Publicado em 25 de agosto de 2020 às 06:00
A "trégua" dada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que, durante as últimas semanas, evitou comentários mais duros e reduziu o número de declarações no "cercadinho" do Palácio do Planalto como o aconselhou o ex-presidente Michel Temer (MDB) chegou ao fim. No último domingo (23), em uma visita à Catedral de Brasília, Bolsonaro se irritou com a pergunta de um jornalista sobre o repasse de R$ 89 mil de Fabrício Queiroz para a primeira-dama Michele Bolsonaro e disse que sua vontade era "encher a boca" do repórter "com uma porrada". >
O evento agitou as redes. Apoiadores bolsonaristas, como o blogueiro Allan dos Santos, um dos investigados no inquérito das fake news, chegaram a divulgar uma versão falsa da frase de um ambulante que estava no local em que Bolsonaro fez ameaças ao jornalista, tentando atribuir uma falsa provocação ao repórter. >
A rede apoiadora do presidente, aliás, não diminuiu o ritmo durante a hibernação de Bolsonaro. Enquanto o presidente evitava temas controversos, lideranças de seu grupo político mantiveram o fluxo de postagens, com ameaças aos Poderes e desinformação.>
A ameaça ao jornalista gerou um aumento nas menções negativas a Bolsonaro no Twitter. A pergunta não respondida pelo presidente foi republicada por diversos usuários: "Presidente @jairbolsonaro, por que sua esposa, Michelle Bolsonaro, recebeu R$ 89.000,00 em depósitos de Fabrício Queiroz?".>
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Nesta segunda-feira (24), em discurso no evento "Brasil vencendo a Covid-19", realizado na sede do governo federal, ele voltou a criticar a imprensa ao dizer que um jornalista "bundão" tem menor chance de sobreviver à doença, caso contraísse o novo coronavírus.>
Após uma semana em que Bolsonaro comemorava o crescimento de sua popularidade, como apontou o Datafolha, alavancada pela boa aceitação do auxílio emergencial pelas pessoas de menor renda, o que teria motivado a reação do presidente?>
Para o cientista político Leandro Consentino, a nova postura de Bolsonaro pode ter sido tanto um deslize, ao se descontrolar depois de uma pergunta desconfortável, mas também pode ter sido estratégica, com o presidente dando um sinal para os "bolsonaristas raiz", aqueles que são mais fiéis ao seu discurso.>
"A popularidade dele aumentou com um apoio que ainda precisa ser testado, que parece ser efêmero e motivado pelo auxílio emergencial. O que ele tem consolidado é esse bolsonarista raiz, eleitores mais conservadores. Então, essa ruptura com este perfil menos avesso a polêmicas, pode, sim, ter sido uma estratégia, já que ataques à imprensa alimentam a narrativa construída nessas redes, de que ele é perseguido pela mídia. Por outro lado, é curioso que o tema Queiroz, que o fez silenciar há algum tempo e encerrar uma entrevista, agora, o faz se irritar. Ou seja, é um ponto doloroso o suficiente para tirá-lo do sério", analisa.>
Um dos frutos da versão "paz e amor" de Bolsonaro foi a sua aproximação com o Congresso, reabrindo o diálogo com o Legislativo, sobretudo com o apoio do Centrão. Contudo, a retomada ao perfil mais agressivo do presidente pode causar maior desgaste em sua base, já que, por ser ano de eleição, nem todos parlamentares estariam dispostos a votar com o governo e a defendê-lo, enquanto Bolsonaro cria tensão com jornalistas.>
Humberto Dantas
Cientista político"Há uma vaga a ser aberta em breve no Supremo Tribunal Federal (STF) e assim vai aumentando o preço deste apoio, sendo que quem acaba pagando são os brasileiros", ressalta o cientista político Humberto Dantas.>
Outro impacto que o modo ofensivo de agir e falar de Bolsonaro pode causar é o de acelerar o andamento dos processos que estão relacionados a ele, como o inquérito das fake news e o próprio caso Queiroz.>
"Temos percebido que há no Ministério Público e no Judiciário uma espécie de ativismo judicial, principalmente depois da onda lavajatista, cujas ações são movidas pela temperatura da opinião pública. Não é como deveria ser, mas é o que temos visto na atualidade. Por isso, ao criar mais tensão, Bolsonaro pode, sim, atiçar esses Poderes contra si", aponta Leandro Consentino.>
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