Ofensa a mulheres na política não é liberdade de expressão

Ataques e agressões a mulheres com mandato político não agregam nada ao debate público e não podem continuar sendo naturalizados

Publicado em 27/05/2021 às 02h00
Mulheres na política
Algumas ofensas nas redes sociais a mulheres que têm mandato político no ES. Crédito: Arte Geraldo Neto

Uma mulher, quando decide ingressar na carreira política, não encontra somente o desafio de ser aceita pelas urnas, em um país no qual a baixa representatividade feminina ainda é uma realidade. Quando, a duras penas, ela consegue se eleger para algum cargo público, outros obstáculos se interpõem, como ficou explícito em reportagem deste jornal publicada no último domingo (23).

O tratamento recebido por parlamentares e representantes do Executivo do sexo feminino, em qualquer esfera, nas redes sociais é um reflexo do machismo persistente na sociedade, praticado por quem se sente protegido pelo distanciamento físico da internet. Com adjetivos que vão de "maluca" a "vagabunda", só para ficar em dois considerados menos agressivos, embora não menos ofensivos, as mulheres na política têm de estar preparadas para serem achacadas sem qualquer motivo. 

O levantamento de A Gazeta foi feito nas redes sociais do próprio jornal e nos perfis das mulheres que são criticadas e de alguns pares da vida política. Mesmo que não tenha força de estatística, são importantes exemplos da disseminação de ofensas, no âmbito estadual, contra vereadoras, deputadas e lideranças do Executivo.

Fica evidente que os ataques não fazem distinções ideológicas: mulheres com atuação em qualquer espaço do espectro político não estão livres de terem a moral, a aparência e a vida privada e sexual expostas de forma negativa. O julgamento que se faz não é ao mérito da atuação política delas, diferentemente do que ocorre com a ampla maioria dos homens na vida pública.

Assim, uma vereadora do Psol como Camila Valadão ou uma deputada federal do PSC como Lauriete, de posições políticas tão distintas, estão sujeitas ao linchamento virtual pelo simples fato de serem mulheres. E não só elas, como ficou patente na reportagem:  as principais representantes do sexo feminino em atuação no Espírito Santo são vítimas dessas agressões, caracterizadas como violência política de gênero. 

Qualquer ação que tenha como objetivo excluir grupos minoritários da política se enquadra nessa situação, o que inclui o descrédito velado (ou nem tanto assim) dos seus pares masculinos na política. Caso recente envolvendo a própria Camila Valadão, apontada em público por usar blusa de um ombro só durante sessão na Câmara de Vitória, no Dia Internacional da Mulher, é um exemplo desse julgamento explícito.

A credibilidade dessas mulheres é arrancada sem nenhuma motivação racional. Não quer dizer que as mulheres que fazem política não erram: ser mulher não é garantia de idoneidade ou de eficiência, mas nos casos em que isso fica comprovado, as críticas acabam extrapolando para as ofensas que nada têm a ver com os malfeitos.

Não é por pouco que o desestímulo para o ingresso na política persista: é como se elas estivessem socialmente desautorizadas a ocupar esse espaço. Em pleno século 21, não há lei que impeça uma mulher de se candidatar a um cargo eletivo, mas a força simbólica da rejeição é um impeditivo incontestável.

Na Câmara de Vitória, com apenas duas vereadoras entre as 15 cadeiras elegíveis, a atual legislatura registra a maior representatividade feminina dos últimos 30 anos. Como os legislativos municipais costumam ser a porta de entrada para a política, o exemplo de Vitória mostra que esse processo de ocupação feminina ainda se arrasta. Na Assembleia Legislativa, atualmente há três deputadas entre os 30 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, as mulheres ocupam três das dez vagas. E, no Senado, há uma representante.

Há atualmente, parado no Senado, um projeto de lei aprovado no ano passado pelos deputados que tipifica esse tipo de agressão e prevê punições para os partidos, nos casos em que parlamentares venham a ser silenciadas ou agredidas no exercício da sua função. As agressões virtuais também são passíveis de punições na esfera legal, por se enquadrarem em crimes de ameaça, difamação, violência da intimidade, importunação e assédio sexual.

Essa postura ofensiva, que não agrega nada ao debate público, não pode continuar sendo naturalizada. Atacar deliberadamente uma mulher atuante na política não é liberdade de expressão: é, na verdade, a expressão do machismo.

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