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Publicado em 14 de novembro de 2025 às 09:13
Em meio a uma taxa de desemprego que atingiu o menor patamar desde 2012, o setor produtivo do Espírito Santo tem encontrado dificuldade de preencher vagas de trabalho. O fenômeno, popularmente conhecido como "apagão de mão de obra", tem gerado queixas, especialmente em setores como supermercados e construção civil. >
Especialistas apontam que vários fatores estão relacionados a esses desafios do mercado de trabalho. As influências vão desde o aquecimento da economia e as mudanças demográficas até uma nova mentalidade das gerações mais jovens, passando ainda por condições de trabalho pouco atrativas. >
A queda contínua no desemprego indica um mercado de trabalho aquecido, mas também cria uma perspectiva diferente para quem está à procura de mão de obra.>
"Se tenho uma taxa de emprego que está cada vez maior e o desemprego está menor, quer dizer que há mais emprego. Vou ter, na verdade, uma demanda maior por mão de obra. Quer dizer, preciso contratar mais pessoas. E aí, nessa hora, vai faltar opção de profissional no mercado", explica a economista e conselheira do Conselho Regional de Economia do Espírito Santo (Corecon-ES) Adriana Rigone. >
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Marília Silva, economista-chefe da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), reforça que esse cenário reflete o comportamento típico de economias aquecidas, gerando competição por trabalhadores, principalmente os já qualificados para as funções.>
“Outros fatores que têm intensificado esse cenário são as mudanças demográficas, especialmente o envelhecimento da população, somado à queda da natalidade, que tem levado a um ritmo mais lento de crescimento da população em idade ativa. Há ainda o surgimento de novas formas de trabalho, principalmente por meio das plataformas digitais, que conectam trabalhadores e clientes. Essas novas alternativas acabam atraindo trabalhadores pela maior autonomia na jornada de trabalho, sobretudo os mais jovens, que valorizam essa flexibilidade, mas geralmente passam a atuar em vínculos frágeis e pouco formalizados”, afirma Marília.>
Para especialistas, vários elementos se combinam para explicar por que as vagas não são preenchidas, mesmo com pessoas disponíveis no mercado.>
Uma das mudanças mais significativas está no comportamento dos jovens que entram no mercado de trabalho. Segundo Adriana Rigone, a nova geração faz escolhas muito diferentes das anteriores. Para esse grupo, o trabalho precisa ter um propósito e valer a pena do ponto de vista do esforço.>
Antônio Ricardo Rocha, diretor de Integração e Projetos Especiais do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), faz avaliação semelhante. "A geração de hoje não está preocupada em criar vínculos de emprego. Ela quer desafio.">
Esse novo perfil valoriza a autonomia, a criatividade e o empreendedorismo, o que leva muitos a preferirem trabalhos por conta própria ou a acumularem "bicos", em vez de se prenderem a um emprego formal.>
Diante disso, setores que oferecem baixos salários de entrada, jornadas inflexíveis e trabalho em fins de semana e feriados enfrentam maior dificuldade de contratação. Antônio Rocha introduz o conceito de "salário reserva", que é o valor mínimo pelo qual uma pessoa se dispõe a trabalhar. "Esse salário reserva hoje está mais alto", diz o gestor, ressaltando que isso torna o salário mínimo pouco atrativo para muitos.>
Nesse contexto, a flexibilidade tornou-se um grande atrativo para quem quer entrar no mercado de trabalho. Jovens, ao compararem um emprego formal com a possibilidade de trabalhar por conta própria, percebem que podem ter mais autonomia e ganhos maiores sem precisar bater ponto ou lidar com a rigidez de um vaga tradicional.>
O envelhecimento da população e a queda na taxa de natalidade também resultam em menos jovens ingressando no mercado de trabalho, um fator demográfico que influencia a oferta de mão de obra. >
Além disso, há uma carência de trabalhadores com qualificações específicas para determinadas funções, como nos setores de logística, construção e metalmecânica, lembra Adriana Rigone.>
Marília Silva diz que vem sendo observada uma barreira de entrada no mercado de trabalho para pessoas com menor escolaridade, que permanecem mais tempo desempregadas. >
“De fato, há uma preocupação com a falta de mão de obra qualificada, com as empresas sinalizando isso em algumas pesquisas, como as sondagens setoriais. Essa situação tende a se potencializar à medida que o avanço tecnológico e o surgimento de novas funções passam a exigir dos trabalhadores novas habilidades e a constante requalificação deles”, frisa.>
Para entender melhor o cenário e onde estão as pessoas fora do mercado, os especialistas apontam que é preciso avaliar números da "população fora da força de trabalho", um grupo que, segundo dados da Pnad Contínua, não está empregado nem procurando emprego ativamente. >
Marília Silva afirma que, no Espírito Santo, esse grupo é majoritariamente composto por mulheres (65%). Muitas delas assumem tarefas domésticas e de cuidado, o que as impede de ingressar no mercado de trabalho. Jovens que se dedicam exclusivamente aos estudos e idosos aposentados também fazem parte desse contingente.>
Dentro desse universo, há também os "desalentados", pessoas que gostariam de trabalhar, mas desistiram de procurar emprego após tentativas frustradas.>
“Devemos olhar com atenção para a força de trabalho potencial, onde estão aquelas pessoas que gostariam de trabalhar e teriam condições para isso caso surgisse um vaga, principalmente os desalentados, que procuraram emprego repetidamente, mas acabaram desistindo por não encontrarem oportunidades. É fundamental compreender as reais motivações para que as pessoas estejam fora do mercado de trabalho e encontrar formas de estimulá-las a retornarem”, ressalta a economista da Findes.>
Um dos caminhos apontados pelos especialistas para o mercado ser mais atrativo para essas pessoas passa pela adaptação das empresas a essa nova realidade.>
"As empresas vão ter que trabalhar na atratividade da mão de obra. Para preencher suas vagas, vão precisar pensar na questão das condições, o que não envolve só o salário", observa Antônio Rocha.>
Essa atratividade passa por oferecer benefícios, além de proporcionar flexibilidade de horários, possibilidade de trabalho remoto e, principalmente para os jovens, desafios que os mantenham engajados. Além disso, as empresas precisarão assumir uma parcela maior da responsabilidade pela formação de seus funcionários. >
"O próprio mercado também vai ter que entender que tem uma condição social e assumir uma parte dessa responsabilidade, como treinar a mão de obra e oferecer formação e capacitação", lista Adriana Rigone.>
Já Marília Silva avalia que, diante do cenário atual de grande procura e pouca disponibilidade de mão de obra, os trabalhadores passam a ter um maior poder de escolha e tendem a priorizar oportunidades que ofereçam condições mais vantajosas para si. >
“Então, a remuneração acaba realmente sendo um desses atrativos, junto com outros incentivos que considerem interessantes, como maior flexibilidade de horários e a possibilidade de trabalho remoto em determinadas funções, principalmente para os trabalhadores mais jovens e qualificados”, complementa.>
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