Autor(a) Convidado(a)

Saiba como manter a rotina de crianças com autismo durante a quarentena

Atividades como terapias, aulas e atividades voltadas para o desenvolvimento de habilidades sociais e psicomotoras estão suspensas. O que fazer?

  • Mylena Pinto Lima
Publicado em 27/03/2020 às 13h37
Atualizado em 27/03/2020 às 20h24
Criança, autismo
Como manter um padrão de rotina quando o mundo inteiro se recolhe dentro de suas casas e apartamentos com medo de um inimigo invisível?. Crédito: Pixabay

Se há algo que une todos os indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é a necessidade de ter uma rotina. Não que ela precise ser, em todos os casos, extremamente estrita. Mas a previsibilidade sobre quais as atividades devem ser feitas durante o dia transmite uma sensação de segurança, ou mesmo conforto, para lidar com os inúmeros estímulos e demandas de comportamentos do cotidiano.

Isso acontece porque para pessoas com autismo, especialmente crianças, algo completamente novo no seu dia pode gerar uma sensação quase insuportável de ansiedade e evocar comportamentos difíceis. Compreender e lidar com o sentimento de frustração pelo fato de que algo na rotina já bem conhecida não irá mais acontecer é uma das principais barreiras que uma pessoa com autismo e sua família terá que enfrentar.

Mas como manter um padrão de rotina quando o mundo inteiro se recolhe dentro de suas casas e apartamentos com medo de um inimigo invisível? Como oferecer o conforto da previsibilidade quando todos os dias as novidades se atropelam, fazendo qualquer planejamento para alguns dias à frente parecer inócuo?

Nas redes sociais, mães e pais de crianças com autismo não escondem a aflição. As atividades rotineiras, como terapias, aulas e atividades voltadas para o desenvolvimento de habilidades sociais e psicomotoras estão suspensas. A questão de fato não é simples e especialistas em todo o mundo tem oferecido alternativas.

A interrupção abrupta das terapias pode fazer com que o desenvolvimento de habilidades importantes para a vida social, comportamental e emocional sejam paralisadas ou mesmo que regridam. Além disso, pode-se ver uma aumento brusco da ocorrência de comportamentos difíceis.

Sendo assim, o que fazer?

COMUNICAÇÃO

Em todos os casos é essencial explicar da melhor forma possível o que está acontecendo e por que a rotina da criança está sendo quebrada. Isso pode ajudar a reduzir a ansiedade e a sensação de perda e prevenir o aumento das birras e outros comportamentos indesejáveis. Para isso, temos algumas possibilidades.

Caso você esteja cuidando de uma criança ou membro da família com autismo, e essa criança possui maior facilidade com a linguagem, é importante conversar com ela sobre o coronavírus para garantir que eles tenham as informações necessárias, mas sem assustá-la desnecessariamente. De preferência, antes que eles ouçam sobre isso em outro lugar, para que você possa entender o que eles sabem e fornecer fatos apropriados à idade e compreensão deles. Você pode utilizar histórias sociais elaboradas por psicólogos e disponíveis online para este fim.

No caso de crianças com mais dificuldade para aprender ou não verbais, a saída é comunicar-se da maneira que ela possa compreender. Além histórias sociais simplificadas, utilize atividades práticas como a rotina de lavar as mão para introduzir o tema e um novo vocabulário para a criança sobre os riscos de contrair a doença.

RETOMAR A ROTINA

Entenda que houve uma ruptura muito drástica para todos nós. Para uma criança com autismo, isso é potencializado, porque muitas vezes ela não irá compreender o motivo de não poder ter acesso às atividades habituais ou que ela não poderá ter acesso a atividade fora da casa imediatamente.

A boa notícia é que, se aquela rotina ao qual seu filho ou filha estava acostumado(a) foi quebrada, os pais podem reorganizá-la, adaptando para a nova realidade temporária.

Para isso, invista na comunicação e recrie uma sensação de previsibilidade com atividades que se sequenciam durante o dia, explicando o que vai acontecer daqui a pouco, o que acontecerá em seguida, e assim sucessivamente. Por exemplo, ela irá tomar café da manhã e depois assistir TV; ou escovar os dentes e depois brincar no quintal; ou ainda, tomar banho e depois brincar com a massinha e assim sucessivamente pode-se montar uma nova rotina para o qual a criança terá tempo para habituar-se.

Isso permite que a criança volte a ter um certo controle sobre o mundo ao seu redor, diminuindo as incertezas que podem gerar ansiedade.

ENGAJAMENTO E CRIATIVIDADE

Mas é bom lembrar que de nada adianta os pais criarem uma planilha de atividades se não conseguirem engajar a criança. Por isso, é importante sempre identificar as preferências das crianças antes de criar as possibilidades de atividades para melhor motivar a criança a seguir o que é proposto para ela a cada momento do dia.

Talvez essa seja a parte mais difícil, pois também contará bastante com o engajamento, a criatividade e paciência dos próprios pais. Adaptar aquilo que faria normalmente em outro ambiente para algo feito dentro de casa pode ajudar. Ela costuma ir à casa da vovó? Talvez fazer uma videochamada. Se costuma ir ao cinema no final de semana, que tal adaptar para uma sessão de filme em casa com pipoca, suco e a companhia da família?

Usar a criatividade para adaptar elementos da rotina quebrada na nova pode fazer toda a diferença.

CONTINUE AS TERAPIAS

Interromper completamente as terapias é sempre uma péssima ideia e deve ser sempre o último caso. Deste modo, verifique com os profissionais se é possível obter suporte no formato Telehealth. Existe substancial evidência mostrando que quando se seguem as regras para a oferta de serviços dessa natureza, ele é muito efetivo. Em geral, suporte remoto irá envolver orientações aos pais para que consigam replicar, eles mesmos, em casa, ao menos parte da terapia.

Retorne imediatamente para a terapia assim que for possível. O desenvolvimento da criança com autismo depende da continuidade do tratamento.

CUIDE-SE DE VOCÊ TAMBÉM

É normal se sentir preocupado ou sobrecarregado às vezes. Por isso, talvez seja importante procurar seu sistema de suporte, incluindo contatos da escola, profissionais de saúde e grupos de apoio. Seja uma fonte de tranquilidade e positividade para ajudar seu filho a se sentir seguro em situações assustadoras.

Por fim, procure observar se as mudanças na rotina trazem sinais de dificuldade para adaptação ao contexto. Seu filho pode precisar de apoio adicional se estiver exibindo sinais de estresse.

A autora é psicóloga, com  especialidade em Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo. É mestre em Análise do Comportamento pela Universidade Federal do Pará e o doutora em Psicologia da Saúde e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Espírito Santo 

A Gazeta integra o

Saiba mais
Coronavírus Isolamento social

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.