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Covid-19 e a falsa noção de normalidade no ES: especialistas explicam

Covid-19 e a falsa noção de normalidade no ES: especialistas explicam

Apesar do agravamento da pandemia, mais capixabas estão vivendo como se nada estivesse acontecendo; entenda as motivações e as consequências desse comportamento

Publicado em 6 de julho de 2020 às 17:23

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Praia da Sereia, em Vila Velha
As areias da Praia da Sereia, em Vila Velha, ficaram movimentadas durante finais de semana de junho . (Ricardo Medereiros)

Há duas semanas, o Espírito Santo registrou um recorde de mortes: foram 59 em apenas 24 horas. Neste domingo (5), o Estado superou a marca de 1.800 óbitos e de 53 mil casos do novo coronavírus. A pandemia está avançando para o interior e ainda não parou de crescer na Grande Vitória. Ainda assim, parte dos capixabas está enchendo as praias e se reencontrando com amigos e familiares, como se nada estivesse acontecendo.

Para tentar entender esse comportamento contraditório, que vai na contramão do isolamento social recomendado e implica em maior risco de contágio para todas as pessoas, A Gazeta conversou com dois especialistas: o psicólogo Adriano Pereira Jardim e o sociólogo Marcelo Fetz. Ambos professores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

AS EXPLICAÇÕES

Entre eles, há duas unanimidades: o individualismo, já presente na sociedade brasileira antes da pandemia; e a pressão psicológica imposta pelo confinamento. Os dois fatos estão intimamente interligados, já que o primeiro dificulta o entendimento do quão necessário é o segundo, apesar de todas as dificuldades.

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Vivemos em uma sociedade extremamente individualista. E, por isso, muitas pessoas têm dificuldade de entender que a ação individual pode gerar um dano coletivo. Elas pensam que as decisões que elas tomam afetam apenas a esfera individual. Mas, na verdade, podem implicar em problemas de natureza coletiva

Marcelo Fetz
Sociólogo e professor da Ufes
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Além disso, o sociólogo também explicou que a pandemia é como uma “fratura no cotidiano”. “Há uma dificuldade para entender o que está acontecendo, porque as pessoas não foram educadas a enfrentar situações como essa, um evento massivo de saúde pública”, explica Marcelo.

 A pandemia do novo coronavírus gerou diversas mudanças no funcionamento psicológico da sociedade
Ver as pessoas na rua torna ainda mais difícil o isolamento social para quem se mantém dentro de casa. (Freepik)

Juntas, a cultura individualista e a fragilidade do entendimento acerca da situação atual ainda são somadas ao excesso de informações negativas e à falta de perspectiva. O resultado? Pressão psicológica. “Não é como se estivéssemos de férias. Surgem quadros de depressão, ansiedade e angústia”, afirma Adriano.

Para se defender, então, há aquelas pessoas que recorrem a um mecanismo irracional de defesa chamado negação. “Às vezes, encaramos o problema e o aceitamos como ele é. Em outras, fingimos que nada está acontecendo e nos recusamos a lidar com uma realidade profundamente alterada”, explica o psicólogo.

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Por mais que a negação seja um mecanismo psicológico compreensível, é preciso entender que, nesse momento, com essa pandemia, ele implica necessariamente em uma ação tremendamente nociva para a sociedade

Adriano Pereira Jardim
Psicólogo e professor da Ufes
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Surge então mais uma contradição humana, apontada pelo sociólogo Marcelo Fetz. “Ao mesmo tempo em que temos o caráter individualista, nessa situação em que somos jogados para dentro de casa e obrigados a ficarmos a sós, sentimos falta do coletivo”, esclarece.

EFEITO MANADA: UM RISCO AINDA MAIOR

Todo mundo sabe que há pessoas que não têm condições de fazer o isolamento social por questões socioeconômicas. No entanto, quando quem poderia ficar dentro de casa resolve “deixar para lᔠe sair para curtir uma tarde na praia ou uma janta com os amigos, aqueles que ainda tentam manter o isolamento social acabam afetados.

Vitória - ES - Abertura do comércio na avenida Jerônimo Monteiro no Centro de Vitória.
Depois da reabertura, comércio já apresentou grande movimento no Centro de Vitória. (Vitor Jubini)

A principal consequência recebe o nome de efeito manada. “É um mecanismo de conformidade social, de fazer o que todo mundo está fazendo. Se as pessoas acham que a maior parte está saindo e esse comportamento é como um ‘dane-se’ para quem está em casa, essas pessoas podem acabar fazendo o mesmo”, explica Adriano.

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As pessoas tendem a aumentar o liminar de permissibilidade. Elas podem não abandonar o isolamento completamente; mas, em vez de ir apenas uma vez por semana ao mercado, por exemplo, elas vão duas ou três vezes, sem ver qualquer problema

Adriano Pereira Jardim
Psicólogo e professor da Ufes
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Além dessa reação perigosa e propícia para o contágio pelo novo coronavírus, surge entre algumas pessoas a revolta. “Há um aumento de tensão entre esses dois grupos, porque se observam de maneira antagônica, como rivais. Nas redes sociais esse aumento da tensão fica claro”, diz o sociólogo Marcelo.

ISOLAMENTO SOCIAL: ENTENDA A NECESSIDADE DA MANEIRA MAIS FÁCIL

Nesse contexto de maior rivalidade e abandono do isolamento social por parte da população, é comum alguém da parcela que continua confinada dizer que “essas pessoas só vão entender a gravidade da situação quando perderem alguém da família”. Do ponto de vista psicológico, essa é uma possibilidade.

“Passar por essa experiência que causa algum tipo de sofrimento é como se dificultasse a pessoa a usar o mecanismo de negação. Uma perda tende a aproximar as pessoas envolvidas de uma compreensão mais imediata da realidade”, explica Adriano. Por isso, se puder, fique em casa.

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