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Crédito: Geraldo Netto

Dez mil mortos pela Covid-19 no ES: a despedida que não foi possível

Nesta terça-feira (11), o Espírito Santo atingiu o número de 10.013 mortes pela Covid-19. Uma doença que deixa um rastro de dor e que tirou de milhares de famílias a oportunidade de se despedir das pessoas que amavam

Vitória / Rede Gazeta
Publicado em 11/05/2021 às 18h06

Um abraço apertado e silencioso, um “eu te amo” sussurrado ou um olhar amoroso de agradecimento, com a mensagem de que poderia seguir em frente que a família seria bem cuidada. Uma separação sem despedida deixa lacunas.

Há quem gostaria de pedir perdão, por exemplo, por não poder estar presente no momento mais difícil da vida de quem ama. E há  quem, na certeza da fé, daria apenas um "até logo", apostando em um reencontro futuro.

Desejos assim não puderam ser colocados em prática por aqueles que perderam familiares ou amigos para a Covid-19 no Espírito Santo. Uma doença traiçoeira, que deles tirou o direito de se despedirem, de dizerem as últimas palavras para quem amam.

“Se eu pudesse, agradeceria. Também o tranquilizaria de que vou criar as minhas filhas com o máximo de amor e honestidade, como me foi ensinado”, desabafa a empresária Bryce Caniçali. Ela perdeu o pai, Walter Xavier da Costa, 85 anos, em junho do ano passado.

Arte para matéria dos 10 mil mortos pela Covid-19
Bryce perdeu o pai

“Eu diria aos meus tios e avó o que eles sabiam: o quanto os amava”, complementa o farmacêutico Saulo Mota, morador de Pinheiros, Norte do Estado. Entre março e abril deste ano, ele perdeu a avó, Iracy Pereira da Mota, 91, e os tios Marilda Pereira da Mota, a Mara, 69; Pedro Pio Pereira da Mota, 67; e Maria Aparecida Mota do Livramento, a Tida, 63.

DEZ MIL MORTOS NO ESTADO

A dor da saudade é ampliada, após 14 meses de pandemia, com o aumento do número de pessoas que, diariamente, perdem a luta para o novo coronavírus. Nesta terça-feira (11), o Espírito Santo atingou o número de 10.013 mortes causadas pela Covid-19. Pessoas cuja passagem foi feita sem velório, sem a presença dos amigos, sem os rituais que ajudam a superar o luto.

Aparecida Barcelos dos Santos

Administradora

"Esta doença tira de você o direito de estar com quem ama antes da partida. Só quem viveu ou esta vivendo sabe a dor e a tristeza. Após 31 anos de casados e de muita cumplicidade, meu marido estava só quando mais precisou de mim. E eu gostaria de ter dito o quanto lamento por não ter podido estar com ele no momento em que mais precisou de mim. Este direito me foi tirado"

Aparecida era casada com Carlos Alberto dos Santos, 58 anos, que morreu por causa da Covid-19 em 9 de junho do ano passado. Juntos, eles tiveram quatro filhos.  “Para os que ficam, resta apenas dor, vazio e muita saudade”, desabafa.

Arte para matéria dos 10 mil mortos pela Covid-19
Aparecida perdeu o marido. Crédito: Geraldo Netto

OS ÚLTIMOS MOMENTOS

A última lembrança da família Gaudio reunida foi na virada do ano. “Foi o último abraço que dei em meu pai antes dele adoecer e passar 45 dias em uma UTI. Cheguei a vê-lo no último dia e pedi a Deus que o tirasse daquele sofrimento, ele não merecia”, conta a professora Thaís Gaudio sobre o pai, Elias Gaudio, 57, que morreu em fevereiro.

Três meses antes, em novembro do ano passado, ela tinha perdido os tios, Jaciara Moraes Gaudio, 57, e Jaime Gaudio Júnior, 61. “Eu gostaria de ter tido um momento a mais com meus tios. Se soubesse que seriam os últimos dias deles, eu teria dito o quanto os amo”, acrescenta.

Dez mil mortos pela Covid-19
Thaís perdeu o pai e os tios . Crédito: Arte - Geraldo Netto

A dona de casa Neyla Aparecida Correa Eugênio da Silva, de Colatina, gostaria de ter tido a oportunidade de dizer aos pais - Maria de Fátima Correa Eugênio, 66, e José Anastácio Eugênio, 69, que morreram com menos de um dia de diferença -, que eles foram guerreiros na luta para criar os 11 filhos, que lhes deram 24 netos e três bisnetos. “Daria um abraço forte, diria que nós os amamos muito, e que eles foram os melhores pais”, assinala.

Assim também teria feito a funcionária pública Carla da Costa Rodrigues, moradora de Mantenópolis, que viu a irmã partir muito cedo, aos 17 anos. Gessica da Costa Pessoa morreu quatro dias após ser contaminada, horas após dar entrada no Hospital Silvio Avidos, em Colatina. 

“Eu agradeceria por tudo o que ela fez por mim e por minhas filhas, diria o quanto eu a amo e o quanto vou sentir falta dela”, arremata.

