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Isolamento deve custar caro à economia, mas a falta dele pode ser pior

Isolamento deve custar caro à economia, mas a falta dele pode ser pior

O dilema apresenta dois lados distintos – um priorizando a estabilidade dos empregos e a sobrevivência das empresas e outro tentando reduzir a curva de contágio em todo o Brasil

Publicado em 27 de março de 2020 às 05:00

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Mulher olhando pela janela: nova rotina com coronavírus e isolamento
Mulher olhando pela janela: nova rotina com coronavírus e isolamento. (Alexandre Chambon/Unsplash)

Em tempos de coronavírus muitos políticos, especialistas na área econômica e empresários têm debatido os impactos da quarentena na economia. De um lado está quem afirma que o isolamento social vai causar um impacto muito grande na economia. Do outro, quem defende o confinamento,  preocupado com o alto número de infectados.

O dilema apresenta duas situações claramente distintas: na primeira, a teoria é que as empresas ficam abertas, os empregos ficam estabilizados, mas aumenta o número de infectados pelo coronavírus e possivelmente o número de mortos. Na segunda situação, as empresas e comércio ficam com atividades paradas e o número de infectados é reduzido. Mas o desemprego aumenta, empresas fecham as portas em definitivo e o país pode entrar num cenário de depressão econômica.

Apoiando a primeira situação – priorizando a manutenção dos empregos – está o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e parte dos ministros. Já na sustentação da segunda situação – dando prioridade para a redução do número de infectados – estão governadores, outra parte dos ministros, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, e também as entidades médicas do país.

Porém, de acordo com economistas, até mesmo a decisão de manter as empresas funcionando pode ser prejudicial para a economia. Isso porque a retomada das atividades normais deve aumentar o contágio entre os trabalhadores, aumentando a necessidade de internações, os custos para o governo federal e atrasando a retomada econômica.

O economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, por exemplo, afirmou que a decisão de manter as empresas e os negócios em funcionamento não necessariamente garantiria o emprego das pessoas. Isso porque. segundo ele, suspender o isolamento social não vai fazer com que as pessoas saiam consumindo.

"As pessoas já estão muito assustadas e não vão sair consumindo mesmo que se decrete o fim do isolamento de repente", disse Fraga em entrevista por videoconferência ao jornal O Globo.

A economista e professora da Fucape Arilda Teixeira também é uma das que pensa dessa forma. Segundo ela, ainda que as pessoas continuem trabalhando normalmente, os efeitos do coronavírus poderão ser sentidos na economia.

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Se você olhar só para o mercado, essa preocupação com empresas fechadas faz sentido. É recessão, desemprego e falência de negócios. Porém, o risco de contágio entre os entre os trabalhadores é tão grande que se as empresas continuarem trabalhando o cenário não será menos catastrófico. Nós vamos ter pessoas e mais pessoas precisando de atendimento sem ter condições de serem atendidas

Arilda Teixeira
Economista e professora universitária
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Arilda lembra ainda que as pessoas que podem morrer infectadas pelo coronavírus também são consumidoras, trabalhadoras ou produtoras – logo, também possuem grande importância econômica. Outro risco é que, com isso, o vírus continue circulando por mais tempo pela sociedade. 

"O que podemos afirmar é que  esta é uma situação complexa e conflituosa. Os que estão falando olham apenas um ângulo do problema. Mas independente do ângulo que se olhe existem ônus para a sociedade", acrescenta.

De acordo com Tyago Hoffmann, secretário de Estado de Governo do Espírito Santo, quando se vê as etapas de uma cadeia produtiva é nítido e óbvio que as medidas de isolamento adotadas pelos governos terão consequência econômica, mas, da mesma forma, a falta de isolamento afeta a saúde e também a economia.  

Um isolamento seguro por um pequeno período e com empresas trabalhando parcialmente, como tem sido feito atualmente no Espírito Santo e grande parte do Brasil, pode fazer com que o país evite o que tem sido chamado de "lockdown" – que seria o confinamento total, com empresas completamente paradas. É isso que tem sido observado em parte da Itália e ocorreu na China. No país italiano a situação foi ainda pior após o afrouxamento de regras inicialmente implementadas, o que elevou o número de infectados, obrigando a nação a praticamente parar.

