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Com Weintraub, Educação andou para trás no país, dizem especialistas

Com Weintraub, Educação andou para trás no país, dizem especialistas

Falta de diálogo, diminuição de recursos e ausência de projetos na educação foram apontados por especialistas como algumas das características do ex-ministro durante comando da pasta

Publicado em 19 de junho de 2020 às 06:30

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O ministro da Educação, Abraham Weintraub, falam sobre primeiro dia de provas do ENEM
Abraham Weintraub anunciou sua saída do Ministério da Educação. (Wilson Dias/Agência Brasil)

A saída de Abraham Weintraub do comando do Ministério da Educação (MEC), nesta quinta-feira (18), marca o fim de uma gestão repleta de polêmicas e vazia de políticas e debates.  Há 14 meses no cargo, o ex-ministro colecionou ideias que não saíram do papel, ignorou discussões importantes para a pasta, como a renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e não manteve diálogos com as redes de ensino, inclusive durante a pandemia. Para especialistas, não há como negar que Weintraub fez a Educação andar para trás e deixou uma contribuição nociva para o país. 

Sem experiência na área, o ex-ministro chegou ao MEC em abril de 2019 por sua identificação com a ala ideológica do governo. Grande admirador da cultura olavista, Weintraub mostrou muita disposição para defender ideologias, mas "pouco ou nenhum interesse em lutar por recursos e avanços na Educação", avalia o professor da Faculdade de Educação da USP, Daniel Cara. 

"Qualquer cidadão, por maior o esforço que faça, não vai conseguir lembrar de qualquer política que ele foi capaz de implementar. A gestão dele não se preocupou em trabalhar, em apresentar resultados pedagógicos ou propor políticas educacionais, mas em servir como uma propaganda às teses do governo, e isso ele fez com grande competência", afirmou. 

À frente do governo, Weintraub cortou bolsas de pesquisadores nas universidades, bloqueou 30% da verba de custeio das instituições federais, e tentou alterar a forma de escolha dos reitores. A Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) foi uma das instituições que sofreu as consequências disso, quando o governo federal, rompendo a tradição de respeitar a escolha da comunidade acadêmica, deixou de nomear a mais votada da lista tríplice, que foi Ethel Maciel, e escolheu Paulo Sérgio Vargas para o cargo, em março deste ano.

Ele também mostrou falhas no comando do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2019. Um erro na correção das provas prejudicou a nota de quase 6 mil participantes. Os resultados foram revistos e corrigidos. Weintraub minimizou os erros e afirmou que a edição foi um sucesso. 

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Ele anunciou que faria o melhor Enem de todos os tempos, que com ele as coisas funcionariam no Ministério, que o dinheiro chegaria às universidades. O que vimos, porém, durante sua gestão, foi uma série de falhas e menosprezo a métodos pedagógicos e ao ingresso ao ensino superior. Ele nunca trabalhou para realizar uma política de educação, suas atitudes foram sempre na tentativa de travar a agenda da área. Foi o pior ministro que passou até hoje pela pasta

Daniel Cara
Professor da Faculdade de Educação da USP
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Na educação de base, que era prioridade na campanha de Bolsonaro, não foi diferente. Os projetos foram desidratados e alguns não tiveram continuidade. O Plano Nacional de Educação (PNE), que tem como objetivo direcionar investimentos para políticas educacionais no país, também foi colocado para escanteio.

"Vimos a diminuição de recursos para construção de creches e a descontinuidade de programas que já estavam em andamento, que era só tocar adiante. Ele deixou de remeter dinheiro para escolas que têm programas em tempo integral, que precisam de recursos para desenvolver atividades pedagógicas e dar continuidade a programas suplementares, como alimentação e transporte escolar. O enfraquecimento destes programas e a inexistência de articulação com as secretarias estaduais e municipais têm um impacto incalculável na Educação", comenta a professora da Universidade Federal do Espírito Santo, Gilda Cardoso.

"O PNE, por mais que fosse criticado em alguns governos era analisado, monitorado, havia preocupação em discuti-lo. Agora ele foi esquecido, abandonado. Não se fala mais sobre políticas pedagógicas. Abandonar o PNE é abandonar o direito das pessoas à educação", acrescenta. 

