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Do Val elogia Pazuello em CPI e defende medicamento ineficaz contra Covid

Do Val elogia Pazuello em CPI e defende medicamento ineficaz contra Covid

Senador disse não ter perguntas ao ex-ministro da Saúde, "apenas agradecimentos",  e voltou a sustentar o uso de cloroquina como tratamento precoce, o que já foi derrubado por estudos

Publicado em 20 de maio de 2021 às 18:50

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Segundo dia de depoimento do Pazuello
Senador Marcos do Val (Podemos) na CPI da Covid. (Edilson Rodrigues)

Durante o depoimento de Eduardo Pazuello à CPI da Covid nesta quinta-feira (20), o senador Marcos Do Val (Podemos-ES) usou nove dos 15 minutos que tinha direito de fala para elogiar o ex-ministro e defender o uso da cloroquina como tratamento precoce para a Covid-19.  O medicamento já teve sua ineficácia comprovada por estudos clínicos para a doença. Segundo o senador, ele não tinha perguntas, "apenas agradecimentos" ao ex-chefe da pasta da Saúde.

A maior parte do discurso do parlamentar eleito pelo Espírito Santo concentrou-se em elogios à gestão de Pazuello e, por outro lado, a críticas aos médicos que o antecederam no Ministério da Saúde. "A imagem que eu vejo é de um avião em rota de colisão. Os pilotos pulando fora, os ex-ministros, cada um com seu argumento e desculpa, deixando os brasileiros na mão", disse o senador.

"E aí, vem um passageiro, a quem foi dada a missão de sentar na poltrona do piloto, e dá o seu melhor. Quando fala que missão dada é missão cumprida, eu tenho certeza que, mesmo não sendo médico, o senhor não se intimidou e não titubeou", complementou.

Em seguida, Do Val voltou a questionar a posição de entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) que, baseadas em novas evidências científicas, contraindicam  a cloroquina para tratamento da Covid-19. O senador afirmou que está comprovado que a droga não pode ser usada em casos graves, mas que foi procurado por "centenas" de médicos que queriam prescrever o medicamento para seus pacientes.

"Questão da cloroquina, eu não aguento mais escutar que não tem eficácia. Deixa eu tentar explicar. Na fase hospitalar está comprovado que não tem efeito, na fase grave vira veneno, isso já está falado. Dito, redito. A imprensa insiste que não tem comprovação. Mas eu fui procurado por médicos, vários, centenas, fiz lives com vários, pedindo para viabilizar a medicação porque queriam prescrever", disse.

Ao longo dos últimos meses, a cloroquina tem passado de droga "sem eficácia comprovada" para medicamento "comprovadamente ineficaz" contra a Covid-19. Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), em um sumário de eviências científicas elaborado em fevereiro deste ano, os estudos conduzidos com a hidroxicloroquina "não mostraram benefícios em termos de redução da mortalidade, requisitos para ventilação mecânica invasiva ou tempo para melhora clínica. Além disso, a análise mostrou provável aumento da mortalidade nos pacientes tratados com hidroxicloroquina".

Posição parecida sustenta a OMS. "As evidências disponíveis sobre benefícios do uso de cloroquina ou hidroxicloroquina (no tratamento de Covid-19) são insuficientes, a maioria das pesquisas até agora sugere que não há benefício e já foram emitidos alertas sobre efeitos colaterais do medicamento", escreveu a entidade. 

Aqui no Brasil, a Sociedade Brasileira de Infectologia tem se posicionado, desde o início da pandemia, contra o uso do medicamento para o tratamento do novo coronavírus, assim como outros medicamentos incluídos no chamado Kit-Covid.

"A SBI não recomenda tratamento farmacológico precoce para COVID-19 com qualquer medicamento (cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, nitazoxanida, corticoide, zinco, vitaminas, anticoagulante, ozônio por via retal, dióxido de cloro), porque os estudos clínicos randomizados com grupo controle existentes até o momento não mostraram benefício e, além disso, alguns destes medicamentos podem causar efeitos colaterais", sustentou a sociedade médica em dezembro do ano passado.