Hoje, a curva de crescimento brasileira segue o avanço do coronavírus nesses dois países. A proposta com o confinamento é impedir o aumento exponencial, o que traria um colapso ainda neste mês à saúde pública.

Uma outra alternativa seria o isolamento vertical, como foi feito na Coreia do Sul, onde somente as pessoas com sintomas da Covid-19 e idosos ficaram isolados. Porém, o exemplo sul-coreano não se aplica à realidade brasileira – já que não existem recursos tecnológicos ou financeiros para que o teste seja feito em toda, ou praticamente toda, a população. Lá, a maioria dos cidadãos fizeram exames para confirmar ou descartar a infecção pelo sars-cov-2.

No país coreano, aliás, sem o isolamento total, empresas, como a Samsung, adotam várias estratégias para impedir o alastramento da doença, como o uso de aparelhos que medem a temperatura corporal dos funcionários. No Espírito Santo, a Vale usa o sistema, mas nem todos os negócios têm recursos financeiros para adotar a ferramenta.

O economista Eduardo Araújo, afirma que a discussão ultrapassa o campo puramente econômico. “Essa discussão entra no que queremos, quais são as nossas prioridades, enquanto sociedade. Por um lado, não é possível mensurar o custo de uma vida humana. Por outro, é difícil saber quanto tempo as pessoas conseguem sobreviver sem os empregos”, analisou.

É importante lembrar que o confinamento prolongado pode ter grandes consequências nas finanças de muitos trabalhadores informais, que não tinham um colchão financeiro para suportar essa paralisação brusca em suas vendas.

O isolamento também pode se fazer necessário para que o país ganhe tempo e consiga recursos para conseguir atendimento hospitalar para os casos graves dos possíveis infectados pela doença.

CRISE É DA SAÚDE COM REFLEXOS NA ECONOMIA

Marcel Balassiano, pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV IBRE, destaca que estamos passando por uma crise da saúde com reflexos na economia. Isso faz com que a preocupação maior deva ser com a vida das pessoas. “A gente sabe que o isolamento não vai durar a vida toda. A questão é reduzir o risco para, num segundo momento, rever a questão da abertura das empresas. Mas, nesse momento, o melhor é o isolamento”, defende.

E o isolamento, não necessariamente, vai ter um impacto econômico descontrolado. Segundo Balassiano, o governo federal possui instrumentos para mitigar os efeitos da crise.

“O que podemos discutir são as formas que o governo tem para reduzir os impactos econômicos”, comenta. “A meu ver, deveria haver um foco maior para as 70 milhões de pessoas que estão desempregadas, desalentadas, subocupadas ou no mercado informal”, acrescenta.

“O Bolsa Família, por exemplo, atende 12 milhões de famílias a um custo muito baixo. Em número de pessoas, são cerca de 50 milhões. E aumentar a participação de famílias beneficiadas é uma medida de prazo curtíssimo para ajudar na recuperação econômica”, analisa.

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SITUAÇÃO NÃO É FAVORÁVEL , MAS PODERIA ESTAR PIOR

Apesar de todo problema causado pelo coronavírus, Balassiano faz um “pelo menos”. Segundo ele, a situação poderia estar ainda pior se os juros brasileiros estivessem altos como estavam em 2016, quando estava em 14,25% ao ano.

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“De lá para cá a nossa situação não mudou muito. O crescimento do PIB não foi grande coisa, o desemprego não caiu muito e, tirando a reforma da Previdência, aprovada no fim do ano passado, tudo segue mais ou menos igual. Porém, a queda dos juros de 14,25% para 3,75% nos faz gastar menos R$ 100 bilhões, ou R$ 120 bilhões por ano. Esse dinheiro dá um pequeno fôlego para as medidas econômicas”, comenta.

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