Repórter de Política / [email protected]
Publicado em 17 de maio de 2021 às 20:47
Em mais uma tentativa de pressionar o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) a voltar atrás na decisão de integrar 27 comarcas no Estado, prefeitos, vereadores, deputados estaduais e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil-Seccional Espírito Santo (OAB-ES) reuniram-se no plenário da Assembleia Legislativa nesta segunda-feira (17). >
No evento, transmitido pelas redes sociais, os parlamentares se manifestaram contra a extinção de fóruns, defenderam o acesso à cidadania e mais diálogo com o Judiciário. Mais de 100 pessoas participaram da reunião. Apesar de todos usarem máscaras, era possível ver aglomeração no local.>
A manifestação acontece um dia antes do julgamento da integração das comarcas ser retomado no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A sessão foi interrompida no dia 4 de maio após três conselheiros pedirem vistas do procedimento, o que significa mais tempo para analisar o assunto. >
Até o momento, há um voto a favor da medida adotada pelo Judiciário capixaba, que é o da conselheira relatora Ivana Farina. Ela foi responsável por dar uma decisão liminar (provisória) no ano passado, que suspendeu a extinção dos fóruns.>
>
A integração de 27 comarcas foi decidida à unanimidade pelos desembargadores do TJES em maio do ano passado. A decisão segue uma recomendação do CNJ e visa a reduzir gastos no Judiciário. >
A medida foi criticada por diversos setores da sociedade civil, entre eles a OAB-ES, que entrou com uma ação para suspender a decisão do TJES. A Ordem alegou que a decisão foi tomada em uma sessão secreta — que não foi transmitida nas redes sociais, como de costume — e questionou os estudos que a embasaram. >
Em junho de 2020, a conselheira Ivana Farina deferiu uma liminar, suspendendo a integração de comarcas. A decisão foi confirmada no plenário do CNJ. >
Na época, alguns parlamentares capixabas se posicionaram a favor da manutenção dos fóruns nas cidades. A maioria das manifestações, no entanto, foram feitas no último mês, quando o julgamento do mérito da matéria, que é a análise de conteúdo, foi pautado no CNJ. >
No evento realizado nesta segunda-feira, representantes das 27 cidades que vão ter fóruns extintos se manifestaram, entre eles prefeitos, vereadores e membros da OAB-ES. >
Na tribuna, o ex-vereador de Vitória Mazinho dos Anjos (PSD), que representou a OAB-ES, afirmou que a economia que vai ser feita pelo Judiciário com a integração de comarcas é “ínfima” e pediu união entre o Legislativo, os prefeitos e vereadores, e a OAB.>
“Não podemos deixar que o cidadão percorra 130 km para ter acesso ao Judiciário. Isso vai beneficiar única e exclusivamente a criminalidade. Imagina uma cidade sem fórum, onde o cidadão não tem acesso à Justiça, onde o processo é de papel, aumentando o custo para o cidadão, que vai ter que andar de uma cidade para a outra.”>
A presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Espírito Santo (Sindijudiciários), Maria Clélia Almeida, também demonstrou insatisfação com a medida e disse que não era a melhor forma de levar serviço ao cidadão. Ela fez um apelo para que o TJES revisse a decisão. >
“Sabemos que o Judiciário tem, sim, dificuldades orçamentárias, mas não vai ser tirando serviço das pessoas que vamos resolver esse problema. Peço à Assembleia que nos ajude a entrar em contato com o presidente do TJES. Isso só vai ser suspenso se tiver uma decisão voluntária do presidente”, afirmou.>
Prefeitos e vereadores também se manifestaram, entre eles o prefeito de Ibatiba e vice-presidente da Associação dos Municípios do Espírito Santo (Amunes), Luciano Pingo (Republicanos). >
“Se as comarcas fecharem, vamos ter que garantir o transporte do morador até outro município para que ele tenha o acesso à Justiça. Pedimos para quem pode tomar essa decisão, que ouça o gemido das pessoas e que as comarcas permaneçam atendendo à população”, declarou.>
A palavra foi dada a cada um dos deputados estaduais, que usaram a tribuna para criticar a medida do Judiciário, pregar união e também atacar o governador Renato Casagrande (PSB), que se mantém neutro no assunto. >