A pós-doutora em Epidemiologia e professora da UFES, Ethel Maciel, destaca que até meados do ano passado, havia dúvidas quanto a eficácia da hidroxicloroquina e cloroquina no tratamento de Covid-19. Agora, não há mais. "Nós já temos evidência de que ela não deve ser usada em casos de Covid. Antes tínhamos dúvidas, mas depois de estudos realizados pela OMS e a Cochrane, que analisaram evidências científicas em ensaios clínicos padronizados, do que chamamos de meta análise, o maior nível de evidência científica, nós já temos a certeza de que esse medicamento não serve para Covid-19. Não há mais dúvidas."

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Nós já temos evidência de que ela não deve ser usada em casos de Covid. Antes tínhamos dúvidas, mas depois de estudos realizados pela OMS e a Cochrane nós já temos a certeza de que esse medicamento não serve para Covid-19. Não há mais dúvidas.

Ethel Maciel
Pós-doutora em Epidemiologia
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Segundo a professora, os estudos analisaram evidências científicas em ensaios clínicos padronizados, chamados de meta-análise, o maior nível de evidência científica. O estudo realizado pela OMS foi publicado no New England Journal of Medicine e o da Cochrane pode ser visto na íntegra neste link.

NECESSIDADE DE RECEITA

Em sua participação na CPI, Marcos Do Val também questinou a mudança no protolocolo e venda da cloroquina, que agora exige prescrição médica. Aí eu pergunto: se o presidente está na TV mostrando o remédio que ele acha que funciona, eu desafio qualquer um aqui a ir à farmácia e comprar sem prescrição. Só compra com receita, é o médico que vai receitar", disse. 

"O remédio tem mais de 70 anos. Durante 70 anos não precisou de receita médica para comprar. Quando começou a pandemia, foi dada a ordem que só com receita médica. Quem que eu tenho que responsabilizar por ter viabilizado a venda durante 70 anos de uma medicação sem receita médica?", indagou Do Val. 

A hidroxicloroquina e cloroquina são substâncias usadas em medicamentos prescritos para doenças como lúpus, malária e reumatismo. Essas são doenças crônicas e que, por isso, exigem o uso dos medicamentos regularmente.

Antes da pandemia de Covid-19, as drogas eram vendidas sem a necessidade de prescrição médica, mas com o aumento da busca pelos medicamentos, a Anvisa decidiu, em julho de 2020, exigir receita médica para a comercialização, devido ao risco de falta do medicamento para pessoas portadoras de doenças crônicas.

"A cloroquina não é tarja controlada. Era vendido para tratar lúpus, malária, reumatismo. O que aconteceu no início da pandemia? As pessoas começaram a falar sobre a cloroquina, inclusive o presidente da República e outras pessoas que não são da área da saúde, não são científicas, não entendem de evidências científicas, e houve uma corrida às farmácias para compra desse medicamento para usar como prevenção e em casos de Covid, deixando as pessoas que têm uma condição crônica, sem", explica Ethel.

A Gazeta registrou essa realidade em março do ano passado. Após o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, defender o uso da hidroxicloroquina em casos de coronavírus, medicamentos que com a substância sumiram das prateleiras das farmácias do Estado

Embora o senador afirme que foi procurado por médicos que queriam prescrever o medicamento, a decisão da Anvisa de suspender a venda sem prescrição atendeu a um pedido do próprio Conselho Federal de Medicina, feito em março de 2020.

"A automedicação pode representar grave risco à saúde e o consumo desnecessário pode acarretar desabastecimento dessas fórmulas, prejudicando pacientes que delas fazem uso contínuo para tratamento de doenças reumáticas e dermatológicas, além de malária", dizia uma nota publicada pela entidade na época.

Além de todas as autoridades sanitárias, as próprias fabricantes do medicamento não recomendavam o uso em casos de infecção pelo coronavírus. Levantamento feito pela ONG Repórter Brasil, mostrou que entre as seis maiores industrias que produzem medicamentos com cloroquina no país, quatro não recomendam o uso e as outras duas não responderam a pergunta de forma clara.

Entre as que não recomendam, está a Apsen Farmacêutica, maior produtora que assinou dois contratos que somam R$ 136 milhões com o BNDES em 2020.

