Publicado em 18 de junho de 2020 às 14:24
Cerca de 60% dos gastos realizados pelo MEC (Ministério da Educação) até o abril deste ano referem-se a compromissos assumidos no ano passado, mas que não haviam sido executados.>
O quadro revela acentuada ineficiência de gestão do ministro Abraham Weintraub: boa parte do dinheiro federal previsto para 2019 não chegou de fato às escolas ou políticas públicas.>
Os dados são de relatório da execução orçamentária do MEC, elaborado pelo Movimento Todos Pela Educação. O estudo analisa o acumulado até abril, com base nas informações oficiais do governo federal.>
A situação mais grave é no FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão do MEC responsável por transferências de dinheiro a escolas e redes de ensino.>
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De R$ 1,1 bilhão referente a pagamentos discricionários (que excluem salários, por exemplo) feitos até abril, 90% eram de empenhos de 2019 não executados naquele ano.>
Empenhos (o primeiro passo para execução do orçamento) não executados e repassados para o ano seguinte são chamados de restos a pagar.>
Um alto volume desses recursos indica ineficiência na execução do orçamento disponível e, na prática, que as políticas públicas para as quais as rubricas eram direcionadas não receberam esse financiamento.>
O volume de restos a pagar gerado em 2019 foi o maior desde 2015, ano marcado pela turbulência do governo Dilma Rousseff (PT).>
Segundo o levantamento do Todos Pela Educação, cerca de 70% do saldo atual de restos a pagar foi gerado em 2019, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro (sem partido).>
Sob Bolsonaro, o MEC esteve marcado por instabilidades, com troca de ministros e de equipes. Weintraub, praticamente fora do MEC, substituiu Ricardo Vélez Rodríguez em abril de 2019, após disputas entre seguidores do escritor Olavo de Cavalho e militares.>
O FNDE, por exemplo, já está em seu quarto presidente desde o ano passado. O órgão agora é dirigido por indicação política do centrão.>
Em paralelo a isso, a pasta passou por uma paralisia nas ações, em parte pressionada pelo congelamento de recursos ordenado pela área econômica durante o ano. Mas não só por isso.>
Até o meio de 2019, os programas voltados para educação básica estavam praticamente parados, como, por exemplo, repasses de apoio a educação em tempo integral, construção de creches, alfabetização e ensino técnico.>
Somente no fim do ano a pasta passou a acelerar empenhos. Mas o dinheiro não chegou na ponta, como fica claro na análise de um programa que transfere dinheiro direito para as escolas (e que não havia sido contingenciado).>
Até 20 de dezembro de 2019, havia sido empenhado 52% do orçamento de quase R$ 2 bilhões do PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola), e pagos até aquele momento 49%.>
O MEC fechou 2019 com o empenho de praticamente todo orçamento, mas o executado chegou a somente 56,5%, segundo consta do sistema federal de acompanhamento orçamentário.>
João Marcelo Borges, diretor de Estratégia Política do Todos pela Educação, ressalta que o volume tão alto de restos a pagar afasta o argumento de que o governo teve de lidar apenas com uma "herança maldita".>
Para ele, trocas na gestão e na manutenção de equipe sem experiência na educação reforçam a responsabilidade sobre a ineficiência com os gastos.>
"Mas, no fim das contas, é um reflexo do descompromisso com a educação, porque todos os outros elementos só ganham essa magnitude quando não há compromisso com a área", diz ele, que chama a atenção para os indicadores do FNDE.>
"Como no FNDE o gasto é federativo, isso significa que a capacidade real do MEC de aportar recursos, e, portanto, serviços para educação básica, foi extremamente limitado.">
Além evidenciar má gestão, a execução dos restos a pagar neste ano consome os limites de pagamento impostos pela área econômica para este ano. Dessa forma, reduz o espaço para o financiamento de novas ações.>
Levando em conta a administração direta do MEC e o FNDE, os pagamentos feitos neste ano relacionados a compromisso passados consumiram 57% dos limites de pagamento.>
Além da dotação atualizada, a execução dos recursos discricionários depende dos limites de empenho (autorização da execução orçamentária) e de pagamento (execução financeira).>
Essa situação inviabiliza novos gastos. Tanto é que o governo Bolsonaro não tem até agora uma linha de financiamento para o enfrentamento dos reflexos da Covid-19 na educação básica. Só recursos já previstos, como o PDDE e de merenda, foram pagos às redes.>
Até abril, o MEC tinha uma dotação de R$ 615 milhões para o combate à pandemia, mas o foco de execuções tem sido em ações relacionadas aos hospitais universitários.>
Para a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), os dados orçamentários são importantes para mostrar que, além de posicionamentos ideológicos, nada de relevante tem acontecido no MEC.>
Os trabalhos da comissão externa de acompanhamento do MEC na Câmara, diz Tabata, revelam o mesmo cenário.>
"O MEC está com capacidade baixa de execução das políticas públicas", diz ela. "E não é só questão de baixa execução orçamentária, mas é algo muito mais amplo, de um ministro que não entende o que é ser ministro e há limites até onde os técnicos podem ir.">
Questionado, o MEC não respondeu à reportagem.>
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