL fez uma tentativa de eliminar a CPMF, e Bolsonaro a encampou. Ele também comparou a rejeição da população pelo tributo, como contraponto ao apoio à redução da maioridade penal. "Qualquer pesquisa indica, no mínimo, 85% dos votos favoráveis à redução da maioridade penal", disse, em maio de 2007. "Gostaria que aceitasse também o desafio da CPMF. Qualquer pesquisa mostra que, no mínimo, 90% dos votos são favoráveis ao fim da CPMF!">
A CPMF vigorou até 2007, ano em que Bolsonaro votou contra a sua prorrogação, na Câmara.>
Em 2015, quando o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, anunciou a intenção de recriar o tributo, Bolsonaro o associou a Cuba. >
Antes das eleições presidenciais de 2018, Bolsonaro desmentiu os rumores de que um governo seu recriaria o tributo e, na época, chegou a desautorizar Paulo Guedes.>
Bolsonaro também vinculou o tema com seu posicionamento liberal na economia. "Nossa equipe econômica sempre descartou qualquer aumento de impostos.">
No último domingo (2), após ter confirmado que deu aval para que Paulo Guedes discuta a criação de um novo imposto nos moldes da CPMF, Bolsonaro disse ter cobrado que esclareça no debate que não se trata de um novo imposto, mas de uma substituição tributária.>
"Então, falei com ele, quando for apresentar a vocês, botar os dois lados da balança. Se o povo não quiser, [...] se não quiser mexer, deixa como está", afirmou o presidente.>
Jair Bolsonaro
Presidente da República, no último domingo, 2 de agostoA mudança da concepção defendida por tantos anos tem como fundamento uma tentativa de sobrevivência política, para o economista e professor da Ufes, Celso Bissoli. Embora Bolsonaro sempre tenha dito ser contra o aumento de impostos e a favor da diminuição do tamanho do Estado, em seus discursos, a situação econômica desfavorável pós-pandemia faz com que ele tenha que pensar em um aumento de receita. >
"Ele já iniciou o governo em situações adversas, esperando um resultado de deficit, e a pandemia piorou ainda mais, causou uma paralisação na economia. Agora, ele já chega à metade do mandato sem resultados expressivos e começa a se preocupar, pois precisa ter algo a apresentar ao eleitor quando for tentar a reeleição. Um imposto como a CPMF tem uma facilidade no controle e na forma de arrecadar, pois é certo que vai gerar receita", analisa. >
A alegação do governo de que a criação do imposto não aumentaria a carga tributária, pois o novo tributo compensaria a redução de outras taxas, é algo de difícil execução, segundo o professor. Isso porque a alíquota necessária para desonerar toda folha de pagamento seria alta e traria efeitos negativos para a economia.>
Bissoli destaca que a mudança de postura é algo comum entre políticos, nesses quesitos técnicos. "Há políticos não tão bem instruídos do ponto de vista técnico e que, para fazer média com o eleitorado, defendem propostas para poder marcar posição. A questão é que agora ele está com o problema na mão. O desempenho do governo dele vai depender disso, não só para o aumento da arrecadação financiar a gestão, mas também porque essas reformas sempre foram bandeiras dele. É algo impopular, mas que ele aceitou mudar de ideia, senão corre o risco de o governo afundar", comenta.>
O professor da UVV Rafael Cláudio Simões avalia que como o governo tem uma situação fiscal precária, com recuperação econômica comprometida e que será possivelmente lenta, a estratégia agora é arranjar "dinheiro novo", diante de todas as necessidades de gastos e seu interesse eleitoral. >
"Ele quer arrumar dinheiro para poder ter realizações para mostrar na campanha, e isso o faz aceitar até mesmo esse tributo tão impopular. Mas esses planos podem enfrentar dificuldade, pois por mais que ele tente atrair o Centrão, ele não tem uma base forte, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é declaradamente contra a CPMF. Essa proposta cria uma contradição com a base do Bolsonaro, que se diz ultraliberal, e será difícil de compatibilizar", afirma.>
Esse tipo de tributo é criticado por ser um imposto de efeito cumulativo. Ele incide sobre todos os agentes e diferentes etapas da cadeia produtiva, o que acaba onerando não só o sistema financeiro, mas também toda a economia. >
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