O presidente da Assembleia, Erick Musso (Republicanos), saiu em defesa da manutenção dos fóruns nas 27 cidades, e disse que os cortes no Judiciário podem ser feitos de outras formas. Erick questionou a decisão do TJES.>
“Faço um apelo ao Tribunal de Justiça, que possam rever essa decisão. Não foi uma imposição do CNJ, foi uma recomendação”, referindo-se à nota recomendatória do CNJ que, após inspeção no Judiciário capixaba, em 2019, identificou a necessidade de integração de algumas comarcas. >
“Os deputados cortaram na carne reduzindo a cota de gabinete”, alfinetou Erick. “Uniremos nossos esforços para o não fechamento de comarcas.”>
Deputados da base do governo também se manifestaram contra a medida, como foi o caso de Freitas (PSB). O parlamentar questionou o impacto da integração para o orçamento do TJES e disse que cortes poderiam ser feitos, mas sem interferir na vida da população. >
A mesma postura teve o deputado Dary Pagung (PSB), líder de Casagrande na Casa. Ele saiu em defesa dos municípios e também de Casagrande. “O Executivo não tem nada a ver com o que está acontecendo. O problema tem que ser resolvido entre Legislativo e Judiciário”, afirmou.>
A manifestação de muitos agentes políticos é criticada nos bastidores e vista como eleitoreira. Isso porque a medida do Judiciário prejudica as cidades do interior e, consequentemente, as bases eleitorais de deputados.>
Essa preocupação política pode ser observada no evento realizado na Assembleia. Mesmo apresentando problemas que podem surgir com a integração, houve quem lembrasse que o “interior é importante para um deputado” e que seria difícil encarar a população nas eleições do ano que vem. >
A integração de comarcas só pode ser adotada pela Corte graças à Assembleia Legislativa que, em agosto de 2014, aprovou um Projeto de Lei Complementar apresentado pelo então presidente do Tribunal de Justiça, o desembargador Sergio Bizotto, para reestruturar o Poder Judiciário.>
O projeto previa a possibilidade de unificação de duas ou mais comarcas, para atender “aos objetivos de otimização dos gastos, aprimoramento da gestão e incremento de produtividade de juízes”. >
Na tentativa de reverter essa situação, o deputado estadual Theodorico Ferraço (DEM) apresentou na última semana um Projeto de Decreto de Lei suspendendo as resoluções do Tribunal de Justiça. >
A proposta foi defendida pelos parlamentares durante o evento nesta segunda-feira, e o presidente Erick Musso disse que não vai medir esforços para aprová-la. A medida, contudo, é inconstitucional, segundo especialistas da área de Direito. Ou seja, não tem validade.>
O professor e doutorando em Direito Dalton Morais explica que apenas o Judiciário pode apresentar um projeto de lei alterando as medidas de organização administrativa judiciária. Cabe ao Legislativo aprovar ou não. >
“Tudo que se trata de organização do Judiciário é feito por lei, e o projeto só pode ser encaminhado pelo presidente do Tribunal de Justiça para ser votado na Assembleia. A Constituição exige isso. Não pode agora nenhum deputado apresentar uma proposta para revogar esse dispositivo. No meu entendimento, esse projeto da Assembleia é inconstitucional”, avalia.>
Segundo Dalton, a partir do momento em que a Assembleia aprovou o projeto de Lei Complementar do TJES em 2014, o controle das decisões feitas pelo Judiciário, com base na resolução, dizem respeito ao CNJ. Assim, a única alternativa para reverter a integração seria por meio do próprio Judiciário. >
Dalton Morais
Professor e doutorando em Direito ConstitucionalO julgamento no CNJ vai ser retomado nesta terça-feira (18). A conselheira Ivana Farina, que é a relatora do procedimento, já votou pela manutenção da integração de comarcas. >
No voto, ela registrou que, após ter acesso aos estudos do TJ e analisar a legislação estadual, foi observado que a Corte cumpriu o que está na lei e não havia irregularidades na decisão. Três conselheiros que haviam pedido vista também devem declarar o voto. >
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta