Publicado em 7 de julho de 2020 às 09:02
A demora para nomear um ministro da Educação, cargo que está vago há 19 dias, expôs as influências das correntes existentes no governo Bolsonaro, das alas ideológica (dos olavistas) e militar, que travam uma disputa de forças. No domingo (6), Renato Feder, secretário de Educação do Paraná, afirmou ter recusado o convite para a pasta após ser alvo de críticas do núcleo ideológico.>
Na semana passada, Carlos Decotelli, indicado pelos militares, não chegou a ser empossado, e foi demitido após várias inconsistências no currículo. Ele era tido como uma aposta da ala militar como um nome técnico e que poderia reparar o desgaste da imagem do ministério. >
A vaga deixada por Abraham Weintraub mantém Bolsonaro espremido entre os dois segmentos. Agora, ele afirma que vai resolver o problema com um ministro de perfil conservador e que transite nas duas correntes. >
Um dos sondados é o deputado federal Major Victor Hugo, líder do governo na Câmara.>
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Enquanto isso, no entanto, a educação continua à deriva. O presidente mesmo reconheceu, na semana passada, que "a educação está horrível no Brasil", em resposta a uma apoiadora na porta do Alvorada. >
Além do MEC, outras mudanças em ministérios feitas este ano tiveram relação com a disputa por espaço entre a ala militar e a ala civil-ideológica. O deputado Osmar Terra (MDB) saiu do Ministério da Cidadania e voltou à Câmara Federal. Onyx Lorenzoni (DEM) deixou a Casa Civil e assumiu a Cidadania. E o general do Exército Walter Souza Braga Netto aportou na Casa Civil. Em abril, a pressão dos militares também foi responsável por adiar, pelo menos um pouco, a demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.>
Desde o início do governo, a ala ideológica dominou o segmento da educação: primeiro com Ricardo Vélez, e depois com Weintraub. Agora, o grupo militar tenta influenciar o presidente na busca por nomes mais pragmáticos, técnicos, não necessariamente com experiência em educação, mas em gestão.>
Diante deste embate, existem várias questões urgentes que precisam ser resolvidas dentro do MEC, como a realização do Enem, que ainda está sem data. Após quatro meses do início da pandemia do novo coronavírus, somente na semana passada o MEC divulgou um protocolo sobre a volta às aulas pós-pandemia, com medidas protetivas, critérios para retomada de atividades, transporte, entre outras questões. >
No entanto, ainda não se vê apoio na distribuição de recursos e para um planejamento centralizado com Estados e municípios, apontam especialistas.>
Para o professor da faculdade de Educação da USP Ocimar Munhoz, as trocas agravam os prejuízos para as políticas de educação, pois acabam concentrando um debate sobre os nomes e seus predicados, em vez de debater programas para a educação escolar brasileira. >
"Toda indicação sempre se faz seguir de incertezas quanto às outras nomeações, pois os ministros indicam uma série de outros dirigentes, que têm responsabilidades na operação dos programas. Agrava o fato de que essas indicações alimentaram uma característica de disputa interna no Ministério", afirma.>
Com os dois últimos ministros, segundo ele, o governo também percebeu que a combatividade da ala ideológica isolou excessivamente o Executivo dos outros Poderes, especialmente do Legislativo. >
O cientista político Fernando Pignaton analisa que o método da destruição de reputações do bolsonarismo também passou a ser usado na luta política interna, mas isso desagrega ainda mais a governabilidade. >
"Não há governo que consiga fazer entregas se há disputa interna permanente. Na ausência de diretrizes concretas, ele tem preenchido o espaço fazendo essa disputa simbólica e se mostra inepto para governar a área", considera.>
O cientista político e professor da FDV André Filipe Pereira Reid destaca que, embora a aposta na ala militar possa indicar uma posição menos radical na pasta, é possível que, na prática, eles não implementem políticas tão distintas das existentes hoje, para enfrentar desafios como a valorização do professor e a democratização do ensino.>
"A vitória dele foi a de um projeto econômico. A educação não pode ser algo que comprometa esse projeto, que é o de diminuir o papel do Estado na vida da sociedade. Comandar a educação significa buscar interlocução, dialogar, valorizar a ciência, a pluralidade de ideias, mas este tipo de pessoas são classificadas pelo presidente como de esquerda", analisa. >
Caso o próximo nome seja mais ligado à ala militar, para Pignaton o prognóstico do que se pode esperar não é bom, a exemplo do que tem ocorrido no Ministério da Saúde, comandado interinamente por um general desde 15 de maio.>
"Pudemos observar que os militares se preocuparam mais em criar uma cultura de obedecer ao comando central do que ouvir a classe científica. Se há essa dificuldade na Saúde, na Educação será mais complexo ainda, porque administrar a educação com ciência é algo ainda mais diversificado, multidimensional", disse.>
Caso seja nomeado um nome com perfil mais técnico para o MEC, um dos desafios citados pelos especialistas será o de conseguir uma trégua duradoura com o grupo sob orientação do escritor Olavo de Carvalho. O núcleo contesta a ciência, defende o terraplanismo e considera as universidades públicas "centros de formação de militantes comunistas".>
O MEC já tem outros representantes dos ideológicos, como Carlos Nadalim, secretário nacional de Alfabetização e defensor do ensino em casa, o controverso home schooling.>
Munhoz acrescenta que para além da exigência de um bom currículo, é necessário cobrar que o próximo ministro conduza uma política educacional. >
"Quem assume um cargo no 1º escalão assume uma atividade essencialmente política, de disputa por uma posição, por um interesse, isso é legítimo. Dele será cobrada uma política, uma orientação. A chamada dimensão técnica não necessariamente se coaduna com a formação acadêmica. O problema é como essas forças atuam. Há um debate aberto, de proposições, ou haverá disputas veladas, querendo fazer uma política escamoteando interesses? Isso é um desserviço para a política e a área de educação". >
O MEC gerencia poucos alunos diretamente, mas é responsável por todos, pois é a quem cabe a articulação com os Estados, municípios e com o setor privado. O professor destaca que há várias lacunas deixadas na pasta. "O primeiro é em relação ao Plano Nacional de Educação, que é uma lei com um conjunto de metas, e não se sabe o que o governo Bolsonaro pensa sobre ele. E também o Fundeb, que vence no final do ano, e ainda não temos uma explicitação do que pretende o governo".>
O professor André Filipe acrescenta que o negacionismo da pandemia contaminou a própria política educacional e explicitou algo que já estava ocorrendo, que é o desinvestimento do sistema educacional, o que pode gerar uma pane gerencial. "A educação pública está completamente abandonada", aponta. >
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