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Gays com Bolsonaro: o que pensam os LGBTs que apoiam o presidente

Gays com Bolsonaro: o que pensam os LGBTs que apoiam o presidente

Conservadores e em sua maioria cristãos, eles possuem pautas bem diferentes do movimento e ativismo LGBTQ+. Para eles, a sexualidade vem em segundo plano

Publicado em 3 de agosto de 2020 às 08:11

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Movimento Gays com Bolsonaro tem crescido nos últimos dois anos
Movimento Gays com Bolsonaro tem crescido nos últimos dois anos. (Arquivo Pessoal)

"Nossa bandeira não é a sexualidade, nossa bandeira é o Brasil." A frase, que muito se assemelha ao slogan da campanha presidencial de Jair Bolsonaro (sem partido), "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", representa um grupo que, mesmo com as constantes declarações homofóbicas do chefe do Executivo federal, tem surgido no país nos últimos dois anos: o de LGBTs que apoiam o presidente.

Conservadores e em sua maioria cristãos, eles não se enxergam no papel de minoria. Contestam os valores defendidos pela militância LGBTQ+ e, em certa medida, são contra direitos conquistados nos últimos anos, pois interpretam como uma ameaça à sociedade e à família tradicional. Acreditam que a sexualidade é uma questão a ser tratada a quatro paredes e discordam, em sua maioria, de demonstrações públicas de afeto homossexual.

As bandeiras que os grupos de homossexuais conservadores carregam os aproximam do presidente: são a favor do armamento da população, contra o aborto e criticam a intervenção do Judiciário em decisões no país, como a recente criminalização da homofobia, que também foi reprovada por Bolsonaro.

"O Brasil não é só o país que mais mata gays, mas o país que mais mata pessoas. Não há motivos para essa especificação. Comparar homofobia ao racismo não faz sentido, gay não é uma raça", justifica Dom Lancelotti, criador do movimento Gays com Bolsonaro, um dos maiores grupos que conecta LGBTs de direita e conservadores em todo o Brasil, inclusive no Espírito Santo.

Dom é advogado, tem 31 anos, nasceu e foi criado em Fortaleza, no Ceará. Enfrentou preconceito, assim como a maioria dos homossexuais, ao contar sobre sua orientação sexual para a família. Mais difícil, segundo ele, foi encontrar pessoas LGBTs que não possuíam ideologias alinhadas à esquerda, com a qual ele diz nunca ter se identificado.

Por causa disso, cresceu admirando o ex-deputado federal Clodovil Hernandes (PR), conhecido por ser um gay de direita e ir contra pautas do movimento LGBTQ+ no Congresso. "O Clodovil era uma opinião divergente no meio gay e sempre foi julgado pela postura conservadora. Mas eu sempre me vi nos princípios que ele defendia, de manutenção da família, religião. Ele não tinha orgulho de ser gay, tinha orgulho de ser cidadão, de defender o país", declarou.

Em 2016, pesquisando sobre política, Dom conheceu a organização conservadora "Gays for Trump", criada por Peter Boykin para apoiar Donald Trump na eleição presidencial dos Estados Unidos. O presidente americano também é famoso pela postura homofóbica e misógina no comando do país e, sobretudo, nacionalista. A partir disso, entrou em contato com Boykin e recebeu ajuda para criar uma rede parecida no Brasil.

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Sempre achei bonito o sentimento de patriotismo americano, algo que a gente não via aqui. Mas em 2018, quando soube que Jair [Bolsonaro] seria candidato a presidente, vi nele a figura que representava esse projeto, de colocar o Brasil como prioridade. E foi então que decidi criar uma rede de apoio a ele, até para romper esta ideia de que gays tinham que ser de esquerda

Dom Lancelotti
Criador do Grupo Gays com Bolsonaro
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Dom criou o perfil Gays com Bolsonaro no Instagram e no Twitter. Foi ganhando adeptos, pessoas interessadas em fazer parte da rede e contribuir com ideias. Atualmente, além da visibilidade que possui nas redes sociais, com mais 30 mil seguidores, o grupo tem encontros físicos pelo país e participa de manifestações a favor do presidente, com representantes em quase todos os Estados. 

