O Todas Elas mobiliza ações que fortalecem a integridade e valoriza as mulheresna sociedade
O Todas Elas mobiliza ações que fortalecem a integridade e valoriza as mulheresna sociedade. Crédito: Fernando Madeira

De app a curso de qualificação: o que pode salvar mulheres de abusos no ES

Iniciativas desenvolvidas no Espírito Santo podem ajudar mulheres a livrarem-se de situações de violência, seja esta física, verbal, psicológica, moral, patrimonial ou, ainda, a violência sexual

Tempo de leitura: 6min
Vitória
Publicado em 10/04/2022 às 12h35

Interromper um ciclo de violência, especialmente quando esta ocorre no ambiente doméstico não é tarefa simples. Ainda assim, uma série de iniciativas desenvolvidas no Espírito Santo, que vão de aplicativos específicos a cursos de qualificação voltados ao público feminino, podem ajudar mulheres a livrarem-se de situações de abuso, seja este físico, verbal, psicológico, moral, patrimonial ou, ainda, a violência sexual.

Segundo o Atlas da Violência de 2021, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com parceria do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), o Espírito Santo ocupa a 11ª posição entre os Estados brasileiros no ranking de homicídios de mulheres, com média de 4,7 casos a cada 100 mil pessoas, no último levantamento.

A cada três dias, uma mulher é assassinada no Espírito Santo. A cada três assassinatos, um é classificado como feminicídio, isto é, crime motivado por violência doméstica ou discriminação de gênero. De janeiro a dezembro do ano passado, 106 mulheres foram mortas, entre as quais 38 estão no grupo de vítimas de feminicídio.

Uma das iniciativas que vem ao encontro do propósito de interromper o avanço dos indicadores é um sistema lançado recentemente pelo governo do Estado. Mediante autorização da Justiça, mulheres capixabas vítimas de violência doméstica poderão receber um smartphone que estará conectado a uma tornozeleira eletrônica que deverá ser utilizada pelo homem, e sempre que ele se aproximar além do permitido, ambos serão avisados. Caso ele não se afaste, a polícia será acionada automaticamente.

Um outro aplicativo, lançado em 2021 pela artista plástica Geisa Silva, ajuda a mapear os locais onde as mulheres forem vítimas de algum tipo de violência na Grande Vitória. Todas que se cadastrarem no programa serão avisadas, por um alerta, sempre que se aproximarem de um ponto não seguro, onde haja algum registro já apontado por outra vítima.

Recentemente, o governo do Estado realizou a primeira oferta de vagas do Qualificar ES Mulher On-line, uma forma de proporcionar autonomia financeira às mulheres. Foram 10 mil vagas exclusivas para mulheres, distribuídas em 10 cursos, com carga horária de 120 horas cada, e ofertadas por meio de uma parceria entre os programas Qualificar ES e o Agenda Mulher, coordenado pela vice-governadora do Estado, Jacqueline Moraes. 

Essas são apenas algumas das ações desenvolvidas no Estado, para amparar mulheres em situação de vulnerabilidade. Mas existem ainda outras iniciativas. A delegada Michelle Meira, gerente de Proteção à Mulher da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SESP) cita, por exemplo, a Patrulha Maria da Penha, programa de adesão voluntária por meio do qual agentes da Polícia Militar realizam visitas tranquilizadoras, inclusive para verificar se as medidas protetivas estão sendo cumpridas.

“Vale no Espírito Santo todo. Temos o SOS Maria, uma funcionalidade do app 190 ES, que permite o acionamento imediato da PM sem a necessidade de verbalizar ao call-center. Temos também a Casa Abrigo, que é destinada a mulheres em risco iminente de morte, onde podem permanecer por até 180 dias, e no dia 8 de março foi lançado o programa Mulher Segura, em que fazemos a integração de todos os projetos, mas com uma novidade que é o monitoramento eletrônico.”

Delegada Michelle Meira, coordenadora da Gerência de Proteção à Mulher (GPM) da Sesp
Delegada Michelle Meira, coordenadora da Gerência de Proteção à Mulher (GPM) da Sesp. Crédito: Divulgação/Sesp

Também vinculado à pasta da Segurança Pública, o programa “Homem que é homem”, que, segundo a delegada, visa a reeducação de homens que tiveram episódios de violência, é outro destaque.

Michelle Meira

Delegada, gerente de Proteção à Mulher da SESP

"Os projetos que criamos são alternativas para que tentemos interromper a violência, mas precisamos avançar na questão cultural. Ainda vivemos em uma sociedade muito machista, ainda temos muito que mudar, que melhorar "

“Há um peso maior sobre a segurança pública, mas é um trabalho que passa pela assistência, pela educação, pela saúde. É um trabalho intersetorial, uma rede de enfrentamento, que a gente às vezes não consegue que converse de maneira eficaz, e precisamos disso para atender essas mulheres da melhor forma.”

A juíza do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES), Hermínia Azoury, destaca que também há políticas públicas desenvolvidas pelo Judiciário, inclusive por meio da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência­ Doméstica e Familiar do TJES. Nos municípios da Grande Vitória, por exemplo, foram instaladas, há vários anos, varas específicas de combate à violência doméstica.

