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Publicado em 24 de maio de 2021 às 21:05
Uma semana após reunir prefeitos e vereadores na Assembleia Legislativa para pressionar o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) contra a extinção de 27 comarcas, deputados estaduais aprovaram, nesta segunda-feira (24), um projeto de decreto legislativo que suspende a decisão da Corte. Em sessão conturbada, o voto do relator deixou os outros membros da Comissão de Justiça confusos. >
O texto aprovado é inconstitucional, de acordo com especialistas de Direito consultados pela reportagem. Eles apontam que a medida fere a Constituição Federal, que não prevê que o Legislativo possa anular uma decisão do Judiciário.>
Esse também foi o entendimento de alguns parlamentares da Casa e do relator da proposta na Comissão de Justiça, deputado Marcelo Santos (Podemos). Apesar disso, ele votou pela constitucionalidade da matéria.>
“O papel da Comissão de Justiça é fazer o controle de constitucionalidade, e se fizéssemos ao pé da letra, essa matéria não tramitaria, porque é inconstitucional”, afirmou Marcelo durante sessão. "Quantas vezes aprovamos matérias aqui para meramente chamar a atenção do Poder Executivo? Agora vamos chamar do Judiciário.">
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Dos 28 parlamentares que participaram da votação, 27 votaram a favor. Apenas o deputado Bruno Lamas (PSB) foi contra. Por ser o presidente da Casa, o deputado Erick Musso (Republicanos) não votou. Já Doutor Hércules (MDB) estava ausente.>
Como se trata de um PDL, não é necessária a sanção do governador Renato Casagrande (PSB) para entrar em vigor. A lei passa a valer a partir da publicação. >
A integração comarcas foi aprovada à unanimidade por desembargadores do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) em maio do ano passado, seguindo uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para reduzir gastos. >
A medida, contudo, desagradou parte da sociedade civil, principalmente os prefeitos de 27 cidades onde os fóruns foram extintos e a Ordem dos Advogados do Brasil- Seccional Espírito Santo (OAB-ES), que entrou com uma ação no CNJ pedindo que a decisão fosse suspensa.>
No procedimento apresentado, a OAB alegou que a sessão que decidiu pela integração de comarcas na Corte ocorreu de forma secreta, sem divulgação nas redes sociais, como costuma ser feito. A Ordem também questionou a legalidade dos estudos apresentados pelo Judiciário capixaba para integrar os fóruns. >
O pedido foi acatado pela conselheira Ivana Farina e, posteriormente, confirmado pelo plenário do CNJ. Desde junho, a integração de comarcas está suspensa por meio de uma medida liminar (provisória). >
O julgamento do mérito da matéria, ou seja, o conteúdo, teve início no dia 4 de maio, mas foi suspenso após pedido de vista — mais prazo para analisar o assunto — de três conselheiros. Até o momento, há um voto favorável à liberação da medida do tribunal, que foi proferido também pela relatora Ivana Farina. A próxima sessão está marcada para o dia 1º de junho. >
A integração de comarcas só pode ser adotada pelo Tribunal de Justiça graças à Assembleia Legislativa que, em agosto de 2014, aprovou um projeto de lei complementar apresentado pelo então presidente do Tribunal de Justiça, o desembargador Sergio Bizzotto, para reestruturar o Poder Judiciário. >
O projeto previa a possibilidade de unificação de duas ou mais comarcas, para atender “aos objetivos de otimização dos gastos, aprimoramento da gestão e incremento de produtividade de juízes”. >
Na época, a Assembleia era presidida pelo deputado Theodorico Ferraço (DEM), autor do Projeto de Decreto de Lei 16/2021 que foi aprovado nesta segunda-feira. >
A proposta de Ferraço foi protocolada no Legislativo dias depois de o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) retomar o julgamento das comarcas e acompanhou uma série de manifestações de outros parlamentares, que passaram a atuar de forma mais incisiva contra a extinção de fóruns apenas neste ano. >
Nos bastidores, a movimentação é vista como uma atitude política, já que interfere na vida de moradores da base eleitoral de muitos deputados, principalmente os do interior do Estado.>
No texto aprovado pela Assembleia, Theodorico susta todas as resoluções do Tribunal de Justiça que determinam a integração de 27 comarcas. A medida, contudo, é avaliada como inconstitucional pelo professor e doutor em Direito e Garantias Fundamentais Calebe Salomão. De acordo com ele, o Judiciário tem autonomia para decidir sobre a organização administrativa.>
"Esse projeto é inconstitucional, não há validade jurídica. A Assembleia não tem autonomia superior ao Judiciário nesse tema para proibir o Tribunal de Justiça de fazer essas modificações. A única instância que poderia resolver isso é o CNJ e, por último, o Supremo Tribunal Federal", destacou. >
O pós-doutor em Direito e professor de Direito Constitucional da FDV Anderson Pedra também entende que o texto fere a Constituição Federal. Ele cita o inciso 9 do artigo 56, que prevê atuação do Legislativo sobre decisões do Executivo, mas não sobre o Judiciário. Esse mesmo dispositivo foi citado pelo deputado Marcelo Santos durante o voto na Comissão de Justiça para apontar a inconstitucionalidade na proposta.>
"Hoje, o texto constitucional não permite que a Assembleia tome essa decisão. Ao meu ver, o Tribunal de Justiça pode ingressar com uma ação para sustar os efeitos desse projeto aprovado", avaliou Pedra.>
O voto de Marcelo Santos durante a sessão deixou os outros membros da Comissão de Justiça confusos. O presidente da CCJ, Fabrício Gandini (Cidadania), chegou a pedir cinco minutos para verificar se o voto do parlamentar era válido, já que, apesar de dizer que o texto era inconstitucional, o deputado votou pela constitucionalidade. >
A contradição também foi questionada pelo deputado estadual Vandinho Leite (PSDB). "A partir de um momento que é entregue um relatório que o teor dele é o contrário ao parecer oral, dizendo que é inconstitucional, eu fico com muitas dúvidas", manifestou.>
A deputada Janete de Sá (PMN) alertou que a fala de Marcelo poderia ser usada pelo Judiciário para derrubar a proposta aprovada no parlamento. Para resolver o problema, os parlamentares sugeriram que o relatório do deputado não fosse anexado nos autos e que prevalecesse apenas o parecer oral, pela constitucionalidade.>
O deputado Bruno Lamas foi o único a votar contra o texto e avisou aos colegas que a proposta seria derrubada pela Justiça. "Isso vai ser julgado como inconstitucional lá na frente e o objetivo final, que é evitar o fechamento das comarcas, não vai acontecer porque o TJ vai certamente recorrer e a inconstitucionalidade vai ser dada como clara", disse. >
Sergio Majeski (PSB) também manifestou preocupação com a validade da proposta, apesar de ter votado a favor dela. "Hoje, votamos um decreto que anula o ato do Judiciário quando o próprio relator disse, várias vezes, que não há constitucionalidade. Eu espero que nós não tenhamos criado falsas expectativas de que um decreto legislativo possa revogar um ato do Judiciário.">
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