O grupo é bem heterogêneo, segundo Dom, inclusive nas demandas. "Há pessoas que acreditam que dois homens não formam uma família, que não querem casar. Outros que querem, têm vontade de adotar e ter filhos. Uns não querem doar sangue, outros são a favor. O grupo é bem diversificado nessas questões e as pessoas têm que ter liberdade para fazer o que quiserem com a própria vida. O que a gente busca é o respeito pelo individualismo. Não somos um modelo engessado que tem pautas únicas”, declarou.

“Eu mesmo acredito que família é o que está escrito na Constituição, o homem e a mulher. E não sou eu quem falo isso, nem o Jair [Bolsonaro], é a lei. Mas eu quero ter um companheiro e adotar uma criança, só que o meu desejo não pode ser uma imposição ao movimento”, opina.

"AS PESSOAS NÃO TÊM QUE NOS ACEITAR"

No Espírito Santo, o grupo tem o ator Wilk Wanderson, 24 anos, como liderança. Formado em artes cênicas, ele também é cristão. A admiração por Bolsonaro surgiu nas aulas de teatro, quando um colega mencionou sobre as bandeiras do presidente. Wilk disse que por ter sido criado em um ambiente conservador e se considerar um, as ideias de Bolsonaro foram vistas por ele com admiração.

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Eu vi no discurso de Bolsonaro algo necessário: o conservadorismo, que nada mais é do que a manutenção de tudo que deu certo na sociedade e nos trouxe até aqui, como a religião, a preservação da família e da vida. Mas que a militância LGBT tenta confundir as pessoas, com propostas de ideologia de gênero, por exemplo. Eu fui criado em um ambiente conservador e isso não interferiu no meu direito de ser gay. E é para isso que eu luto, pelo respeito de ser quem a gente é, mas sem desrespeitar o que os outros pensam

Wilk Wanderson
Ator
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Além da rede Gays com Bolsonaro, Wilk também participa de outros movimentos, como o Direita Capixaba, que reúne apoiadores do presidente no Espírito Santo. Segundo o ator, suas pautas se assemelham mais às demandas da direita no Estado do que ao ativismo das minorias sexuais. Por causa disso, diz ser bem acolhido em outros grupos e não sofrer preconceito.

"Sempre fui bem recebido, nunca precisei ficar expondo a minha sexualidade ou militando. Todos sabem que eu sou gay e respeitam, mesmo não aceitando. E é isso que é preciso deixar claro, as pessoas não têm que nos aceitar, mas nos respeitar", comenta.

Wilk Wanderson durante manifestação a favor do presidente
Wilk Wanderson durante manifestação a favor do presidente. (Arquivo Pessoal)

Para o pesquisador e doutorando em Antropologia pela USP, Lucas Bulgarelli, "há discriminação e acolhimento simultaneamente em espaços conservadores". A presença de LGBTs, neste contexto, é favorável para os discursos desses movimentos, de que todos são iguais e não há discriminação. Bulgarelli afirma que a existência de pessoas LGBT de direita ainda é inconcebível para muita gente, mas precisa ser tratada como algo que não é novo e tem crescido na sociedade.

“Muito embora o movimento LGBT tenha se constituído em uma relação mais próxima com partidos de esquerda, até pelo intercâmbio de lutas, da sua própria formação política, de redemocratização, não dá para dizer que todos os homossexuais pensam assim. A ideia de pessoas LGBT de direita é antiga e tem raízes em partidos como PSDB em São Paulo, por exemplo. Nem todo LGBT é militante, se considera progressista e prioriza as demandas coletivas em detrimento das individuais. E isso tem crescido no país, juntamente com movimentos de extrema direita e conservadores, o que não era tão óbvio anos atrás", explica.

DECLARAÇÕES HOMOFÓBICAS DO PRESIDENTE NÃO INCOMODAM

A existência de grupos como Gays com Bolsonaro certamente causa estranheza devido ao histórico de declarações homofóbicas do presidente. Sua carreira política foi construída, sobretudo, em meio a polêmicas e discursos de ódio contra minorias, entra elas os homossexuais. Bolsonaro já defendeu a castração química, chegou  a dizer que a homossexualidade está relacionada a um erro na educação dos pais e que preferia um filho morto a homossexual. 