A ausência do ex-ministro no debate sobre a renovação do Fundeb, principal mecanismo de financiamento da educação básica nos Estados, não passou despercebida. O fundo, que entrou em vigor em 2007, expira em dezembro deste ano. Atualmente há uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) tramitando no Congresso Nacional que pretende tornar o Fundeb permanente e alterar sua forma de distribuição de recursos . Contudo, de nada contribuiu Weintraub para as discussões.

"A ausência no debate do Fundeb foi nefasta, um ministro, um secretário de qualquer área é responsável por defender sua pasta, faz parte do jogo politico. Mas na Educação não vimos isso acontecer. O Fundeb nasceu de um amplo debate, da construção de canais de diálogo, da participação da sociedade civil. Isso foi extremamente importante para fazer a população entender a importância de financiar a educação básica, do investimento desde as creches até o ensino superior. Mas ao se ausentar desta discussão, o ministro mostrou que pouco se importa com os recursos que chegam aos Estados", comenta Iracema Santos do Nascimento, professora da Faculdade de Educação da USP.

Na pandemia, Weintraub se mostrou ainda mais alienado às pautas educacionais e a necessidade dos estudantes. Mesmo com a interrupção das aulas, por causa do fechamento das escolas, ele insistiu na manutenção do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e chegou a dizer que o teste "não foi feito para corrigir injustiças". O ex-ministro só voltou atrás ao perceber que o Congresso pediria o adiamento do exame.

"Ele ignorou a situação de milhares de estudantes no país e insistiu pela manutenção do Enem. E uma vez derrotado, ele continuou não mostrando qualquer preocupação com o cenário da educação. Em nenhum momento durante a pandemia houve exercício de liderança para tranquilizar e orientar os estudantes. Isso gerou caos e confusão", declarou Nascimento. 

O QUE WEINTRAUB FEZ

O único grande projeto apresentado por Weintraub, durante a gestão, não decolou. O Future-se, programa que incentiva universidades federais a capitar recursos privados,  levou quase um ano para chegar ao Congresso, e mesmo assim, foi desidratado pela área econômica. O projeto é visto pelo professor Daniel Cara como uma estratégia de privatização, algo "extremamente nocivo à educação pública".

Abraham Weintraub é economista e professor universitário(Marcos Correa/PR)

"Ele apresentou ao Congresso um projeto cheio de problemas, que passou por várias mudanças na pasta econômica, e que se for aprovado, vai fazer com que o patrimônio das universidades seja validado a preço de banana. Um projeto que tem como único objetivo destruir a democracia dentro das universidades, algo já observado por meio de outras estratégias como enfraquecimento de reitores", afirmou.

EDUCAÇÃO ANDA PARA TRÁS 

Prestes a ter o seu terceiro ministro, o Ministério da Educação andou para trás nestes 18 meses de governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), de acordo com especialistas. Tanto as gestões de Ricardo Vélez e Abraham Weintraub são vistas como formas de retrocesso. Carlos Nadalim, nome cogitado ao cargo, não deve trazer grandes mudanças.

A exemplo de Weintraub, Nadalim é seguidor do guru bolsonarista Olavo de Carvalho e defensor do homeschooling - a educação domiciliar, sem precisar necessariamente da escola regular. A solução caseira atenderia ao desejo da ala ideológica do governo em ter um substituto que agrade a base bolsonarista.

Nadalim foi apontado com um dos articuladores para a demissão de Ricardo Velez, antecessor de Weintraub. Na época, militares e olavistas disputavam cargos importantes na pasta. Com a chegada de Weintraub, os ideológicos ganharam poder. Filhos do presidente e "olavistas" do governo defendem um substituto "à altura" e com o mesmo perfil de Weintraub.

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O MEC vem sendo pautado pelo obscurantismo e por questões ideológicas desde o início e que não vejo muitas chances de mudar. Independente de quem assumir, estamos dentro de um Titanic, bem perto de um iceberg

Gilda Cardoso
Professora da Ufes
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"É possível dizer que andamos para trás em uma série de políticas que vêm sendo construídas na Educação desde a aprovação da Constituição de 88. Não temos como andar pra frente em uma gestão de profunda inépcia, que vê professores na sala de aula como comunistas e não educadores e as universidades como locais de balbúrdia e não pesquisa e ciência", finaliza Nascimento. 

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