Arte para matéria dos 10 mil mortos pela Covid-19
Carla  perdeu a irmã. Crédito: Arte - Geraldo Netto

Para as famílias que conseguiram, em vida, dizer tudo o que sentiam, ficou o desejo de saber se os seus entes queridos ainda tinham algum sonho não realizado. É o caso da servidora estadual Zu Amaro, cujo pai, o ex-prefeito de Santa Teresa, Gilson Amaro, ficou internado 57 dias em uma UTI.

“A maior dor é não ter podido estar ao lado dele quanto partiu. Gostaria que ele tivesse falado qual desejo não conseguiu realizar em vida, o que gostaria que eu realizasse”, conta.

E mesmo sem despedida, há aqueles que também acreditam no reencontro, como é o caso do operador de máquinas Leandro Alacrino, que em março deste ano perdeu a irmã Luciana Alacrino, 37; e os pais, Domingas de Jesus, 54, e Antonio Veríssimo,76. 

“Se pudesse ter me despedido, eu não diria um adeus, mas um até logo, porque eles eram pessoas de fé e acreditavam na salvação”.

Arte para matéria dos 10 mil mortos pela Covid-19
Zu perdeu o pai. Crédito: Arte - Geraldo Netto

DIFÍCIL RECOMEÇO

Desde que a primeira morte pela Covid-19 foi registrada em solo capixaba, a doença tem provocado cenários de muita dor, de realidades difíceis de serem aceitas. É o que Saulo vivencia diariamente. 

“A gente não planeja se despedir de alguém que tanto ama. Ninguém está pronto para isto. Fomos todos pegos de surpresa. Tenho me sentido emocionalmente abalado, como se as nossas estruturas não existissem mais”, relata.

Saulo prefere lembrar da alegria e da dedicação de sua avó e dos tios e dar continuidade ao legado que recebeu. “A família Mota sempre transpirou alegria, bom humor e amor, e isto me faz feliz para dar continuidade a tudo o que aprendemos com eles”, relata. 

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Saulo perdeu a avó e três tios. Crédito: Arte - Geraldo Netto

HISTÓRIA SEM FINAL

Além da despedida que não foi possível, há momentos que não foram concretizados.  “Eu tinha descoberto minha gravidez há pouco tempo e falei para o meu pai por mensagem de texto. Ele respondeu que iríamos conversar sobre a novidade, mas não tivemos a oportunidade. O sentimento que fica é de como teria sido se ele não tivesse morrido. Penso nisto a cada expressão da minha filha, em como ele iria achar, sentir, tratar a Malu. Infelizmente ele não esta aqui para viver este momento”, relata Bryce.

Para Leandro, os encontros familiares jamais serão como antes. Enquando enterrava o pai, Antonio,  ele recebeu a notícia de que a mãe, Domingas, tinha acabado de falecer. “Perdi os dois em menos de 24 horas”, conta. E pouco mais de uma semana, a irmã Luciana também morreu por causa da Covid-19. “Não deu tempo nem de respirar”.

A família fazia planos para quando todos se recuperassem. “A gente sabia da gravidade da doença, mas tínhamos esperança de que se recuperassem e planejávamos, quando fosse possível, de todos se reunirem, mesmo com distanciamento, para fazer um culto de agradecimento. Não tivemos a oportunidade”.

Já  Aparecida e seus quatro filhos, que adoravam os desafios em vídeo da internet, passados dez meses após a morte do marido, enfrentam dificuldades para seguir em frente. “A vida perdeu um pouco de sentido. Ficou como se algo sempre faltasse. Para nós, foram muitos sonhos não vividos, projetos inacabados, ficou o sentimento de uma história sem um final”, conta.

Para ajudar a superar a dor, alguns lançaram mão de pequenas recordações, como a família de Elias Gaudio. A esposa, Alexsandra, e as filhas, Kezia e Thaís, fizeram um relicário em formato de coração, com fotos da família. A neta de Gilson Amaro, Claudia Sales, optou por uma tatuagem: “Sempre sorrindo, com todo o seu amor. GA”.

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Neyla perdeu os pais. Crédito: Arte - Geraldo Netto

ALERTA DE QUEM VIVE A DOR DO LUTO

Os que vivenciaram a perda de quem muito amava são taxativos: se cuidem. “Tomem cuidado porque esta doença é real e ela rouba a pessoa da gente. A gente não tem tempo para ouvir mais a voz da pessoa. Um dia ela está lá, lutando para respirar, no outro dia é intubada e depois nunca mais você ouve a voz dela. Foi o que aconteceu comigo. Nunca mais pude ouvir a voz do meu avô, a não ser nas gravações e áudios. É muito triste e difícil”, conta a Claudia Sales, que perdeu o avô, Gilson Amaro. 

Carla, que perdeu a irmã, observa que não sabemos como e onde podemos pegar a doença, ou como nosso corpo irá reagir. “Cada um reage de uma forma, foi assim com minha irmã, jovem, sem comorbidade, e que veio a óbito. Vamos nos cuidar, porque não é fácil passar pelo que estamos passando”.

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 Leandro perdeu os pais e a irmã. Crédito: Arte - Geraldo Netto

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