É claro que o presidente não tem a simpatia e muito menos o apoio do movimento LGBTQ+, que busca, entre outras demandas, igualdade social e de direitos. Mas a situação é diferente com os grupos conservadores, que não veem confronto nas declarações de Bolsonaro.

“Quando o Jair fala que prefere ter um filho morto do que gay ou que um casal gay numa vizinhança acaba desvalorizando um imóvel, é algo surreal, mas que a gente já ouviu até dos nossos familiares. Eu já ouvi do meu pai que eu tinha morrido para ele”, diz Dom.

“O presidente e meu pai foram criados em uma mesma sociedade, em uma época diferente, em que homossexualidade era considerada doença. Tudo que eles falam é por desconhecimento, porque a ideia que eles têm de LGBT é esta que o movimento leva pra rua, algo imoral, que provoca. A conscientização hoje está sendo feita de forma errada. O movimento LGBT se perdeu, virou uma agenda que não traz avanços. E o que a gente propõe é que isso seja debatido de outra forma”, completa.

Wilk e Dom, durante protesto em Brasília
Wilk e Dom, durante protesto em Brasília. (Arquivo Pessoal)

Para Bulgarelli, desacreditar as falas homofóbicas de Bolsonaro ou sua real intenção é um movimento comum dentro da rede de LGBTs conservadores. Para eles, a falta de conhecimento justifica o comportamento do presidente, assim como de várias pessoas que possuem atitudes homofóbicas. No entanto, ele pontua que a opinião destes grupos não representa o movimento LGBTQ+ e nem mesmo a militância como um todo.

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Por mais que discordem de ideologias de esquerda, eles acabam se colocando contra conquistas importantes da população, e gerando conflitos. Quando você faz parte de uma minoria, mas se mostra contrário às suas reivindicações, não se entendendo como parte dela, você exerce uma representatividade que não representa

Lucas Bulgarelli
Pesquisador e doutorando em Antropologia pela USP
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“A militância LGBT é marcada por uma noção política de maior alcance e está atrelada à questão da luta pela igualdade de direitos, fazendo uma intersecção com movimentos contra o racismo, o machismo. Esses grupos conservadores se opõem a isso. Eles defendem que o ativismo não pode se resumir à luta pela causa LGBT, priorizam a ideia de cidadão, de que são brasileiros. A ideia de que são gays, mas não atuam como gays, e sim em sociedade. Eles colocam o fato de serem brasileiros em primeiro plano, e em segundo, a orientação sexual e o gênero, o que é bem diferente de um movimento social, que possui pautas coletivas”, acrescenta.

Esse sentimento nacionalista, da defesa do país em primeiro lugar, é o principal aspecto que faz com que, apesar da aprovação da gestão de Jair Bolsonaro ter caído no Brasil, ela continua sendo bem avaliada pela grande maioria dos grupos LGBT conservadores. Dom acredita que mesmo com as recentes polêmicas envolvendo o nome de Bolsonaro, o presidente tem feito um trabalho que merece ser elogiado e permitido que grupos de direita ganhem espaço. 

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Antes, a gente não tinha voz, ninguém nos enxergava. Desde que o Jair assumiu, o Brasil é outro. Conseguimos, há uma semana, marcar um encontro com a Damares [ministra da Mulher e da Família] para conversar. Isso nunca tinha acontecido. Não vou dizer que estou satisfeito, porque a gente nunca está, mas estou feliz. Estamos no caminho certo

Dom Lancelotti
Advogado
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"Somos um grupo que quer auxiliar a opinião pública, a direita que está crescendo no país. Mas a ideia não é só trazer nossa bandeira e esquecer o resto, temos muitas outras preocupações além da sexualidade. É por esse projeto de Brasil que Bolsonaro tem conduzido, que nós acreditamos e temos nos inspirado", finalizou Wilk. 

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