Publicado em 2 de junho de 2020 às 17:18
Centenas de crianças especiais que possuem síndromes variadas ou são portadoras de alguma deficiência física estão sem ter acesso a atendimento médico e a remédios, alguns deles de venda controlada. A maioria depende de atendimento público ou filantrópico, oferecido em ambulatórios, núcleos, centros de atendimento ou unidades de saúde, que acabaram sendo suspensos em decorrência da pandemia do novo coronavírus.>
De acordo com Lúcia Mara dos Santos Martins, são dezenas de denúncias por dia. Ela é coordenadora do coletivo Mães eficientes somos nós, que reúne mais de 150 mães com filhos especiais em idades variadas. Todos com tratamentos regulares que foram suspensos. >
Ela relata que os filhos destas mães são crianças, adolescentes, jovens e adultos com todos os tipos de deficiência, que vão de autismo, passando por esquizofrenia, deficiência intelectual, a tratamentos oncológicos, neurológicos, dentre outros. São tratamentos contínuos, que não podem ser interrompidos para evitar surtos e crises, observa.>
A maioria destas famílias são carentes e dependem do atendimento médico público, como explica Demilene Prates, conselheira do coletivo e ainda do CRE Metropolitano. Ela conta o caso de mães que tiveram que pagar até R$ 300 em uma consulta com uma neuropsiquiatra. A mesma médica que atendia a criança pelo SUS, mas ela não podia ficar sem a consulta, relata.>
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O filho de Demilene, de 13 anos, tem autismo e esquizofrenia e está sem consultas de neurologia e psiquiatria. Ele precisa de acompanhamento e não tenho como pagar as consultas, relata. >
Lúcia conta que muitas famílias demoram até anos para conseguir consultas com algumas especialidades, que acabaram sendo suspensas logo após a decretação da pandemia. Várias mães relatam que tinham consultas agendadas para especialidades, ou para retornos médicos após exames e que foram atendidas. Começaram um tratamento e até não conseguiram retornar ao médico. Há casos em que a medicação não fez efeito ou precisa ser alterada, o filho teve algum surto e estão sem nenhum apoio. Tratar a Covid-19 é importante, mas há outras doenças graves que também precisam de atendimento, ressalta.>
Com três filhos especiais em idade adulta, 30, 28 e 24 anos, Lúcia conta que com a pandemia eles estão mais agitados. Acirraram as crises, estão mais agitados, dependendo de terapia psicológica, o que não está acontecendo. O fato é que se para uma pessoa com habilidades cognitivas normais o isolamento é difícil, imagina para os que não conseguem entender o que está acontecendo, porque não podem ir para a escola ou para os projetos que participam, relata.>
Dois dos filhos dela foram os primeiros alunos aprovados, em 2018, na Ufes. Bruno faz Serviço social e Samuel Ciências Sociais, conta, acrescentando que seus filhos possuem uma certa autonomia graças ao tratamento regular com psiquiatra e psicólogo.>
Para estas mães, o momento em que precisariam estar sendo acolhidas, tem sido de abandono. É o que relata Marta Aparecida de Souza, que tem dois filhos com autismo de espectros diferentes: uma garota de 16 anos e um menino de 10 anos.>
Moradores da Serra, os dois faziam tratamentos regulares no Himaba, em Vila Velha, na Amaes, em Vitória, no Caps Infantil da Serra, e no Projeto João do Pulo, do Exército em Vila Velha. Eles sempre foram ativos, adoravam os projetos, participavam dos tratamentos com regularidade e tudo foi suspenso, conta.>
Nesta segunda-feira (01), os dois filhos de Marta tiveram um surto em uma unidade de saúde. Levei os dois para vacinarem, um homem foi agressivo com o menor e a irmã foi defendê-lo. Minha filha é mais tranquila e nunca tinha tido um surto de raiva. Foi a primeira vez. Foi desesperador. Não consegui conter os dois. Chorei muito, me senti muito impotente, conta, relatando que as consultas agendadas com a neurologista e com a psiquiatra foram suspensas em março. >
A atendente de feira Bruna Mara Marcelino tem dois filhos, 8 e 11 anos, sendo o mais velho autista. Ele fazia acompanhamento na Apae com neuropediatra e psiquiatra, atendimento que foi suspenso. Em decorrência disto, a mãe não está conseguindo comprar os remédios que o filho precisa. >
Os medicamentos que ele toma precisam de receita controlada para que eu possa pegá-los no CRE Metropolitano. Aguardei por meses para conseguir uma consulta no Núcleo de Saúde Mental de Viana, e na semana em que estava agendada veio a pandemia. Meu filho está sem a medicação porque não consigo atendimento médico, relata.>
Sua preocupação é com uma possível crise. Ele não para quieto e não adianta falar que não é para ir à rua. É difícil controlar, agora mais ainda. Não tenho nenhum remédio para dar a ele e se entrar em crise?, desabafa.>
Outra mãe que enfrenta dificuldades para obter remédios para seus filhos de 18 e 14 anos, é Giovana Lopes de Moraes Nunes. O mais velho precisa de acompanhamento para ansiedade, TDH e déficit de atenção. O mais novo faz acompanhamento para distúrbio mental. >
Eles precisam do acompanhamento para que ela possa obter os medicamentos com receitas controladas. Os de alto custo pego no CRE Metropolitano e alguns eu compro. Não é qualquer médico que pode prescrever, precisa ter acesso a receita amarela especial. Até na farmácia só liberam duas caixas por paciente, e meu filho precisa para suporte escolar, relata.>
Para obter as receitas ela tem praticamente implorado na unidade de saúde. A gente apela, relata a situação, é quase como um favor que fazem. As consultas de retorno foram canceladas e já tinha três dias que meus filhos estavam sem a medicação. O caçula estava sem dormir. Consegui uma receita, assim mesmo com as dosagens erradas, relata.>
Vários exames realizados por seus filhos para acompanhamento não puderam ser apresentados aos médicos. Estamos sem a nossa rotina de médico, exames, retorno de consultas. Já é difícil conseguir, às vezes esperamos até 3 meses por um agendamento e bagunçou tudo. E se tiver urgência, para onde levamos, questiona Giovana. >
Seus filhos faziam fisioterapia, tratamento com psicólogo, fonoaudiólogo e reforço escolar na Apae de Viana. Tudo suspenso, deixando mais de 250 crianças sem atendimento presencial, até para cadeirantes que precisam de estímulo para evitar perdas neurológicas maiores, desabafa.>
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