“Na hipótese de uma mulher sofrer uma violência de qualquer natureza, qualquer pessoa da sociedade pode denunciar. O anonimato é preservado. E não é só agressão física, é a violência verbal, a patrimonial, a psicológica, moral, sexual. Muitas das mulheres não identificam a violência que estão sofrendo e isso é visto nas próprias ocorrências. Mas quando registram ocorrência, qualquer juiz dessas varas pode emitir a medida protetiva de urgência (MPU).”

A juíza observa que há um artigo na Lei Maria da Penha (24-A) que já prevê a possibilidade de decreto da prisão preventiva do homem pelo descumprimento da medida protetiva e aponta que, na Capital, especificamente, mulheres vítimas de violência também podem ter acesso ao botão do pânico.

O equipamento é distribuído para mulheres que estão sob medida protetiva na 1ª Vara Especializada em Violência Doméstica de Vitória e pode ser acionado caso o agressor não mantenha a distância mínima garantida pela Lei Maria da Penha. Quando acionado, o equipamento envia informações sobre a localização da vítima à Central de Monitoramento que imediatamente envia a Patrulha Maria da Penha ao local.

A juíza Hermínia Azoury
A juíza Hermínia Azoury. Crédito: Chrystian Henrique

Além dessas ações, existe ainda o Juizado Itinerante da Lei Maria da Penha, que é um ônibus adaptado para atendimento do judiciário. Nele, além de psicólogos e assistentes sociais que prestam atendimento a mulheres vítimas de violência ou a seus familiares, há também salas do Ministério Público, da Defensoria Pública, uma sala de audiência e até cartório.

O ônibus cor-de-rosa percorre municípios do Espírito Santo, em especial aqueles em que não há varas especializadas de violência doméstica, e ali mesmo as mulheres conseguem a medida protetiva de urgência contra seus agressores.

Ônibus Rosa, do Juizado da Lei Maria da Penha
Ônibus Rosa, do Juizado Itinerante da Lei Maria da Penha . Crédito: OAB/Divulgação

“O Juizado Itinerante vai para vários municípios do Espírito Santo para informar sobre a Lei Maria da Penha. No mês passado, estivemos em Dores do Rio Preto. Em abril, vamos para Sooretama. É tudo agendado previamente”, explicou a juíza.

E complementou: “Nossa busca incessante é para que as mulheres tenham a proteção da lei de forma que as políticas públicas possam ser eficazes. Por mais que a gente lute, a violência doméstica nunca acaba. Os agressores às vezes recuam por medo da prisão, mas elas [mulheres] também demoram a denunciar. E nós temos incentivado para que não só denunciem, mas que busquem ajuda psicossocial.”

A advogada, mestra em direitos e garantias fundamentais e idealizadora do Coletivo Juntas e Seguras, Renata Bravo, observa que muitas vezes as mulheres demoram a identificar a violência sofrida, principalmente quando não se trata de uma agressão física.

“O principal caminho é construir uma rede cada vez maior de apoio a essas mulheres. É fundamental que tenhamos nas empresas, nos governos, nas associações de bairros, nas igrejas, em cada estrutura possível, um canal por meio do qual essas mulheres possam buscar ajuda quando preciso. Muitas vezes é difícil que se reconheçam vítimas, e isso não ocorre só com mulheres em situação de vulnerabilidade econômica. A violência não escolhe classe, nada disso. Então é preciso passar informações, é preciso criar caminhos.”

Renata Bravo, idealizadora do coletivo Juntas e Seguras e mestra em Direitos e Garantias Fundamentais
Renata Bravo, idealizadora do coletivo Juntas e Seguras e mestra em Direitos e Garantias Fundamentais. Crédito: Acervo pessoal

Renata pontua também que, em outros casos, as vítimas não denunciam por medo, ou ainda porque dependem dos agressores de alguma forma.

“Muitas vezes as mulheres dependem economicamente dos agressores, e elas precisam ter oportunidades, precisam ter qualificação, emprego. Muitas não denunciam porque ouvem que, se denunciarem, o pai vai preso e não vai ter quem coloque comida na boca dos filhos. Mas se elas têm autonomia financeira, pode ser que sintam-se capazes de romper o ciclo porque saberão que conseguirão sobreviver, que conseguirão alimentar os filhos.”

Renata Bravo

Advogada, mestra em direitos e garantias fundamentais e idealizadora do Coletivo Juntas e Seguras

"É importante empoderar, dar informação de qualidade para as mulheres. É fundamental que saibam onde buscar ajuda, que entendam a violência. Mas existem dois lados: as mulheres vítimas e os homens agressores. Precisamos romper a ideia de que isso [agredir] é ser um homem macho, viril."

"Precisamos modificar essa visão, e isso passa também pela educação. É preciso ensinar desde cedo que práticas violentas não são um caminho. Precisamos desse ensinamento na base. E não só nas escolas, mas nas igrejas e dentro das famílias", complementa.

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