QUEM PODE ATESTAR A EFICÁCIA DE UM MEDICAMENTO?

O senador do Podemos também questionou de quem seria a autoridade para receitar ou não um medicamento para um determinado tratamento.  "Esses médicos que me procuraram, como eu ia discutir com eles? (...) Eu como senador não vou dizer que está errado. A imprensa disse que não funciona, está na internet, vai lá aprender a ser doutor pelas redes sociais ou pela imprensa, joga fora seu diploma'", declarou Do Val na CPI.

Quem atesta a eficácia dos medicamentos, no entanto, não são os médicos, mas sim as agências reguladoras, como a Anvisa, pautadas por ensaios clínicos que apontam evidências científicas, conforme destaca a pós-doutora em Epidemiologia Ethel Maciel.

"Essa ideia de que opiniões de médico validam, isso não existe em ciências da saúde. Você precisa de evidências científicas e as evidências são ensaios clínicos randomizados, duplo cego, estudos que podem fazer uma análise de que esse medicamento tem algum impacto. Na ciência da saúde é assim que a gente procede", assinala.

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Opinião de médicos e especialistas não servem para mudar políticas públicas. O que pode mudar políticas públicas, quer dizer, a utilização de dinheiro público para comprar medicamento, produzir, distribuir, precisa de evidência científica

Ethel Maciel
Pós-doutora em Epidemiologia
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A professora salienta que a bula dos medicamentos apontam exatamente para quais doenças aquela droga tem eficácia comprovada, ou seja, a própria agência reguladora, no caso do Brasil, a Anvisa, é quem pode reconhecer a eficiência de um medicamento, sempre respaldada por estudos científicos. 

Durante os depoimentos dos ex-ministros da Saúde, Mandetta e Teich, foi dito que Bolsonaro tentou intervir para que a Anvisa mudasse a bula da cloroquina, sem ter os estudos necessários. Antônio Barra Torres, presidente da agência reguladora, confirmou a intenção do mandatário. 

SENADOR SERGIPANO USA TEMPO PARA CORRGIR INFORMAÇÕES

Pazuello não deu declarações após a fala elogiosa de Do Val. Alguns minutos depois, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) usou alguns minutos do seu tempo de fala para rebater o parlamentar capixaba. Sem citar nomes, Vieira afirmou que a CPI não poderia ser um veículo de desinformação e ressaltou que há estudos que embasam a eficácia do medicamento. 

"Outro ponto que merece esclarecimento que temos que fazer diante das várias referencias que temos aqui a opinião de médicos tomadas como caráter científico, o óbvio para quem estudou minimamente metodologia, as evidencias científicas seguem hierarquia. Onde no topo tem um tipo de estudo com meta análise e, abaixo, a opinião pessoal do profissional. Não encontramos nenhum estudo com característica máxima de qualidade que valide esses medicamentos referidos", declarou.

O senador ainda destacou que "temos mais de 500 mil médicos no Brasil" e, portanto, a opinião de alguns não pode ser tomada como ciência. 

"E mais ainda, que temos mais de 500 mil médicos no Brasil então não vai ser brandindo a opinião de A, B, ou C que você vai responder com ciência. Ciência se obtém com método e é importante que se respeite a ciência", completou.

SENADOR DEFENDEU O USO DE MEDICAMENTOS

Não é a primeira vez que Do Val defende o uso do medicamento durante a CPI. O parlamentar fez as mesmas observações durante o depoimento do ex-ministro da Saúde Nelson Teich e do atual titular da pasta, Marcelo Queiroga

Para Teich, Do Val questionou "por que não usar" a cloroquina, fazendo uma comparação com "usar todas as armas possíveis" em uma guerra. Na ocasião, o parlamentar foi advertido pelo presidente da Comissão, Osmar Aziz (PSD-SP) por ter dito que tomava o medicamento "todo final de semana".

Ao parlamentar, Teich respondeu: "Se a coisa não funciona e pode ter risco, não faz sentido nenhum fazer, porque coloca-se o risco sem agregar benefícios". A insistência do governo federal para ampliar o uso do medicamento foi um dos motivos principais para saída do médico do ministério, antes de completar um mês no cargo.

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