Publicado em 24 de abril de 2020 às 18:10
Ao anunciar sua saída do Ministério da Justiça e Segurança Pública e romper publicamente com o governo de Jair Bolsonaro, o ex-juiz federal Sergio Moro alegou que se demitiu "para preservar sua biografia". Apontando interferências do presidente na direção da Polícia Federal, Moro, que construiu sua imagem como um dos responsáveis e líderes da Operação Lava Jato, deixa o governo criando uma das crises mais agudas no mandato de Bolsonaro. >
Responsável pela condenação em primeira instância do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Moro é magistrado desde 1996. No Paraná, onde construiu sua carreira jurídica, começou a se especializar em crimes financeiros e teve como primeiro grande caso em suas mãos o escândalo do Banestado, entre 2003 e 2007, que apontou para uma evasão de dezenas de bilhões de reais do Banco do Estado do Paraná durante a década de 1990. >
Ele passou a ser figura reconhecida pelos brasileiros a partir de 2014, com a Operação Lava Jato, fortemente inspirada na operação Mãos Limpas, da Itália, que também levou lideranças políticas para a prisão. Alçado por alguns como "herói nacional", foi durante as investigações da Lava Jato que ele ganhou admiradores e adversários ao autorizar conduções coercitivas contra políticos, quebras de sigilo e assinar mandados de busca e apreensão e de prisão dos envolvidos na operação. >
As apurações conduzidas pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Polícia Federal apontaram Lula como principal articulador do esquema de propina da política brasileira. A cada nova delação premiada, a operação se aproximava do petista e o embate entre Moro e Lula foi ganhando status de grande duelo, principalmente pelos grupos antipetistas, que cresciam a cada nova operação.>
>
A peleja entre ele e Lula aconteceu em 2017, quando o juiz condenou o ex-presidente no caso do tríplex do Guarujá. Moro entendeu que Lula era o dono oculto do apartamento, que teria sido recebido como propina paga pela empreiteira OAS, em troca de benefícios em obras da Petrobras.>
Sergio Moro, ex- ministro da Justiça e Segurança Pública
Além de Lula, as investigações da operação colocaram boa parte dos partidos como recebedores de vantagens indevidas pelas maiores empresas do Brasil. A descrença com a classe política como um todo já que líderes do PSDB como Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckimin, até então principais opositores de Lula, também foram envolvidos ou citados pelo esquema abriu espaço para que o então deputado federal Jair Bolsonaro começasse a crescer e despontar como alternativa política.>
Apesar de experiente no Congresso, Bolsonaro, até então conhecido apenas por opiniões mais radicais, não tinha grande influência entre outros parlamentares. Mesmo assim, conseguiu se candidatar pelo PSL e acabou eleito. Popular pelo discurso da flexibilização do armamento e de maior agressividade na segurança pública, Bolsonaro também se elegeu graças ao apoio dos chamados grupos lavajatistas, em geral mais moderados, que viram nele a única opção para derrotar Lula em 2018.>
Ao vencer a disputa eleitoral, Bolsonaro anunciou alguns dias depois a já esperada nomeação de Sergio Moro como ministro, prometendo dar a ele carta branca para que continuasse a "caçada por corruptos". Contudo, ainda nos primeiros dias de governo, Bolsonaro e o ex-juiz começaram a bater cabeça.>
Ainda em janeiro de 2019, Moro se mostrou desconfortável ao anunciar a flexibilização da posse de armas. Algumas sugestões suas ao texto do presidente foram desconsideradas e, em entrevistas, ele evitava ser colocado como autor das propostas. A primeira alfinetada veio no mês seguinte, com a revogação da nomeação da advogada Ilana Szabó, defensora do desarmamento, do Conselho de Segurança Pública. Escolhida por Moro, Ilana foi duramente criticada por apoiadores bolsonaristas e o ministro teve que recuar.>
Em agosto, Bolsonaro pediu a mudança da superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro, a contragosto de Moro, que venceu uma primeira batalha, mantendo Ricardo Saadi a frente do cargo. Em seguida, o ministro acumulou derrotas com a perda do comando do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Banco Central; a saída definitiva de Saadi na PF do Rio; e a ameaça de desmembrar a Segurança Pública de seu ministério.>
Mesmo com um clima ruim com o presidente, nos bastidores dizia-se que Moro permanecia no cargo por uma suposta promessa de Bolsonaro de indicá-lo a uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). A nomeação favoreceria aos dois, já que a cadeira era um desejo do juiz e, assumindo o cargo, Moro estaria fora de uma possível disputa com Bolsonaro pela presidência em 2022.>
Nesta sexta-feira (24), quando terminou seu pronunciamento, as redes sociais já tinham inúmeras postagens que pediam a eleição do ex-ministro para presidente da república em 2022. O rompimento com Bolsonaro rachou os grupos de apoio ao presidente. Entre as tags utilizadas no Twitter as principais foram #Moro2022 e #MoroPresidente. Na maioria das postagens, perfis que apoiavam Bolsonaro descrevem decepção e associam Moro à imagem de herói. >
O pedido para que o ex-juiz ocupasse o cargo máximo do Executivo não é de agora. Com a força da Lava Jato, Moro já aparecia nas pesquisas de intenção de votos publicadas pelo Datafolha desde a corrida eleitoral de 2018. Em pesquisa feita pelo instituto FSB, em dezembro de 2019, o ex-ministro aparecia com 48% das intenções de voto em primeiro turno, porcentagem maior que a do próprio ex-presidente Lula, que ficou com 39%. Em um eventual segundo turno contra o atual presidente, a disputa ficaria empatada, ambos com 36%. Em levantamento feito pelo Atlas Político, em fevereiro deste ano, Moro aparece em terceiro lugar, com 20% das intenções, perdendo apenas para Bolsonaro e Lula.>
Desde que ganhou apoiadores que pediam sua ascensão à presidência, o ex-ministro sempre foi categórico ao dizer que não pretendia concorrer ao cargo, embora alguns parlamentares e aliados do governo afirmam que o movimento de pedir demissão seria, na verdade, para desassociar sua imagem à do presidente para concorrer ao pleito de 2022.>
A interpretação de que Moro estaria vislumbrando uma candidatura e os pedidos para que ele o faça ganharam força pelo tom de disposição presente no final do discurso. Após ressaltar que não poderia voltar à magistratura, o ex-ministro falou em procurar um emprego e terminou repetindo que a máxima do seu ministério sempre foi fazer a coisa certa sempre: Não enriqueci no serviço público. Nem como magistrado nem como ministro. E quero dizer que independentemente de onde eu esteja eu sempre vou estar à disposição do país para ajudar o que quer que seja.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta