Rebeca Nevares, executiva financeira e fundadora do Ellas
Rebeca Nevares, executiva financeira e fundadora do Ellas
Rebeca Nevares

"O dinheiro dá liberdade para a mulher escolher onde ela quer estar"

Executiva financeira criou escritório focado em ajudar mulheres a fazerem o dinheiro delas render

Tempo de leitura: 2min
Rebeca Nevares, executiva financeira e fundadora do Ellas
Publicado em 11/10/2020 às 17h02
Atualizado em 20/10/2020 às 12h10

Em discussões sobre investimentos, muito se fala em rendimento, liquidez, risco, lucro. Porém, Rebeca Nevares, executiva financeira especializada em ajudar mulheres a ter mais controle sobre o próprio dinheiro, quer acrescentar outro vocabulário na conversa: emoção, angústia, projetos, sonhos e, principalmente, liberdade.

“O dinheiro te dá liberdade de escolher estar onde você quiser, escolher estar nesse emprego, escolher estar nesse casamento, escolher viajar para tal lugar”, diz.

Com mais de 10 anos de experiência em bancos e corretoras, em 2019, Rebeca e quatro sócias viram que o mercado financeiro focava sua estratégia de divulgação e até de atendimento nos homens.

Elas propuseram à XP Investimentos a criação de um escritório focado em assessorar financeiramente mulheres e o público LGBTQ+. O sucesso foi instantâneo e, em maio deste ano, o Ellas se fundiu ao Monte Bravo, um dos maiores e mais antigos escritórios de investimentos do país.

Ela acredita que o público feminino ainda precisa romper uma barreira histórica e cultural para conseguir se planejar financeiramente no médio e longo prazo. Mas crê que o caminho está sendo construído.

“Mulheres só puderam abrir conta em banco em 1962. Antes disso, precisavam da autorização do pai ou do marido. É algo muito novo ainda. A gente está caminhando para olhar paras nossas finanças”, afirma.

Rebeca aponta que algumas particularidades do comportamento das mulheres, quando bem exploradas, podem levar a rendimentos maiores. Mas, para que esse potencial se concretize, é necessário que bancos e corretoras falem a língua delas.

“O difícil é ser simples e mostrar autoridade, tudo isso tendo empatia. O approach comercial é diferente. Dinheiro não é matemática, é comportamento. Temos que ir muito além de rentabilidade, de objetivos, de ‘quanto você quer ganhar no ano?’. Mas, para isso, é preciso um olhar diferente”, avalia.

Veja entrevista abaixo:

Por que as mulheres têm mais dificuldade em lidar com dinheiro, falar sobre dinheiro, do que os homens?

A gente precisa olhar para questões históricas. Se a gente parar para ver, os homens são investidores há muito tempo, há séculos, e isso já faz parte do dia a dia deles. Enquanto para mulheres essa construção de mexer com números, de ser investidora, é ainda muito recente. Mulheres só puderam abrir conta em banco em 1962. Antes disso, precisavam da autorização do pai ou do marido. Então, a gente vê que é algo muito novo ainda. A gente está caminhando para olhar para nossas finanças. Além disso, quando a gente é pequena todo mundo fala “menino é para a área de exatas e meninas para a área de humanas”. Quando a gente está na barriga das mães, alguém já diz “essa aqui vai gastar dinheiro”. Por mais que seja pequeno, aquilo vai nos mostrando que o lugar de finanças não é um lugar para mulheres. Vai criando um paradigma nas nossas cabeças e a gente acaba delegando isso para algum homem do nosso contexto social. Eu até brinco que a gente não delega, a gente “delarga”. A gente fala que aquilo é o homem que cuida, não é para mim, e dá na mão dele. Enquanto a gente está trabalhando, ganhando o nosso dinheiro, mas cuidar a gente delega para outra pessoa. Se você olhar, as outras gerações, como nossas mães e avós, sempre cuidaram do dinheiro do curto prazo, do orçamento doméstico. Isso é muito comum de as mulheres cuidarem. Se elas cuidam disso, por que também não podem cuidar do dinheiro do médio e longo prazo? Essa parte do patrimônio ela delega. A gente tem que olhar mais à frente, ter uma visão um pouco mais de longo prazo, para a gente também conseguir conquistar o nossos objetivos.

Mulheres são maioria entre os endividados e minoria entre investidores do mercado financeiro. Essas são consequências da delegação do controle sobre o próprio recurso?

O Brasil é um país que não olha para educação financeira. E a gente sabe o quanto isso impacta e tem consequências na vida adulta. Uma pessoa que não tem nenhuma visão de finanças enquanto criança, quando chega na vida adulta, simplesmente recebe o dinheiro e gasta. Mesmo que fale que quando ganhar mais vai conseguir guardar, quando ela ganha mais ela gasta mais também. Mulheres já têm menos educação do que os homens quando a gente fala de finanças. Naturalmente, elas acabam também tendo a consequência de serem mais endividadas. As mulheres são responsáveis por 80% do consumo no Brasil. Tudo que há em uma casa, em uma família, normalmente são mulheres que decidem se vão comprar ou não, por isso somos consideradas superconsumistas. A gente precisa pensar que temos algumas coisas para consumir, mas refletir se aquilo é essencial. Quando a gente não olha para isso, só está gastando no cartão de crédito, a gente não está vendo o que está saindo pelo ralo. A gente precisa de um norte, do tipo “quero estudar fora do país”, “quero garantir os estudos dos meus filhos até X anos”. Coloque objetivos de médio prazo, de curto e de longo prazo, para que toda vez que for gastar lembre daquele objetivo, que seu propósito com o seu dinheiro é muito maior do que gastar de forma impulsiva. As comunicações, o próprio Instagram é feito para mulheres gastarem. A gente precisa de autoconhecimento.

Você que já assessorou muitas mulheres, o que percebeu naquelas que começaram a tomar conta das próprias finanças?

Elas passam a se tornar investidoras, olhando de médio e longo prazo, elas se sentem poderosas, sentem-se podendo tudo. É muito bacana a construção dessa mulher investidora. Quando a gente atinge uma meta, mesmo que pequena, o nosso cérebro manda para a gente uma mensagem. Esse estímulo te faz ganhar segurança e ver que você pode tomar decisões muito mais assertivas, ter uma liberdade. Porque o dinheiro te dá liberdade de escolher estar onde você quiser, escolher estar nesse emprego, escolher estar nesse casamento, escolher viajar para tal lugar. A questão de ter o poder da escolha traz uma visão completamente diferente. Investindo, elas sentem que estão no controle da própria vida.

Existe no mercado financeiro e na sociedade a ideia de que mulheres têm perfil de investimento mais conservador. Isso é verdade? Qual o perfil de fato que você observa nas mulheres?

O Warren Buffett é o maior investidor do mundo e existe um livro que mostra que ele investe como as mulheres. A mulher não gosta de ficar na especulação: compra, vende, vende, compra o tempo todo. Por isso, no mercado financeiro ela acaba sendo considerada mais conservadora. Contudo, na verdade, a mulher estuda muito e compra não uma ação, mas uma empresa que ela acredita no longo prazo. Essa é a metodologia do Warren Buffett, que é chamada "buy and hold" (comprar e manter, em tradução livre). Qual o benefício disso? Quanto mais você opera na bolsa, mais os custos fazem você perder dinheiro no longo prazo. Como a mulher compra e deixa a ação, ela se beneficia de não gastar tanto em taxa e ganha, em média, 0,5% a mais do que o homem, por ter uma estratégia mais estabelecida para médio e longo prazo. Nas finanças comportamentais a gente fala da ilusão do controle. O homem tem essa coisa de achar que sabe mais porque ganhou em algum momento mais dinheiro, ele se arrisca mais para ganhar mais. Isso quer dizer comprar e vender mais, mais rápido. O fato de fazer isso, muitas vezes, faz ele ganhar e perder, mas faz ele gastar muito com taxas e isso reduz a rentabilidade dele. Não acho que a mulher seja conservadora. Ela é mais ponderada em seguir uma estratégia. Além de achar que não sabe tudo, ela ouve mais o profissional que a está assessorando e segue a estratégia delimitada para o perfil dela. O homem quer fazer da cabeça dele e se atira mesmo não sabendo tanto. O comportamento de seguir uma estratégia, no longo prazo, dá mais certo.

Também há uma diferença nos objetivos finais de cada um?

Mulheres pensam muito em contexto social. O objetivo da mulher está sempre ligado a ajudar a mãe, fazer algo para o filho, viajar com a família e tbm no que o dinheiro dela está nutrindo em questões sociais, investir em empresas que olhem para causas de diversidade, que se conectem com o meio ambiente. Os homens olham mais para rentabilidade. Quando a gente senta na frente de um homem para fazer uma assessoria de investimentos, normalmente ele fala “eu quer ganhar tal rentabilidade” ou “quanto eu consigo ganhar em um ano?”. Enquanto a mulher chega falando “eu quero investir para ajudar minha mãe na reforma”, ela traz questões da família e sociais para a mesa, e isso a gente traduz numa política de investimento. Ela quer rentabilidade? Claro, todos queremos. Mas não é rentabilidade a qualquer custo. O mercado financeiro brasileiro não está acostumado com essa visão.

Tem mais gente entrando no universo de investimentos com a taxa Selic tão baixa. Os bancos e corretoras estão preparados para a chegada de mais mulheres? Como você acha que tem que ser essa abordagem?

Temos batido recorde de pessoas físicas em todos os tipos de investimento. Acredito que o mercado financeiro está se preparando. Não se comunica ainda com a mulher, isso é um fato. A gente olha que a comunicação ainda é muito masculina, do preto, do homem branco de terno, aquela coisa bem estereotipada. Muitas marcas estão se posicionando de forma que apareça que ela consegue atender toda uma diversidade de clientes. No entanto, isso ainda está no nível marketing e não no nível de atendimento. Mas acho que é o próximo passo. No atendimento, o que parecia de fato é que não seja bicho de sete cabeças. O difícil é ser simples e mostrar autoridade, e tudo isso tendo empatia. O approach comercial é diferente. Dinheiro não é matemática, é comportamento. Por isso que finanças comportamentais foi prêmio Nobel. Falar de dinheiro é falar de emoção, angústia, projetos, sonhos. Temos que ir muito além de rentabilidade, de objetivos de quanto você quer ganhar no ano. Mas, para isso, precisa de um olhar diferente. Isso se traduz depois numa carteira de investimento.

Tem algum tabu financeiro que você gostaria que as mulheres quebrassem?

O tabu principal é começar. Elas já sabem que têm que investir. O começar parece que falta coragem de apertar o botão. O que eu queria é que as mulheres acabassem com esse tabu do medo. Faz, começa, aperta o botão. Depois disso você vai conseguir começar. Se você já trabalha e ganha seu dinheiro, você já está procrastinando. Abre a conta, coloca um dinheiro para testar. Você vai ver que o dinheiro não vai sumir, que vai render, e você vai colocando mais.

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