Publicado em 27 de março de 2020 às 05:00
Em tempos de coronavírus muitos políticos, especialistas na área econômica e empresários têm debatido os impactos da quarentena na economia. De um lado está quem afirma que o isolamento social vai causar um impacto muito grande na economia. Do outro, quem defende o confinamento, preocupado com o alto número de infectados.>
O dilema apresenta duas situações claramente distintas: na primeira, a teoria é que as empresas ficam abertas, os empregos ficam estabilizados, mas aumenta o número de infectados pelo coronavírus e possivelmente o número de mortos. Na segunda situação, as empresas e comércio ficam com atividades paradas e o número de infectados é reduzido. Mas o desemprego aumenta, empresas fecham as portas em definitivo e o país pode entrar num cenário de depressão econômica.>
Apoiando a primeira situação priorizando a manutenção dos empregos está o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e parte dos ministros. Já na sustentação da segunda situação dando prioridade para a redução do número de infectados estão governadores, outra parte dos ministros, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, e também as entidades médicas do país.>
Porém, de acordo com economistas, até mesmo a decisão de manter as empresas funcionando pode ser prejudicial para a economia. Isso porque a retomada das atividades normais deve aumentar o contágio entre os trabalhadores, aumentando a necessidade de internações, os custos para o governo federal e atrasando a retomada econômica.>
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O economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, por exemplo, afirmou que a decisão de manter as empresas e os negócios em funcionamento não necessariamente garantiria o emprego das pessoas. Isso porque. segundo ele, suspender o isolamento social não vai fazer com que as pessoas saiam consumindo.>
"As pessoas já estão muito assustadas e não vão sair consumindo mesmo que se decrete o fim do isolamento de repente", disse Fraga em entrevista por videoconferência ao jornal O Globo.>
A economista e professora da Fucape Arilda Teixeira também é uma das que pensa dessa forma. Segundo ela, ainda que as pessoas continuem trabalhando normalmente, os efeitos do coronavírus poderão ser sentidos na economia.>
Arilda Teixeira
Economista e professora universitáriaArilda lembra ainda que as pessoas que podem morrer infectadas pelo coronavírus também são consumidoras, trabalhadoras ou produtoras logo, também possuem grande importância econômica. Outro risco é que, com isso, o vírus continue circulando por mais tempo pela sociedade. >
"O que podemos afirmar é que esta é uma situação complexa e conflituosa. Os que estão falando olham apenas um ângulo do problema. Mas independente do ângulo que se olhe existem ônus para a sociedade", acrescenta.>
De acordo com Tyago Hoffmann, secretário de Estado de Governo do Espírito Santo, quando se vê as etapas de uma cadeia produtiva é nítido e óbvio que as medidas de isolamento adotadas pelos governos terão consequência econômica, mas, da mesma forma, a falta de isolamento afeta a saúde e também a economia. >
Um isolamento seguro por um pequeno período e com empresas trabalhando parcialmente, como tem sido feito atualmente no Espírito Santo e grande parte do Brasil, pode fazer com que o país evite o que tem sido chamado de "lockdown" que seria o confinamento total, com empresas completamente paradas. É isso que tem sido observado em parte da Itália e ocorreu na China. No país italiano a situação foi ainda pior após o afrouxamento de regras inicialmente implementadas, o que elevou o número de infectados, obrigando a nação a praticamente parar.>
Hoje, a curva de crescimento brasileira segue o avanço do coronavírus nesses dois países. A proposta com o confinamento é impedir o aumento exponencial, o que traria um colapso ainda neste mês à saúde pública.>
Uma outra alternativa seria o isolamento vertical, como foi feito na Coreia do Sul, onde somente as pessoas com sintomas da Covid-19 e idosos ficaram isolados. Porém, o exemplo sul-coreano não se aplica à realidade brasileira já que não existem recursos tecnológicos ou financeiros para que o teste seja feito em toda, ou praticamente toda, a população. Lá, a maioria dos cidadãos fizeram exames para confirmar ou descartar a infecção pelo sars-cov-2.>
No país coreano, aliás, sem o isolamento total, empresas, como a Samsung, adotam várias estratégias para impedir o alastramento da doença, como o uso de aparelhos que medem a temperatura corporal dos funcionários. No Espírito Santo, a Vale usa o sistema, mas nem todos os negócios têm recursos financeiros para adotar a ferramenta.>
O economista Eduardo Araújo, afirma que a discussão ultrapassa o campo puramente econômico. Essa discussão entra no que queremos, quais são as nossas prioridades, enquanto sociedade. Por um lado, não é possível mensurar o custo de uma vida humana. Por outro, é difícil saber quanto tempo as pessoas conseguem sobreviver sem os empregos, analisou.>
É importante lembrar que o confinamento prolongado pode ter grandes consequências nas finanças de muitos trabalhadores informais, que não tinham um colchão financeiro para suportar essa paralisação brusca em suas vendas.>
O isolamento também pode se fazer necessário para que o país ganhe tempo e consiga recursos para conseguir atendimento hospitalar para os casos graves dos possíveis infectados pela doença.>
Marcel Balassiano, pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV IBRE, destaca que estamos passando por uma crise da saúde com reflexos na economia. Isso faz com que a preocupação maior deva ser com a vida das pessoas. A gente sabe que o isolamento não vai durar a vida toda. A questão é reduzir o risco para, num segundo momento, rever a questão da abertura das empresas. Mas, nesse momento, o melhor é o isolamento, defende.>
E o isolamento, não necessariamente, vai ter um impacto econômico descontrolado. Segundo Balassiano, o governo federal possui instrumentos para mitigar os efeitos da crise.>
O que podemos discutir são as formas que o governo tem para reduzir os impactos econômicos, comenta. A meu ver, deveria haver um foco maior para as 70 milhões de pessoas que estão desempregadas, desalentadas, subocupadas ou no mercado informal, acrescenta.>
O Bolsa Família, por exemplo, atende 12 milhões de famílias a um custo muito baixo. Em número de pessoas, são cerca de 50 milhões. E aumentar a participação de famílias beneficiadas é uma medida de prazo curtíssimo para ajudar na recuperação econômica, analisa.>
Apesar de todo problema causado pelo coronavírus, Balassiano faz um pelo menos. Segundo ele, a situação poderia estar ainda pior se os juros brasileiros estivessem altos como estavam em 2016, quando estava em 14,25% ao ano.>
De lá para cá a nossa situação não mudou muito. O crescimento do PIB não foi grande coisa, o desemprego não caiu muito e, tirando a reforma da Previdência, aprovada no fim do ano passado, tudo segue mais ou menos igual. Porém, a queda dos juros de 14,25% para 3,75% nos faz gastar menos R$ 100 bilhões, ou R$ 120 bilhões por ano. Esse dinheiro dá um pequeno fôlego para as medidas econômicas, comenta.>
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